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sábado, 31 de março de 2012

TEXTOS FREI MAURO STRABELI (MARÇO 2012): "OS EVANGELHOS de MATEUS, MARCOS e LUCAS" - 2ª PARTE DO DOCUMENTO:


2.   O Evangelho de  Marcos
            Já fizemos mais acima uma pequena introdução  sobre os evangelhos em geral. Agora passamos a estudar brevemente cada um deles. Eles estão na liturgia da Igreja  como parte integrante da Palavra. Realmente a Liturgia dominical da Palavra  é organizada num ciclo de três anos, chamados  Anos A, B e C. Em cada ano a liturgia de Palavra é diferente..  Cada ano desses é chamado Ano litúrgico e as leituras bíblicas  conduzem os fiéis por um caminho de instrução que vai da espera do Messias (Advento)  até o final dos tempos, também chamado Parusia  (isto é: a volta do Senhor). Os evangelhos usados nesses três anos são os evangelhos chamados sinóticos; são os três primeiros: Mateus (Ano A), Marcos (Ano B) e Lucas (Ano C). São chamados sinóticos porque os três  são  muito semelhantes. [A palavra "sinótico" quer dizer: ver em  conjunto]. O Evangelho de S. João não é sinótico porque é inteiramente diferente dos três primeiros. Não é um evangelho narrativo; ao contrário, é um verdadeiro tratado de teologia.
            Cada evangelho  procura transmitir o que Jesus falou e fez,  acentuando porém um aspecto próprio. Desse modo, o Evangelho de Mateus acentua muito o sentido de Igreja como Comunidade de Jesus. Por isso o seu evangelho é chamado Evangelho eclesiológico ; no ensino de Mateus,   Jesus é o Mestre que faz conhecer a vontade do Pai e ensina a viver em comunidade.
            O Evangelho de Marcos acentua  mais a Pessoa de Jesus e pouco fala de Comunidade. Ele mostra que Jesus é o Messias  enviado por Deus, é o Homem de Nazaré - que deve ser reconhecido pelas obras maravilhosas que faz; Jesus não é, porém aquele Messias que os judeus  esperavam: um líder  político enviado por Deus e que viria libertar seu povo. Jesus  é o  "Filho do Homem, isto é, o Messias encarnado,  um Messias, porém,  que não veio  para dominar mas para servir e dar a vida. Seu evangelho é um Evangelho cristológico.
            O Evangelho de Lucas anuncia a libertação oferecida por Deus. Jesus é o Salvador e veio ao mundo para salvar. A salvação de Jesus se abre para todos os povos. É o Evangelho dos simples, dos pobres, dos pecadores e da misericórdia e Deus. Seu evangelho é um Evangelho soteriológico (trata da salvação de todos)
             O Evangelho de João é o resultado da reflexão de sua Comunidade, já mais amadurecida, que já conhecia a “história de Jesus” e agora se interessava, com João, aprofundar-se no conhecimento das verdades ensinadas pelo Senhor.  A Comunidade, instruída por João, ultrapassava as idéias comuns sobre Jesus e passou a ver nele alguém muito mais do que um simples Messias. Essa intuição é que vai dar  a identidade do Evangelho de João que não é, como os outros, um evangelho narrativo (sobre fatos e palavras de Jesus) mas é um Evangelho teológico, que vai expor as grandes idéias sobre Jesus como Filho d Deus encarnado.
Se o Evangelho é o conteúdo da proclamação cristã, a boa nova, ou seja  o anúncio da libertação dos homens  por Deus  em Jesus Cristo, o evangelho de Marcos é a primeira narração histórica sobre esse  projeto (Marguerat, 45). Seu texto começa exatamente com a palavra “evangelho”: ”Princípio do Evangelho de Jesus Cristo” (Mc 1,1).
A tradição cristã é unânime em atribuir a Marcos um evangelho, pois ele foi intérprete e discípulo de Pedro -  como escreveu o bispo Pápias, no séc. I. Marcos  é muito mencionado no NT.
Seu evangelho foi escrito para cristãos não-judeus, como comprova as explicações que ele dá às expressões hebraicas usadas no seu texto, como por ex. Boanerges = filhos do trova (3,17);  talitha kumi =  menina, levanta-te (5,41), e outros textos (7,11.34; 14,36, 15, 22.34).
O Evangelho de Mc foi escrito em Roma, mais ou menos em 65 dC. (Há quem o coloque no ano 50 dC, como o Padre O’Callaghan, do PIB). Ele representa uma fase de transição das fontes orais da tradição (algumas já escritas)que são inseridas na  sua narração escrita. A vida e obra de Jesus nele narradas falam ainda hoje  vivamente  aos leitores.
Marcos divide seu evangelho em quatro partes. A primeira parte tem três seções. Cada seção começa com um sumário sobre a atividade de Jesus, tem uma parte central onde Jesus ensina, cura, ou discute com os fariseus . . . e uma conclusão que acentua a cegueira, incompreensão ou hostilidade dos fariseus ou dos discípulos.
O esquema seria esse  [É esquema acadêmico;pode ser descartado]
Iª PARTE - com 3 seções.
1ª seção : de 1,14 a 36 onde há :
Sumário (1,14-15) e fala da chamada dos primeiros discípulos (1,16-20)
Parte central : Jesus ensina, cura, discute com fariseus (1,21   3,4)
Conclusão : Cegueira de coração e hostilidade dos fariseus (3,5-6)

2ª seção : de 3,7   6, 6a onde há também :
Sumário (3,7-12) e fala da escolha dos Doze discípulos (3,13-19)
Parte central : Jesus ensina : doutrina (3,20   5,43)
Conclusão : incredulidade (6,1-6a) [parentes e conterrâneos]

3ª seção : de 6,6b   8,26 onde há também :
Sumário : (6,6b) e fala da missão dos discípulos (6,7-13)
Parte central : (Herodes) Doutrina e duas multiplicações de pães (6,6b   8,26)
Conclusão : incompreensão dos discípulos (8,14-21) [depois do entusiasmo inicial : 1,14ss]
EPISÓDIO CENTRAL : o cego de Betsaida (8,22-26)
IIª PARTE - com 3 seções
A segunda parte (8,31   10,52) tem outras três seções onde o tema é o anúncio da Paixão feito três vezes (8,31; 9,30-31; 10,33-34). Cada anúncio da Paixão é seguido sistematicamente por uma incompreensão dos discípulos (8,32s; 9,32. 34; 10,35-37) e por uma instrução de Jesus (8,34-38; 9,35-37; 10,38-45). Há sempre um complemento catequético encerrando a seção.
                        O esquema é este:
1ª seção : de 8,31 a 9,29
  anúncio da Paixão : incompreensão dos discípulos (8,31-33)
Ensino de Jesus : ser discípulo, tomar a cruz  . . . (8,34-38)
Complemento catequético : transfiguração . . . (começa o processo de aproximação e compreensão) (9,2-29)
2ª seção : de 9,30   10,31
2º anúncio da Paixão : incompreensão dos discípulos (9,30-34)
Ensino de Jesus : quem quiser ser o primeiro, seja o que serve (9,35-37)
Complemento catequético : divórcio, riquezas, deixar tudo pelo Evangelho (10,1-31)
3ª seção : de 10,32   10,52
3º anúncio da Paixão : incompreensão dos discípulos (10,32-41)
Ensino de Jesus : governadores que dominam; o Filho veio servir . . . (10,42-45)
Cura do cego de Jericó (10,46-52)
Entre o primeiro bloco do esquema teológico de Marcos (formado pelas 1ª e 2ª partes já vistas) e o segundo bloco (formado pelas 3ª e 4ª partes) está o relato da cura do cego de Jericó (10,46-52). É um relato fundamental no esquema de Marcos porque completa a “Confissão de Pedro”. Também o cego descobre em Jesus, o Messias, mas com muito mais coragem que Pedro ele o proclama “o Messias” e o segue no caminho para  
   Quem descobre Jesus, o segue necessariamente. Aqui está o ponto fundamental da teologia de Marcos sobre a Pessoa de Jesus : incompreendido, descoberto, professado, seguido.
A terceira parte do Evangelho vai tratar das atividades de Jesus-Messias em Jerusalém quando o conflito se tornará decisivo : ele se manifesta em Jerusalém (entrada triunfal), condena a sociedade estéril (figueira, 11,12-18), discute com as autoridades e acusa os dirigentes do povo como opressores (cap. 12). O capítulo 13 contém o discurso escatológico de Jesus : uma sociedade dominadora e opressora, um dia acabará. Deus julgará a História.
A quarta parte narra o desfecho do conflito : Paixão, morte e ressurreição de Jesus.
 2.1  A teologia de Marcos
Em poucas e simples palavras, teologia quer dizer “estudo das coisas divi-nas, discurso sobre as coisas divinas  sagrada doutrina”.  No seu evangelho, Marcos procura estudar a pessoa de Jesus; ele quer fazer o leitor descobrir quem é Jesus. Pergunta: ele é um ser divino ou só humano? ou é divino-humano? É o Messias? Essa é uma pergunta teológica.   A busca e a resposta que se tiver dessa procura  é que constituem a “teologia” desse evangelista.
Se você pegar o Evangelho de Marcos irá notar que ele traz muitas perguntas sobre Jesus. É o povo que pergunta, são os apóstolos, autoridades, demônios etc.
Quando ele expulsou um demônio, o povo espantado perguntou: o que é isso? Ele manda até nos espíritos maus! (1,27).  Outros: “nunca vimos uma coisa assim” (1,12a);  quem é esse que perdoa pecados”? (2,1-12); “quem é esse que ressuscita mortos?” (5,21-43);  quem é esse que multiplica pães? ” (6,34-44 e 8,1-9); “és tu o Messias?” (14,61) etc.
Há muitas perguntas no evangelho de Marcos sobre Jesus e estranhamente não há respostas. Pelo contrário, Jesus mesmo proíbe que digam quem ele é.
Podemos conferir alguns textos:
Não deixava que eles falassem...” (1,34b); “não conte nada a ninguém...” (1,44); “ordenou severamente para não dizerem quem ele era...” (3,12); “Jesus recomendou com insistência que ninguém ficasse sabendo disso...” (5,43);  “Jesus recomendou com insistência que não contassem nada a ninguém” (7,36);  “Jesus curou o homem e o mandou para casa dizendo: “não entre no povoado”(para ninguém saber) (8,26);  “Jesus perguntou: ‘E vocês, quem dizem que eu sou?’ Pedro respondeu: Tu és o Messias.  Jesus, porém, proibiu-lhes severamente que falassem a alguém a respeito dele” (8, 29-30).
       Por que isso?
Para Marcos, Jesus tem que ser buscado, entendido e aceito como Filho de Deus não por causa de seus milagres e obras maravilhosas que operou, mas sim por sua palavra, seu ensinamento  e pela fé. Marcos quer mostrar que o tipo de Messias que o povo judeu esperava, não era o tipo do verdadeiro Messias enviado por Deus. Os hebreus esperavam um Messias forte, poderoso, dominador, vingador de seu povo, libertador político. Marcos  procura então não dar valor apenas aos milagres, mas sim às palavras e aos ensinamentos do Senhor. É por isso que, segundo ele, Jesus proíbe que espalhem que ele é o Messias; proíbe que os curados contem aos outros quem os curou. Esse tipo de narração de Marcos é chamado  “segredo messiânico”, isto é,  Jesus esconde seu poder e sua identidade de Messias, Filho de Deus.  As pessoas é que devem descobrir quem ele é pela fé e adesão. Ele não é um Messias triunfante, mas um “servo sofredor”, um  sinal de contradição, formador da Comunidade, mediador. Por isso a Comunidade não podia esquecer a cruz, a luta.  Então na primeira parte do  evangelho  de Marcos (1,4 a 8,6) Jesus esconde sua identidade (segredo messiânico); numa segunda parte (8,27 a 15,39)  é revelado que ele é Jesus, isto é aquele que salva, que liberta; é o Filho de Deus, o Messias.  Acolher sua palavra (evangelho) é crer nele e nos mistérios do reino por ele transmitidos.
Jesus perguntou aos Apóstolos: “Quem sou eu?” (Mc 8,27) E eles tentaram responder.
Por isso o Evangelho de Marcos tem duas partes distintas e complementares. A primeira, 1,18--8,30 trata do mistério da identidade de Jesus; é dominada pela pergunta: “Quem é Jesus?”. A segunda parte (8,31—16,8) trata do misterioso destino de Jesus. É a resposta : a de  Pedro: “Tu és o Cristo” (8,29);da teofania: Voz que veio do céu: “Este é meu Filho...” (9,7); no Sinédrio o sumo sacerdote pergunta:  “ Tu és o Cristo Filho de Deus? Respondeu Jesus “Eu sou”.  E finalmente depois da morte de Jesus, o oficial romano declara: “Verdadeiramente esse homem era o Filho de Deus” (15,39)
 Essa é a grande resposta que o evangelista dá sobre Jesus, resposta tirada dos lábios de um pagão!
 “Quem é Jesus?”, é a pergunta que os cristãos devem fazer para si a partir desse enfoque de Marcos. Principalmente os católicos que às vezes deixam Jesus em segundo plano para centralizar sua fé nos santos e em Nossa Senhora. Os santos e Maria têm valor na História da salvação.  Mas  o Salvador, o Senhor, o Libertador, o Filho de Deus, o Ressuscitado e fonte de vida para a Comunidade é Jesus, e não os santos e nem Nossa Senhora. Nosso testemunho de Jesus vai depender da resposta que dermos a nós mesmos.
[Há tempos atrás, numa cidade do interior de São Paulo, fizeram um levantamento para saber quem, na opinião do povo, estava no lugar mais alto do céu. Em primeiro lugar ficou Nossa Senhora Aparecida, em segundo São Francisco; Jesus ficou em terceiro lugar... cf CEBI, Introdução geral aos Evangelhos, Roteiros para Reflexão VII,  p. 62].
           
         2.2 Trechos significativos de  Marcos
      2.2.1 Jesus e a Lei:  O homem não é escravo da lei (Mc 2,23-28)
Esse pequeno texto de Marcos relata  que os discípulos de Jesus colheram trigo para comer num dia de sábado. Os fariseus protestaram contra isso, pois o sábado era (e é) de fato, um dia solene e sagrado para o povo judeu. Não era permitido  fazer nada nesse dia, nem mesmo comida ou andar, divertir-se. Colher trigo era  um pecado contra a lei do sábado, segundo os fariseus.
Os fariseus, que tanto aparecem nos evangelhos, formavam um  partido religioso no judaísmo que se dedicava a estudar a lei de Moisés e as tradições dos antigos interpretando-as de maneira bem rigorosa, como já foi viisto. Eles, de fato, julgavam-se diferentes dos outros, separados dos pecadores.
Jesus censura essa dureza de coração que para observar uma lei passa por cima das pessoas. E mostra  para eles que  a  observância do  sábado não pode ser critério de conduta e de vida quando atrapalha a vida, quando impede as pessoas de viverem,  quando se torna uma lei que vale mais que a vida humana. E dá a eles um exemplo de transgressão do sábado cometida pelo  próprio rei Davi, o grande rei do povo judeu, quando  ele mesmo e seus soldados estando com fome, entraram no Templo pegaram  os pães sagrados que havia lá e comeram tranqüilamente – coisa que não era permitido fazer.  E Jesus acrescenta, então,  a famosa frase: “O sábado foi feito para servir ao homem, e não o homem para servir ao sábado”.
O ensinamento de Jesus mostra para todo cristão que é preciso distinguir bem entre lei religiosa que ajuda e lei religiosa que atrapalha, que oprime.  Na vida cristã e da Igreja há tanta burocracia  e tanta  lei que não servem à vida, só atrapalham A palavra de Jesus afirmando que o homem é superior ao sábado (à lei)  é dura: seus discípulos devem evitar essa “hipocrisia farisaica” que se esconde atrás de  certas  leis e  certas posturas que  mais impedem do que ajudam  as a  caminhar e crescer . Toda lei que impede a pessoa de viver deve ser abolida.
               2. 2.2 Jesus é libertador: cura e dá vida (Mc 3,1-6)
Esse trecho relata uma cura de Jesus feita em dia de sábado na sinagoga de Cafarnaum.  Diante das leis judaicas Jesus estava violando três leis religiosas:  trabalhar (fazer o milagre), em dia não permitido (sábado) e em lugar de culto judaico (sinagoga). A sinagoga era o reduto dos doutores da lei e fariseus. O povo não gostava muito de participar de atos religiosos ali celebrados pois  sempre saía  perdendo tendo que observar as constantes leis religiosas inventadas e impostas  por esse grupo que dominava a religião.
Jesus, ao contrário, não fazia conta de leis e tradições inventadas -  que mais oprimiam que libertavam. Por isso o povo gostava de Jesus. Ele livrava-o  sempre dessas amarras. Os chefes, porém, procuravam todos os jeitos de acusar Jesus. Por isso o texto de Marcos diz que “eles ficavam ali espiando com atenção” (vers. 2).. Não podendo enfrentar Jesus,  espiavam-no  um pouco de longe. Mas Jesus faz as coisas às claras, não e preciso ficar espiando, de longe. E para mostrar que está acima de tradições  que  oprimem, Jesus opera uma cura: na sinagoga, em dia de sábado e coloca como ponto central das atenções um homem  incapacitado:  “levanta-te e vem para o meio”.   Jesus coloca em xeque os chefes religiosos exigindo que eles mesmos digam diante de todo o povo  se é ético ou não ajudar uma pessoa ou  se eles sabem o que é o bem e o que é o mal! Eles se calam, porque a religião que defendem  não tem resposta para nada,  apenas  intimida, oprime, não liberta.  Por isso Jesus sente ira deles e tristeza por seu povo oprimido (ver.5).
Curando o homem e colocando-no no meio das discussões e da sinagoga, Jesus acentua o valor da pessoa humana; ela está acima de leis, tradições,  instituições, cultos. lugares e pessoas “sagradas”. Defender a lei pela lei sem  subordiná-la às exigências e necessidades das pessoas é oprimir, sufocar, matar.
Por tal prática é que Jesus vai ser condenado; os chefes do povo, da  religião e os partidários de Herodes estavam muito incomodados com a sua  atuação -  que era fundamentalmente a defesa da verdade, da justiça, dos pobres e oprimidos (pelas doenças e pelos poderosos).  Jesus é Salvador, cura e dá vida.
  2.2.3. O Reino é semente que amadurece: parábola da semente (Mc 4,26-34)
Essa parábola é somente  de Marcos. Não é a parábola do semeador, narrada por Mateus (Mt 13,1-30); é semelhante. Tem uma diferença: Marcos desenvolve, uma aspecto, um detalhe, que não está na parábola de Mateus: é o processo de maturação da semente até  à colheita. O amadurecer da semente não é percebido por ninguém, a não ser na colheita. Mas é um aspecto fundamental.
A parábola ressalta que quando a semente é boa e é plantada em terra boa, o agricultor pode descansar sossegado, pois o processo desenvolve-se naturalmente.  Dificilmente não germinará a semente. Ela vai-se desenvolvendo mesmo sem ele sabe:  o sol, a chuva, a umidade, o calor se encarregam de tudo. Não é preciso mais a intervenção do semeador. É isso que o texto diz, afirmando que “a terra por si mesma  produz”. E quando as espigas estão maduras, o agricultor faz  colheita.
O que significa a parábola?
O evangelista diz que o Reino do céu é semelhante a esse processo. A semente plantada é Cristo, sua palavra e sua vida.  Sua mensagem deverá germinar até a colheita final, o final dos tempos. O Reino de Deus  já começou com Cristo e deve ir amadurecendo através da obra evangelizadora dos cristãos. A força é dada por Deus, como na semente. E assim como a pessoa não pode interferir no processo natural da semente, assim acontece com o reino de Deus: uma vez irrompido, iniciado, ele vai crescer, lentamente, mas com segurança.
A colheita a que se refere a parábola é o ponto de chegada do reino de Deus: o complemento, a plena manifestação do senhor.
O ensinamento da parábola pode ser este: confiar na ação de Deus que age na História. Ele age no mundo e nas pessoas lentamente, ocultamente, mas profundamente. Elas vão amadurecer e dar frutos. Não podemos ficar decepcionados por não perceber resultados imediatos na obra de evangelização. A Palavra de Deus, de fato, age lentamente, ocultamente, profundamente.
           2.2.4.  A incredulidade do discípulo: A tempestade acalmada
    (Mc 4,35-41) 

A tempestade acontece no mar, diz Marcos.  Mas não é no tipo de mar que conhecemos. É no grande lago da Galiléia, também conhecido nos evangelhos como “mar da Galiléia”, lago de Genesaré  ou ainda lago de Tiberíades. São a mesma coisa. O lago, no norte do país, tem esses nomes por causa das pequenas cidades que havia às suas margens, como as citadas (e outras como Mágdala , Cafarnaum, Betsaida, Corazim)

Jesus tinha feito muitas pregações nesse dia, por isso, cansado,  dormiu quando a barca começou a se movimentar.
Ao embarcar Jesus diz aos discípulos: “Vamos para o outro lado do mar”. E o evangelista acrescenta: “E outras barcas estavam com ele”. Com isso quer informar que Jesus não pregava somente para seu povo: foi para “outras margens”, para outros povos. Ele foi para a região onde estavam as cidades pagãs  de Betsaida e Corazim. O evangelista assinala assim,  que Jesus é o Salvador de todos, também dos pagãos. Ele é o Senhor da História e Salvador de todos. Isso os discípulos deveriam perceber. E assinalando que foram também com ele “outras barcas”, o texto ensina que evangelizar “terras pagãs”, culturas diferentes, deve ser um trabalho coletivo, comunitário, organizado, nunca pessoal apenas. Para o discípulo não  correr o risco de pregar a própria verdade.
Quando aconteceu a tempestade, Jesus dormia, diz o texto.  Os discípulos o acordam e ele imediatamente acalmou a tempestade. Suas palavras  ao vento “Cale-se” e ao mar: “Acalme-se”, mostram o poder de Jesus sobre os elementos da natureza. A Escritura diz que quem tem poder sobre os elementos da natureza é Deus ( salmo 29,3-11;77,17-20; 104,7). E diz também que somentea  palavra de Deus é que  produz efeito (Isaías 40,7; 55,11). Se a palavra de Jesus tem efeito e  se ele domina os elementos  da natureza,  isso significa então que ele é Deus, o Filho de Deus.
Outro aspecto assinalado aqui: no evangelho de Marcos Jesus aparece muitas vezes censurando seus discípulos; isso  porque ele, Jesus, ensinava sempre, doutrinava,  e os discípulos não correspondiam, não progrediam, ou não queriam entender -nem por suas obras - que ele era o Senhor (veja 7,18; 8,17-21; 8,32-33; 9,19; 16,14) . Nesse texto novamente Jesus censura a incredulidade deles (4,40).
A pergunta que os discípulos fazem ao verem o fato miraculoso (“Quem é esse homem, a quem até o vento e o mar obedecem?”), não é apenas por surpresa, mas é intencional no evangelho de Marcos: os discípulos devem sempre procurar  descobrir quem é Jesus. A pergunta aqui sublinha então os dois elementos importantes do relato: a identidade de Jesus (“Quem é esse homem?”) e seu poder sobre pessoas, demônios e elementos da natureza (“a quem até o vento e o mar obedecem”).
O relato ensina aos leitores e ouvintes da Palavra que ninguém se salva somente por estar na “barca” de Jesus. Sua barca (ou a Igreja de Jesus) é maior do que sua configuração histórica. Muitos podem salvar-se sem estar necessariamente na nossa barca.
2.2.5 Contra a incredulidade do discípulo, a fé dos pagãos. A ressurreição da filha de Jairo e a mulher com hemorragia (Mc 5,21-43)
     Esse trecho contém duas narrativas: a ressurreição da filha de Jairo e a cura da mulher com hemorragia. É um texto só mas desdobrado  em dois temas; há dois milagres acontecidos na mesma ocasião. Um vem incorporado no outro.
 Segundo o relato, Jesus voltava para a Galiléia quando encontrou uma grande multidão. Nessa ocasião, Jairo, um dos chefes da sinagoga pediu-lhe de joelhos que curasse sua filha. Jesus se dispôs a ir à casa dele.
            Sinagoga era o lugar de reunião do povo para o culto religioso, principalmente no sábado. A palavra sinagoga é grega e significa “lugar de reunião”.Ela substituía o Templo - que fora destruído.
As sinagogas tinham um chefe principal, que era auxiliado por um grupo de três a sete pessoas. Jairo era um desses chefes.
O texto diz que ele “caiu aos pés de Jesus”. É uma expressão que significa reconhecimento da autoridade de Jesus  e também a disposição de ouvir e aceitar  sua palavra., Aqui no texto, porém,  a expressão significa súplica e oração de um pai desesperado.
“Vem e impõe as mãos sobre ela”, pede Jairo.
Impor as mãos era um rito comum entre os hebreus, principalmente para abençoar: Jacó abençoa o neto Efraim (Gn 48,13-15); Jesus impõe as mãos sobre as crianças abençoando-as   (Mc 10,16);  para conferir um poder : Moisés confere  o poder a Josué (Nm 27,18; Dt 34,9); para iniciar um missão  (casamento, viagem etc).
No Novo Testamento a imposição das mãos está, quase sempre, relacionada com a cura de doentes (Mc 6,5;7,32; 8,23.25; At 28,8 etc). O sentido simbólico  do gesto de impor as mãos, é o de passar para o outro, energia nova, boas disposições, bom astral, positividade, bons desejos, felicidade, bem estar, cura, bênção.
Nesse momento o relato sobre a ressurreição faz um corte e passa a falar de uma mulher que sofria hemorragia. É um segundo relato, incorporado ao primeiro.
A hemorragia certamente estava relacionada à menstruação ou corrimento de sangue. O importante na narrativa não é o fato de a  mulher ter hemorragia  mas sim a sua atitude e postura corajosas, originais, porque, conforme  a Lei  judaica (Levítico 15,19-25)  ela era considerada pessoa impura e como tal ela não podia  chegar perto de Jesus e nem ficar no meio do povo. Ela, porém, se mistura ao povo para não ser reconhecida pelos parentes ou conhecidos e poder assim chegar perto de Jesus., sem ser expulsa por ser impura segundo a Lei.
Ela sofria muito e sua fé é que a leva até Jesus. O texto lembra isso, dizendo que ela “há doze anos padecia na mão de muitos médicos”  e em vez de melhorar, piorava.
É conveniente lembrar que os médicos daqueles tempos, usavam métodos  empíricos (isto é coisas que todo mundo sabia fazer, como as parteiras, os curandeiros). Não eram formados em medicina. Tinham algumas noções básicas. Faziam o que podiam. Os remédios eram também caseiros, manipulados e quase sempre ineficazes para  doenças mais sérias. Por isso se recomendava orações e ritos sagrados (mágicos) para curar. (Leia  Eclesiástico 38,1-14).
A mulher acreditava que tocando na roupa de Jesus ela ficaria curada (versículos 27-29). Era crença popular que os curandeiros tinham uma força magnética especial e que bastava tocá-los para acontecer uma cura (veja: Marcos 3,10; 6,56; Atos 5,15; 19,12).
Ela tocou em Jesus e ficou curada, a hemorragia parou. O fato de estancar a hemorragia deve-se primeiramente à profunda confiança dela e de sua fé: ela tocava não num curandeiro famoso mas sim em Jesus, de quem tanto ouvira falar (vers. 27) e em quem acreditava e esperava.

Jesus percebeu que uma força tinha saído dele”

O evangelista usa a palavra “dínamis” para designar força, porque dínamis significa força interior, poder extraordinário. Jesus certamente percebeu a situação da mulher. Ele tem o poder (dynamis) de operar milagres; aqui é sublinhado, então, que o milagre ocorreu não pelo fato de a mulher ter tocado nele, mas pela sua fé em Jesus (ver vers. 34). E Jesus percebeu a fé imensa da mulher. Sabia que tinha operado uma cura (ou ajudando a mulher a sarar).  E quando Jesus pergunta: “quem foi que tocou na minha roupa?”  ela  ficou com medo porque se sentia culpada porque tocara em Jesus escondidamente. E conforme a Lei ela tinha tornado Jesus, impuro  também  (Levítico 13,45)
           “Sua fé curou você... Vá em paz”.
Há dois elementos importantes aqui: o primeiro é a afirmação de que a fé pode tudo; e o segundo é a despedida amigável que Jesus faz  da mulher,   que é em si uma aprovação de tudo quanto ela fizera: “vá em paz, fique curada para sempre”.
Concluindo: a mulher violou uma lei que impedia a pessoa de viver, de ser curada. Jesus ensinou então que a lei pode ser desrespeitada quando a vida, a saúde, estão em perigo! Sejam elas leis civis ou religiosas
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               3.     O Evangelho de Lucas

A tradição da Igreja atribui a são Lucas a  autoria do 3o.  evangelho. Lucas foi discípulo de são Paulo. É lembrado por ele na carta aos Colossenses (4,14) e na carta a Filêmon  (vers. 24). Ainda é lembrado na segunda carta a Timóteo  (4,11)  - de autoria paulina discutida.  Lucas era médico e originário de Antioquia. Tinha grande cultura.
Lucas dedica esse seu livro a Teófilo  (1,3; Atos 1,1-2),  que devia ser uma pessoa importante  da comunidade. Talvez tenha sido o patrocinador do escrito - coisa que era comum naquela época. Todavia muitos especialistas  afirmam que a partir do próprio livro os verdadeiros destinatários eram os pobres, os marginalizados, os excluídos. Esses  é que são os verdadeiros  “teófilos”, isto é,  “amigos  de Deus”. Nesse evangelho Jesus tem de fato grande  ternura por eles e é  para eles  que veio anunciar  a Boa-nova da libertação.
                        Lucas escreveu o seu Evangelho entre os anos 80-90 em Antioquia
segundo a tradição e as melhores fontes.

                      3.1   Esquema do 3.º  evangelho

O evangelho de Lucas pode ser dividido em duas partes, cada uma delas subdividida em pequenos  blocos. O tema que domina a primeira parte é pneumatológico, isto é,  todo ele baseado no Espírito Santo. O tema da segunda parte é profético, isto é, de testemunho.
Primeira parte:
(Pneumatológica: Presença doEspírito Santo)

1,1-4  -                Prólogo
1,5— 2,52           Tema:  “O Espírito Santo virá sobre ti”  (1,35)
 Narrações  da infância de João Batista e de                         Jesus             
                        3,1— 4,13          Tema: “O céu se abriu e o Espírito desceu” (3,22)
  Preparação para ministério público de Jesus
4,14 -- 9,50        Tema: “O Espírito do Senhor está sobre mim” (4,13)
    Ministério de Jesus  na Galiléia. Início da ação libertadora
                        9,51—19,28 -    Tema: “E Jesus  se alegrou no Espírito Santo”  
                                                              (10,21)                                                      
Relato sobre a viagem de Jesus para   Jerusalém

(Parte central do Evangelho. O Evangelho é um novo “êxodo” (9,31) de Jesus: ida para Jerusalém, para a Paixão e morte. Da periferia para o centro.
                                        Segunda parte
                                          (Testemunho)
19,28—21,38 - Ministério em Jerusalém = Confronto com o poder
22,1—23,56   - Narrativa da Paixão =  Consequência do confronto.
24,1-53              - Narrativa da Ressurreição =   A glória: ele vive.

 3.2  Intenção teológica (doutrinária)
Lucas pretende mostrar que Jesus é o Salvador. Salvação e Salvador são palavras-chaves no  seu evangelho.   A  intenção teológica de Lucas pode ser   conhecida através da estrutura do próprio evangelho.  Num paralelo entre o evangelho dele e o Projeto Rumo ao Novo Milênio (lançado pela CNBB pana uma re-evangelização no Novo Milênio) podemos perceber que a intenção  de ambos é  a evangelização ou a  re-evangelização através do anúncio da salvação para todos.   O  texto de Lucas supõe certo estrato histórico que deve ser levado em consideração.

PARALELO : Por que Lucas escreve?    Por que re-evangelizar?

LUCAS
EVANGELIZAR  HOJE
1. .Porque muitos problemas afetavam a     Comunidade, tais como, ambiente adverso do paganismo para quem salvação  era ter dinheiro, poder, honra, riqueza e cultura.  Pobres, fracos e analfabetos não tinham valor algum. E grande perigo: as comunidades cristãs eram tentadas a reproduzir tal modelo, pois as crises internas dificultavam concretizar  o projeto de vida comunitário, aquele “socialismo evangélico” (O Reino tardava a se realizar).
1.   Paganismo revivido hoje: dinheiro é  poder; a política corrompida, propaganda  maciça , imoral, anti-ética da TV; cultura da morte; permissivismo sexual,consumismo, exclusão social. Tentação das comunidades de hoje também de  deixar-se seduzir pela propaganda, pela estatística, pela mídia, dificultando a realização do projeto evangélico hoje.
2. Escreve o evangelho depois de certo tempo; não está mais nas origens. Muita coisa já tinha mudado na compreensão da fé e na vida da comunidade. Não bastava escrever o que Jesus falara ou fizera. A realidade era outra: crescera muito o número dos fiéis (“E a cada dia o Senhor acrescentava à comunidade outras pessoas que iam a aceitando a salvação”. Atos 2,47) novas dificuldades  estavam aparecendo  (judaizantes,  por exemplo), novas propostas vinham sendo  feitas (deixar a Lei de Moisés. Atos 15, 28-29;  evangelizar os pagãos)
2. A Igreja hoje tem outra face: é institucional, organizada, estruturada.  A teologia está articulada e sob controle de Roma. Uma hermenêutica teológica é tarefa arriscada.  Também hoje os cristãos são maioria e não devidamente evangelizados. Também hoje são propostos à Igreja grandes desafios:  ateísmo, Movimentos religiosos autônomos, Teologia da libertação. Cultura da morte, desintegração da família, drogas, pedofilia, homossexualismo, casamentos homo
3. Já havia crise de autoridade na Igreja apostólica: Paulo confronta-se com os judaizantes que contestavam sua autoridade e sua linha de evangelização  (= liberdade evangélica). Confronta-se com Pedro, o chefe, que não era autêntico em determinadas ocasiões e atitudes (Gálatas 1-2). Paulo discute duramente com certas comunidades que não viam problema em adotar um sincretismo “soft”.
3.  Hoje há acentuada crise de fé e de valores; há crise em relação à autoridade religiosa  (Papa, Cúria, bispos....) A fé parece controlada pela ortodoxia institucional clerical. Há tendência de restauracionismo na Igreja; desonhecimen-
to  Vaticano II; forte apelo plástico nas celebrações  para massas; volta ao passado.
4.  Havia a crise do cansaço: esgotara-se aquele entusiasmo inicial, o amor primeiro. Havia certa desilusão religiosas, pois o Reino anunciado por Jesus não se realizava... Sérios contrastes no modo de vida dos cristãos dificultavam o anúncio do evangelho: cristãos ricos  e  cristãos miseráveis;  pecadores públicos e “justos” presunçosos;  cristãos senhores e cristãos escravos... Como ajustar tudo isso, como salvar a todos. O que Jesus faria, o que diria?
4.  Religião tem valor hoje?  Religião tem a ver com a vida?  Religião é na Igreja; fora  dela, há liberdade. Grande maioria católica sem prática eclesial alguma; políticos católicos e cristãos e grandes corrupções nos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário

                        Lucas escreve, então para debater e esclarecer esses pontos. Escreve para o homem de ontem e para o cristão de hoje.  Pretende indicar para as comunidade o  “caminho” certo a trilhar (Lucas 1,4);  ensinar-lhes a viver a salvação no hoje da História, no hoje das comunidades.  Salvação que é libertação de tudo o que aprisiona, de todo tipo de opressão (física, psicológica, moral), de todo tipo de mal, de todo tipo de desânimo, apatia e desilusão que abatiam as comunidades.
                        Lucas mostra esse caminho por meio de duas obras: o evangelho e os Atos dos apóstolos.  No Evangelho ele apresenta o caminho de Jesus (a pessoa e a obra de Jesus); nos Atos, apresenta o caminho da Igreja (ela prolonga na História o caminho de Jesus).  Juntos formam o caminho da salvação.
                        Esse  caminho da salvação tem três etapas conforme Lucas :
                         - O  tempo do Antigo Testamento ( tempo da Lei e dos profetas). É o tempo de Israel, povo a quem Deus  revelara sua vontade através da lei de Moisés e da voz dos profetas.  Essa etapa acabou em João Batista. Foi a ETAPA DE PREPARAÇÃO.
                        -  O tempo de Jesus. É o tempo do Reino proclamado, do Reino que está  em  construção. Deus manifesta por Jesus seu projeto; por sua palavra e ação instaura esse Reino e lança as  bases  de sua Comunidade para que ela continue a construi-lo. Um reino universal de todos os povos, não mais limitado ao povo de Israel. É a ETAPA DA REALIZAÇÃO
                        - O tempo da Igreja.  É o tempo do Espírito Santo que agindo nas pessoas e na Igreja de Jesus faz dela instrumento ativo da construção desse Reino universal. A Comunidade recebe  o Espírito Santo e toda a sua força para continuar a obra de Jesus. É a ETAPA DO ESPIRITO SANTO ( que age na História)
                        Há uma correlação entre o tempo de Jesus e o tempo da Igreja, ou entre a vida de Jesus e o Pentecostes.  O início da Igreja é semelhante ao início da atividade de Jesus. Jesus começa sua atividade com o discurso na sinagoga de Nazaré (Lucas 4,16-21), depois de ser batizado  (Lucas 3, 21-23);  a Igreja começa sua  missão  com o discurso  de Pedro em Jerusalém  (Atos 2, 14-36),  depois de ter recebido o batismo  (Atos 2,1-4).  Há uma identidade não só formal mas também de conteúdo: o discurso de Nazaré traz o programa de Jesus;  o de Pedro em Jerusalém, o programa da Igreja;  o discurso de Jesus anuncia uma salvação universal  (Lucas 4,25-27), o de Jerusalém (Pedro em Pentecostes, Atos 2,14-36) também (Atos 2,39). Em ambos, a abertura à salvação universal está baseada nos profetas (especialmente Isaías). E Jesus promete enviar dentro de poucos dias (Atos 1,5) a promessa do Pai (Lucas 24,49)  e o batismo do Espírito (Atos  1,5), fatos que acontecem com o Pentecostes (Atos 2,1). [cf. PAPA, Benigno: “L’effusione dello Spirito a Pentecoste”, em Parola, Spirito e Vita 4, p. 142-159)

                        Daqui brota a intenção teológica de Lucas: o universalismo salvífico. Deus quer salvar a todos os homens;  sua salvação  privilegia, porém,   os excluídos ( pobres, doentes, mulheres, crianças,  pecadores,   publicanos,  pagãos...)  A salvação não é privilégio de ninguém. Agora, todos os povos, todas as nações (em grego : pánta tá ethné)  verão a salvação de Deus (Lucas 3,6 e Atos 28,28).           O Espírito Santo, é ele que age na História, dando força, entusiasmo, dinamismo para que  a salvação trazida por Jesus se  concretize no Hoje dos

3.3 A teologia de Lucas: o universalismo salvífico e o Espírito Santo.
            Lucas é o teólogo da “salvação universal”.  Esse é o tema teológico que caracteriza a sua obra  (Evangelho e Atos).  De tal modo que ele abre e fecha sua obra literária com essa temática teológica da salvação universal:
                        -  “E todo homem verá a salvação de Deus” (Lucas 3,6)
                        - “... esta salvação é enviada  aos pagãos, e eles a escutarão” (Atos 28,28).
                        Sua obra é formalmente dirigida aos pagãos e aos cristãos não-judeus. Os judeus não quiseram ouvir a Boa-nova (Lucas 4, 24). Ela lhes será então tirada e anunciada aos pagãos (Mateus 21,43).
                        Importante nesse enfoque de Lucas é que ele mostra que a salvação de Jesus ultrapassa fronteiras:  ela não é mais privilégio de um povo que era considerado  até agora o único destinatário da eleição divina. Agora todos os povos verão a salvação. Lucas apresenta em várias passagens essa abertura universal:
                        -  Simeão proclama que a salvação é luz para todas as nações ( 2,32)
                        -  João Batista repete: todo homem verá a salvação de Deus  (3,6)
                        -  Jesus diz aos judeus que estrangeiros, pagãos, foram beneficiários  da ação salvífica de Deus no tempo dos profetas Elias e Eliseu  (4,25-27), enquanto os de casa eram excluídos.
                        -  Estrangeiros tomarão lugar à mesa no Reino  de Deus, enquanto os judeus serão deixados fora ( 13,28-30).
                        -  Os samaritanos,  historicamente rejeitados, serão agora acolhidos . [No  evangelho de Lucas os samaritanos têm lugar privilegiados:  Jesus repreende os apóstolos  que querem punir  os samaritanos  ( 9,52);  um samaritano é tomado como exemplo de solidariedade e de caridade: o “bom samaritano”  (10,30);  é um leproso samaritano o único entre os dez leprosos curados que volta para agradecer a cura ( 17,18).  E Lucas omite a ordem de Jesus dada aos apóstolos de não entrarem no país dos samaritanos (Mateus 10,5)].
- Jesus cura multidões vindas de todos os lugares de sua terra  mas também  de países dos gentios (Tiro, Sidônia, Decápole...) (Marcos 7,31).

                        Os excluídos
                        A salvação é dirigida também aos excluídos, ou melhor, principalmente a eles. Sejam eles judeus ou gentios. Jesus tem predileção por eles, por serem marginalizados pela sociedade: os doentes, os pobres, os pecadores, os estrangeiros, as viúvas, leprosos, mulheres. Essa marginalização era fruto de preconceito e discriminação social e religiosa ( cf. por ex. Levítico 11-15). Jesus os privilegia não por serem excluídos e querer promovê-los através de uma ação social. Privilegia-os porque eles, mais que ninguém,  estão abertos à palavra de Deus, à fraternidade, à comunhão. Eles podem e devem transformar a sociedade corrompida e discriminadora.  A renovação social tem que começar com eles; Deus  está com eles, porque Deus é compaixão e misericórdia.
                       Jesus convida para o ministério apostólico  gente pobre, simples: pescadores, um publicano rejeitado ( Mt 9,9), um perseguido político ( Simão, o zelote), um jovem (João). Deixa fora os importantes, os ricos os bem situados, os sábios de Jerusalém.
      A salvação é concedida pela misericórdia de Deus
Lucas ressalta que os pobres, os excluídos, são os escolhidos de Deus, porque Deus é misericórdia e compaixão ( Assim o mostram a maioria  dos Salmos, Jeremias,  Oséias, os Evangelhos). Mostra que Jesus, o Filho de Deus,  é essencialmente  misericordioso e compassivo:  ele é amigo dos pecadores e dos publicanos ( 7,34);  deixa-se abraçar pela prostituta, sem constrangimento ( 7, 36-50); comove-se pela morte do filho da viúva de Naim (7,12-13); ouve o pedido de um pai desesperado (8, 41-42);  não castiga quem não o aceita (9,54-56);   conversa amigavelmente com o traidor (22,48); olha com amor e perdão para Pedro que o renega publicamente (22,61); consola as mulheres que choram por ele (23,28-31); perdoa os que o crucificam (23,34);  promete a salvação ao ladrão arrependido (23,43).
O  evangelho de Lucas é então o evangelho da suavidade e da bondade compassiva de Jesus. Lucas mostra isso por lindas parábolas originais: a ovelha transviada e a moeda perdida (15, 1-10); o filho pródigo  (ou Pai misericordioso: 15,11-32);  a alegria do Pai pela  conversão do pecador (15,7);  a espera paciente pelos frutos  da figueira estéril (13,6-9) [Em Mateus 21,19 Jesus amaldiçoa  a figueira];  o publicano humilde (18,14).
A misericórdia de Jesus e suas atitudes para com os pequenos, pobres, excluídos da sociedade, são sinais da presença do Reino de Deus. Deus age por meio dele e salva por meio dele.
3.4  HOJE.
 1 - Também hoje a misericórdia e  a compaixão são  os instrumentos talvez mais adequados para uma evangelização não só dos “pagãos”  mas   também da re-evangelização dos cristãos  “não-praticantes”.  Misericórdia e compaixão em nível de pessoa, isto é, pelo contato, pela presença;  mas também em nível social: a luta pela justiça, o compromisso social do cristão. São esses  alguns dos caminhos para a salvação hoje.
2 - É forte em Lucas a insistência no tema da salvação universal: Deus quer salvar a todos. O povo pergunta: então ninguém se condena? O  “Credo” niceno-constantinopolitano diz:  “E  por nós homens e por nossa salvação ele desceu do céu” .  A descida de Jesus entre nós  se tornaria vã se não houvesse salvação universal?  E os maus, os injustos, os opressores, os que exploraram e mataram seus irmãos, estupradores, assaltantes, bandidagem, torturadores, genocidas..?  E os “pecados contra o Espírito Santo”, isto é, aqueles que não querem mesmo salvar-se, optar por Deus e pelo Reino?  Esses se salvarão um dia, no final dos tempos? Se eles se salvarão, então, para que re-evangelizar?  Ou não existe inferno?  O inferno não seriam os outros, como disse Sartre, esses “outros” que a gente deve agüentar, tolerar, suportar por aqui e por lá?
Sobre esse tema, esta meia página do cardeal Carlo M. Martini, biblista profundo, teólogo vigoroso, pastor muito misericordioso: 
“Nutro a esperança que, mais cedo ou mais tarde, Ele salve a todos. Sou um grande otimista. Confesso que em muitas pessoas eu não posso reconhecer isso.  Há fases  na vida que sinto não ter sido resgatado. Mi nha esperança tem-se fortalecido constantemente, no sentido de crer que Ele nos aciolhe a todos, que Ele é misericordioso.. Mas, então me defronto com a questão  que não consigo imaginar como podem estar  junto de bDeus gente como Hitler ou num assassino que maltratou crianças. É mais fácil para mim imaginar que tais pessoas serão simplesmente apagadas. Assim pensamos neste mundo. No outro, Deus talvez tenha ainda outras possibilidades. Isso deve ficar em aberto. É uma pergunta a Deus” (Cardeal Carlo M. Martini-Georg Sporscill, Diálogos noturnos em Jerusalém.  Paulus, 2009, p. 25)
 3.5   Lucas: o Espírito Santo, ação de Deus na     História
Lucas  mostra no seu evangelho que a salvação querida por Deus se realiza na História e  por obra do Espírito Santo.  Para ele, essa   salvação teve dois períodos distintos e cada um deles marcado pela vinda do Espírito Santo.  A primeira foi sobre Maria para  preparar o nascimento de Jesus e realizar a salvação:  “O Espírito Santo virá sobre ti...” (1,35);  a segunda vinda foi sobre a comunidade de Jerusalém para preparar o nascimento da Igreja: “ De repente... todos  ficaram repletos do Espírito Santo” (Atos 2,4).
Segundo Lucas  a Igreja não foi uma criação nascida  da memória do Senhor Jesus, mas sim é uma realidade original nascida por obra do Espírito Santo no Pentecostes.   A experiência de Pentecostes (2,1-4) marcou  a Igreja nascente e foi renovada várias vezes sempre que a Comunidade passava por momentos difíceis:  na hora da grave perseguição (Atos 4,8.23-31); no momento da abertura da Igreja para a Samaria (Atos 8,14 -17); na abertura para os pagãos (Atos 10,44-47); no início da missão de Paulo (Atos 13,2) Em todas essas  ocasiões foi marcante a presença do Espírito Santo.
O Espírito Santo esteve e está sempre presente nos momentos mais difíceis da Igreja. Também hoje.  Podemos lembrar dessa  presença, por ex.,  na vida de S. Francisco de Assis, por ex. que renovou a face da Igreja medieval;  de Santo Inácio de Loyola, Catarina de Sena, Santa Teresa e  outros grandes  fundadores. Não foram  eles  que realizaram grandes  feitos pela Igreja;   foi o Espírito por  meio deles .  Hoje em dia,  João XXIII,  o último Concílio, Movimentos e Pastorais, são também eles expressões da força e atuação do Espírito Santo na Igreja., assim como tantas pessoas referências de fé e testemunho, como Dom Hélder, Madre Teresa de Calcutá, Chiara Lubich , Oscar Romero e tantos mártires
Teologicamente original é a narração de Lucas sobre o Pentecostes  dos pagãos!  O Espírito Santo desceu  até  mesmo sobre pagãos, sobre não-batizados!  Estes tinham o coração aberto á verdade.  Lucas assinala com esse relato, que não há barreiras para a ação renovadora do Espírito Santo (Atos 10, 44-45).
[O Pentecostes  aconteceu e continua acontecendo, porque Deus age sempre na História. Ainda hoje o Espírito Santo desce  sobre aqueles que o aceitam sinceramente e a ele se abrem - independentemente da instituição!   Semelhante ao “Pentecostes dos pagãos”, quantas pessoas carismáticas não apareceram no nosso mundo fazendo tanto bem, pregando a justiça a fraternidade, sofrendo e até morrendo por esse ideal -  e nem eram cristãs.  Será que não eram sacramentos do Espírito Santo? (Por ex. Gandhi, tão conhecido)
 Poderíamos refletir aqui sobre o sacramento do Crisma: os cursos que são dados, os textos usados, idade, interesse, participação. É possível mudar esse quadro?
Poderíamos ainda refletir se   Deus envia ainda hoje  seu Espírito Santo sobre não-cristãos? Como? (Veja  Atos, 10, 44-45 e Sabedoria 1,7a )].
                       3.6  A salvação de Jesus Cristo é obra do Espírito Santo
Em Lucas 4,16-22 vem narrado o discurso programático de Jesus na Sinagoga de Nazaré. Toda a libertação que realizará, Jesus a fundamenta no Espírito Santo : “O Espírito do Senhor está sobre mim . . . “ (4,18).
Com esse discurso, Lucas propõe não somente o programa de Jesus para a libertação, mas também o caminho que o discípulo deve fazer para acompanha-lo e inserir-se na sua dinâmica. Essa caminhada vai provocar conflitos porque ela exige revisão da História para que os pobres, os excluídos, tenham voz. Assim aparece no canto de Maria em Lucas 1,46-55. De modo especial nos versículos 51-52 : “Ele realizou proezas com seu braço : dispersa os soberbos de coração, derruba os poderosos e eleva os humildes”.
No canto de Zacarias, aparece essa mesma idéia (Lucas 1,67-69). Somente revendo a História é possível construir o “caminho da paz” (1,79).
Todavia essa caminhada não pode ser feita sem a força do alto, que é o Espírito Santo.

                        3.7  Mas : quem é o Espírito Santo ?
No Antigo Testamento o Espírito Santo é força viva e operante de Deus que atua nos Juizes, nos profetas, nos heróis e na vida do povo. É chamado em hebraico ruah = vento, sopro, espírito, hálito. Em grego é traduzido geralmente por pnêuma, que significa sopro. Há  ainda a palavra pnoé  que também significa sopro. E quase sempre tem sentido simbólico. Vento se diz ânemos, em grego e designa o vento natural.
No Novo Testamento o Espirito Santo é força viva também mas já é identificado como pessoa, uma pessoa igual ao Pai e ao Filho. Não é apenas uma força viva movida pelo Pai ou pelo Filho. Forma com o Pai e o Filho a Trindade Santa. São pessoas inseparáveis mas distintas. O Pai é o ingerado, o Filho é eternamente gerado a partir do Espírito do Pai. A fé católica sustenta  que o Espírito Santo procede do Pai e do Filho; a ortodoxa, que procede só do Pai. A teologia trinitária diz hoje que o verbo “proceder” é ambíguo. Hoje alguns teólogos fazem a seguinte formulação: “O Sopro Santo (=Espírito) “sai” do Pai (como semente de vida) e do Filho (como portador da palavra). O Sopro é sinal de amor e até meio essencial de comunicação do amor. É pelo amor-Sopro que o Pai gera eternamente o Filho e que o Filho deseja e conhece eternamente o Pai (cf. Marc Girard, op. cit. p. 317).
                      
Espírito Santo, é um título que aparece  somente duas vezes:  um em  1,33 e outra em 14,26 onde é designado  com duplo artigo: o Espírito, o Santo. Segundo a teologia é uma maneira de designar seu caráter pessoal. Ele é santo, não porque tem uma qualidade que é a santidade, mas sim porque ele é a própria santidade personificada, ou no dizer de S. Basílio, “a santidade hipostasiada”(hypóstasis =  pessoa, suposto, natureza, substância).
Espírito da Verdade,   só aparece no quarto evangelho e em forma diversa na primeira carta de João (1João 5,6).  A expressão designa a atividade principal do Espírito: comunicar a verdade de Jesus, fazendo-a penetrar na vida das pessoas.  É o Espírito da Verdade que vai  revelar quem é Jesus, segundo João.
Paráclito, é um título de grande significado e conteúdo teológicos.  Aparece quatro vezes no Evangelho de João e uma vez na primeira carta dele para designar Jesus. Interessante notar que na chamada oração sacerdotal  é Jesus quem fala na qualidade de Paráclito ( advogado, intercessor). Mas ele promete enviar outro Paráclito ( ‘allon parákleton’,  João 14,16), isto é, alguém igual a ele para ficar conosco, em seu lugar. É a “substituição”:  tudo o que é dito de Jesus, é dito do Espírito Santo:  ele estará presente, em lugar de Jesus.  Há uma relação entre a missão de Jesus e a do Espírito Santo. O Espírito  não se revela a si mesmo, mas aparece relacionado  com o Filho. E é nesse relacionamento que o Pai é revelado. O Filho  revela o Pai, e o Espírito revela o Filho, levando o homem ao conhecimento  da verdade de Cristo.  Essa é a chamada missão de testemunhar o Filho
O Espírito  Paráclito está também em relação com a Igreja.  Observam os teólogos que quase todos os verbos empregados para designar a missão do Espírito estão sempre no tempo futuro, isto é no tempo da Igreja. O que significa que o Espírito dará assistência permanente  não só aos apóstolos, mas também aos seus sucessores e a toda a Igreja de Cristo.  Esse dom foi concedido no próprio ato da morte de  Jesus:  “... E ,  inclinando a cabeça entregou o espírito”(João 19, 30b). O verbo  grego usado aqui  é  parédoken,  ( de paradídomi) que significa  literalmente  transmitir, legar à posteridade,  e depois pode significar  entregar. O que quer dizer que Jesus ao morrer, transmitiu seu espírito, sua força, o Espírito Santo á sua comunidade,  representada   ao pé  da cruz por Maria e João .
João mostra ainda outro modo da transmissão do Espírito: foi a doação feita por Jesus ressuscitado aos Onze reunidos para que pudessem perdoar os pecados da comunidade: ele soprou sobre eles, isto é, transformando-os em novas criaturas. Como o sopro de Deus no paraíso transformou o homem (adam) em ser vivo, assim o sopro de Jesus transmite à comunidade a vida do Espírito.
São Paulo acrescenta outros elementos teológicos à pneumatologia de João. Para ele, o Espírito Santo e a Igreja são inseparáveis, pois  é o Espírito que edifica a Igreja, seu corpo (cf 1Coríntios 3,16; Efésios 2,22). Sua presença na Igreja é  uma realidade, uma real presença de Deus. Paulo usa várias expressões que mostram a relação profunda que existe entre Cristo e o Espírito. Isso quer mostrar que há certa equivalência ,  como por ex. :  batizados em Cristo  (cf Gálatas 2, 27) , mas também no Espírito Santo  (cf.  1Corírintios 12,13);  fé em Cristo  (cf Gálatas 3,26)  e fé no Espírito Santo (cf 1Coríntios 12,9);  os cristãos são templos de Cristo  (cf Efésios 2,21)  e também do Espírito Santo ( cf  Romanos  8,9).
E há uma expressão original de Paulo sobre o Espírito Santo:    “O Senhor é o Espírito”. Isto não quer dizer que eles   se confundem. Para Paulo há uma complementação de missão: só Cristo teve um corpo;  só ele morreu e ressuscitou;   a função do  Espírito  é  historicizar o evento Jesus Cristo.  Ambas as missões se completam.
Retomando:
O Espírito Santo é Deus. É Deus porque os efeitos que ele produz, só Deus pode produzir diz a Bíblia :
- É o autor da vida (João 3,5; 7,39 : ninguém nasce para o reino se não nascer da água e do Espírito).
- Ensina o que Cristo ensinou e é o advogado (João 14,17; 15,25).
- Perdoa os pecados (João 20,22 : recebam o Espírito Santo, a quem vocês perdoarem os pecados . . .).
- É a Fonte do amor (Romanos 8, 2.26 : a lei do Espírito que dá vida em Jesus Cristo nos libertou do pecado e da morte).
- Ele encaminha-nos ao Pai (Romanos 8,15; Efésios 2,18 : recebemos um Espírito de filhos adotivos).

Esse Espírito é enviado a todos os homens. Cada um pode aceitá-lo ou rejeitá-lo.
A missão do Espírito Santo não é separada da missão de Cristo;   elas se completam. Jesus é o Deus encarnado; o Espírito Santo não se encarna; porém sua presença atua em todas as pessoas, para que todas sejam humanas, distintas, felizes. Ele habita em nós. Essa habitação do Espírito Santo no homem é o que o impulsiona e o leva a realizar a libertação que Jesus anunciou. O Espírito Santo é caracterizado como vento, fogo, luz, amor, força. (dinâmica-vigor e ternura)
A presença do Espírito Santo é marcante em cada página do Evangelho de Lucas, bem como no livro dos Atos. Tais escritos são verdadeiros escritos do Espírito Santo, como diziam os Santos Padres. Toda a atividade de Jesus (= caminho de Jesus) quanto a atividade da Igreja (= caminho da Igreja) estão marcadas pela presença do Espírito Santo.

No Evangelho de Lucas



 - João será cheio do Espírito Santo
1,15
- Maria conceberá pelo Espírito Santo
1,35
- Isabel é cheia do Espírito Santo
1,41
- O Espírito Santo estava com Simeão
2,25
- O Espírito Santo revelara a Simeão
2,26
- Movido pelo Espírito Santo
2,27
- Jesus batizará com o Espírito Santo
3,16
- O Espírito Santo desce sobre Jesus
3,22
- Jesus é repleto do Espírito Santo
4,1
- Jesus tem a força do Espírito Santo
4,14
- O Espírito Santo repousa sobre ele
4,18
- Jesus se alegra no Espírito Santo
10,21
- O Pai dará o Espírito Santo
11,13
- O pecado contra o Espírito Santo
12,10
- O Espírito Santo ensinará o que dizer
12,12
- O Pai enviará o Espírito Santo
24,49

Nos Atos
O Espírito Santo domina todas as ações; ele é quem dá dinamismo e força para a Igreja  nascente e missionária.


- Os apóstolos, escolhidos por obra do Espírito Santo
1,2
- Sereis batizados no Espírito Santo
1,5
- Todos ficaram repletos do Espírito Santo
2,4
- Derramarei o Espírito Santo sobre todos
2,17
- Foi exaltado e recebeu do Pai o Espírito Santo
2,33
- Receberão do Pai o dom do  Espírito Santo
2,28
- Pedro falou cheio do Espírito Santo
4,8
- Por meio do Espírito Santo dissestes. . .
4,25
- Reunidos, ficaram cheios do Espírito Santo
4,31
- Por que você mente ao Espírito Santo ?
5,3
- Nós e o Espírito Santo somos testemunhas
5,32
- Escolheram homens cheios do Espírito Santo
6,3
- Vocês resistiram ao Espírito Santo
7,51
- Estevão, cheio do Espírito Santo
7,55
- Rezaram para receber o Espírito Santo
8,15
- O Espírito Santo não viera sobre ele
8,16
- O Espírito Santo era comunicado pela imposição das mãos
8,18
- Então o Espírito Santo disse a Felipe
8,29
- O Espírito Santo arrebatou Felipe
8,39
- Saulo recuperou a visão e ficou cheio do Espírito Santo
9,17
- A Igreja crescia com a ajuda do Espírito Santo
9,31
- E o Espírito Santo disse a Pedro
10,19
- Deus o ungiu com o Espírito Santo
10,38
- O Espírito Santo desceu sobre eles
10,44
- O Espírito Santo desceu sobre eles
11,15
- Serão batizados no Espírito Santo
11,16
- Barnabé era cheio do Espírito Santo
11,24
- O Espírito Santo disse : Separem-me Barnabé e Saulo
13,2
- Enviados pelo Espírito Santo
13,4
- Saulo cheio do Espírito Santo
13,9
- Os discípulos cheios de alegria e do Espírito Santo
13,52
- O Espírito Santo os proibira de pregar a Palavra
16,6
- O Espírito Santo os impediu (de pregar)
16,7
- Vocês receberam o Espírito Santo ?
19,2
- Não sabem o que é o Espírito Santo
19,2
- O Espírito Santo os constituiu como guardiães do rebanho
20,28
                       
                        O fundamental nessas narrações é que o Espírito Santo sempre age, atua, sobre as pessoas levando-as a testemunhar, transformando-as; age sobre a Comunidade marcando o nascimento da Igreja e dinamizando-a .
                        A presença do Espírito Santo se manifesta exteriormente em dom (línguas, profecia); ensina os apóstolos, revela os mistérios de Deus (Lucas 1,41.47) e dá alegria e força.
                        Os escritos de Lucas são feitos a partir do acontecimento de Pentecostes. A presença do Espírito Santo é que dá sentido e coesão às narrações. É o Espírito Santo que ilumina toda a vida de Cristo, a vida dos apóstolos e a vida dos cristãos.
                        Por isso, na teologia de Lucas o Espírito Santo vem primeiro. É ele quem desperta a vocação dos apóstolos, e por meio deles suscita, forma as Comunidades. Mas ele não é um selo sobrenatural de Deus que é colocado nas pessoas ou nos acontecimentos. As Comunidades nascem das experiências que elas fazem do Espírito Santo. Os membros das Comunidades não apenas aprendem a Doutrina, o Caminho, ensinados pelos apóstolos, mas eles mesmos experimentam uma realidade nova.
                        A Palavra de Deus por si só não gera Comunidade. A Comunidade nasce de pessoas que fazem juntos a mesma experiência. Essa experiência consiste na assimilação da Palavra e na participação ativa na Comunidade.
                        O Novo Testamento mostra que a Igreja nasceu e se desenvolveu quando os discípulos deixaram de ser passivos, medrosos, escondidos, e se tornaram ativos, destemidos, corajosos. E isso aconteceu somente depois da vinda do Espírito Santo.
                        Lucas parece  mostrar assim nos seus escritos que não foi o Jesus Ressuscitado que deu origem à Igreja, mas sim o Espírito Santo, como realidade experimentada pelos discípulos. (cf. COMBLIM, J. O Espírito Santo e a libertação, p. 107)

3.8.   A Igreja : instrumento do Espírito Santo

A  Igreja existe para realizar a missão do Espírito Santo. O Espírito Santo age por meio de todas as criaturas, não só pela Igreja; usa, porém, especificamente a Igreja de Cristo porque ela existe para tal finalidade.
O Espírito Santo foi enviado à Igreja para fazer desabrochar o Reino de Deus. É a Igreja que deve realizar o Reino. Para tanto, ela precisa abrir-se para fora. O Espírito Santo manifesta-se tanto mais numa Comunidade quanto mais ela se abre para fora. A tendência das Comunidade é de fecharem-se em si, cuidarem de si e dos seus, viver sua vida espiritual, acomodar-se e assim viver uma vida espiritual diminuída.
O Espírito Santo vem à Igreja para romper essa estagnação, paradismo, que impedem o crescimento, a construção do Reino e alienam. Exige vida, ação, participação. A Igreja deve fazer sempre essa experiência do Espírito Santo. Tal experiência deve manifestar-se pelo trabalho apostólico, união, ação de graças, louvor e alegria.
Foi o Espírito Santo que deu força e alegria às Comunidades primitivas para testemunharem Jesus Cristo mesmo nas perseguições, nas aflições, no martírio. Ele é o ponto de união, de vida, de força (cf. COMBLIM, J. op. cit. p.119-120).
“O Espírito Santo que habita nos fiéis, que enche e governa toda a Igreja, é quem realiza essa maravilhosa comunhão dos fiéis e une todos tão intimamente em Cristo de modo a ser o princípio da unidade da Igreja”(Unitatis Redintegratio 2,2) .
O evangelho de Lucas é o evangelho do “caminho de Jesus”. O caminho tem dois sentidos : primeiramente, um sentido geográfico; Lucas estrutura, realmente seu evangelho a partir da geografia : Jesus parte da Galiléia (Lucas 3,23 e 4,14) e termina a sua missão em Jerusalém (Lucas 24); Jesus está sempre a caminho. Depois, um sentido teológico : o caminho de Jesus é o caminho do cristão; este deve estar sempre disposto a caminhar. Parar é permanecer em escravidão. Deve caminhar para a Páscoa (libertação). Desse modo a vida cristã assume uma dimensão de êxodo : deve passar pela cruz, deserto, renúncias, crises, para conseguir a libertação (Lucas 9,31).
Nesse processo de caminhada, de libertação, de testemunho, entra o Espírito Santo (COMBLIM, J. , O Espírito Santo  e sua missão, Curso de Teologia, vol. II, p. 327).
A libertação pessoal e a libertação da humanidade de tudo o que escraviza, oprime, ou impede caminhar, é obra e missão do Espírito Santo. Caminhar, realizar-se, libertar-se é a face visível dessa missão do Espírito Santo.
Jesus Cristo é o Caminho, e o Espírito Santo é aquele que dá forças e energia ao homem para “fazer esse caminho”. Isso ele o faz estando presente em todas as pessoas, de modo oculto. Ele não conduz as pessoas nem dirige a História impondo-se. Ele persuade, insinua, ilumina, provoca. Isso  o Espírito faz pelas forças da História. Quando as pessoas agem livremente para serem felizes, realmente livres, estão fazendo aquilo que  o Espírito quer.
Deus quer essa felicidade e liberdade para todos. Por isso o seu Espírito  age em todos e opera em todos..
Esse é o sentido do evangelho de Lucas  e dos Atos: por meio do Espírito Santo a salvação de Jesus Cristo é concedida a todos os povos. Caminhar pelos caminhos de Jesus é ser feliz, é salvar-se.

3.9   O Espírito Santo e a prática eclesial

Sempre pairou um grande silêncio na catequese e na pregação da Igreja sobre a ação do Espírito Santo.  Pouco ou nada se fala ou se ensina. O Espírito Santo só é lembrado no sinal da cruz e na conclusão de orações litúrgicas!
Embora ativo e presente na piedade e na espiritualidade popular, o Espírito Santo é um nome escondido, um Deus esquecido e até é confundido com outros agentes. Atribui-se a outros agentes, por ex., ao grandes acontecimentos ou feitos eclesiais. Dizemos que foi o Papa, o bispo, o padre, o agente que fizeram isso ou aquilo. Nunca falamos que é obra do Espírito Santo.  Essa omissão aparece até nos Atos dos Apóstolos  (19,1-2):  ele  ‘e mesmo um Deus desconhecido!

 Também hoje poucos falam  da ação do Espírito Santo ; nem atribuem a ele as coisas boas que fazem.
A Trindade é a base do cristianismo, é sua identidade  Mas parece que Deus Pai, origem da salvação e Jesus Cristo que a realizam bastariam para a Páscoa.
E o Espírito Santo ? Parece excluído da obra da salvação.
O Novo Testamento mostra Jesus Cristo no meio dos apóstolos, ensinando, estando presente, doutrinando. Jesus morreu e ressuscitou. Pela presença do ressuscitado eles ficaram convencidos da verdade de Jesus e da salvação que ele realizara. E houve grande alegria e sairam anunciando Jesus Cristo sem medo. Mas os sinóticos insistem e mostram que mesmo depois dos quarenta dias de contato com Jesus ressuscitado, eles ainda duvidavam (Atos 1,6). Entre essa última aparição de Jesus ressuscitado antes da ascensão e a pregação que se seguiu logo depois, houve um grande momento : a presença do Espírito Santo, o Pentecostes. O Pentecostes explica a mudança radical.
O Novo Testamento deixa claro que a salvação é obra da Trindade e não só do Filho. O Pai está na origem da salvação. O Filho prega e realiza a salvação. O Espírito Santo interioriza a obra do Filho e dar força a Comunidade para continuar a missão de Jesus.
Todavia, essa presença do Espírito Santo na salvação e na vida da Comunidade nunca foi devidamente valorizada principalmente pela Igreja Católica do Ocidente.
No Oriente cultiva-se a piedade e a teologia do Espírito Santo. No Ocidente, a devoção à humanidade e divindade de Jesus Cristo.
Nas liturgias do Oriente vive-se intensamente a presença do Espírito Santo; valoriza-se mais a presença do Espírito Santo na Comunidade do que a doutrina. A catequese infantil é feita pela participação das crianças nas liturgias. Elas aprendem aí : vão perguntando pelos símbolos, ritos, gestos, orações etc . . . e a Comunidade vai respondendo, ensinando.
No Ocidente damos mais importância à doutrina. A catequese ocidental quer ensinar verdades fundamentais da fé e aprofundá-las.
A Igreja Católica Romana é muito austera em suas expressões cultuais, litúrgicas : suprime ritos facilmente, corta criatividade, deixa os símbolos. É mais ritualista, legalista, rubricista ! Centraliza sua pregação em Jesus Cristo, privilegiando dois aspectos do ensinamento de Jesus : o amor fraterno e a libertação dos pobres. E desenvolveu uma teologia centralizada no amor e na libertação (socio-econômica).
No Ocidente a Ressurreição é menos valorizada do que a Paixão. A cruz de Cristo teve e tem muita importância na espiritualidade, na teologia, na vida religiosa, nas tradições populares. O povo participa mais da Quaresma e da Sexta-feira santa do que do Sábado da aleluia e do Domingo da Ressurreição. A procissão do Senhor Ressuscitado não dá Ibope. Estranhamente !
No Oriente, pelo contrário, o destaque é dado ao Cristo glorioso. Sua glorificação é obra do Espírito Santo conforme a Carta aos romanos : “Esse Evangelho se refere ao Filho de Deus que, como homem, foi descendente de Davi, e, segundo o Espírito Santo, foi constituído Filho de Deus com poder, através da ressurreição dos mortos : Jesus Cristo nosso Senhor”.
O caminho trilhado pela liturgia do Oriente é essencialmente pneumatológico, litúrgico, simbólico; caminho de uma cristologia gloriosa, de uma Igreja de vivência comunitária, vibrante e celebrativa. Pentecostes é o centro de tudo. Sem fonte não há rio !
O caminho do Ocidente é mais cristológico, dogmático; a Igreja do Ocidente propõe um seguimento de Jesus Cristo mais pela ação e testemunho social; é uma Igreja mais institucional e mais jurídica. Por isso mesmo, mais fria e mais distante.
No Ocidente valoriza-se muito menos a ação do Espírito Santo. Na pregação, na liturgia e na teologia falamos de fato da importância do Pentecostes, mas nas expressões concretas, externas, litúrgicas e celebrativas estamos longe da Igreja Oriental.
A Igreja Ocidental privilegia a Páscoa. A presença do Espírito Santo (Pentecostes) sempre foi reduzida e relativizada dentro da Igreja. Os movimentos espirituais de conteúdo pentecostalista (no bom sentido), e manifestações do Espírito Santo através dos fiéis, de grandes místicos, de grandes fundadores, sempre foram vistos com reservas pela Igreja Ocidental em todos os tempos. [ Por ex. o movimento dos Espirituais franciscanos na Idade Média, a Renovação Carismática Católica hoje etc].
A Igreja Ocidental condicionou a presença e ação do Espírito Santo a certas categorias por ela mesma estabelecidas : observância dos Dez mandamentos, observância dos Mandamentos da Igreja, obediência à hierarquia. O Espírito Santo parece que é visibilizado, sentido, só na Igreja e pela Igreja. Mas na História surgiram muitos movimentos que invocavam a força, a liberdade do Espírito Santo em oposição a essa ordem eclesiástica. A Igreja reduzia a ação do Espírito Santo.
Esse reducionismo vem ainda hoje criando bolsões de resistência entre Igreja e piedade popular, de modo especial em relação aos movimentos de fundo pentecostal, mesmo católicos.
A “ausência” do Espírito Santo na vida da Igreja Ocidental está levando-a a um esgotamento de sua capacidade evangelizadora. Daí que o Papa, preocupado, propõe uma Nova Evangelização e de modo especial um Projeto de evangelização Rumo ao Novo Milênio (PRNM).
Mas nada vamos conseguir somente com preocupações externas : esquemas de estudos, projetos, vídeos, cursos, reuniões . . . É um tipo de aprisionamento do Espírito. É necessário algo fundamental, abertura ao “novo” (kairós), ao Espírito, à liberdade.
Apesar de o Concílio Vaticano II ter acabado há 45 anos (1965-2010)  em muitas dioceses e em muitas de nossas paróquias vive-se ainda tempos e climas tridentinos. Está difícil para o Espírito Santo furar o bloqueio feito por bispos e padres alheios ou contrários aos ares da renovação.
Muitos dos novos padres saem hoje dos seminários muito mais conservadores e radicais do que os velhos curas de aldeia, de chapéu redondo, preto, guarda-chuva preto e batina preta ! (Estes viviam seu tempo)
A Igreja, como tal, tem proposto e incentivado a renovação, seja teológica, litúrgica, pastoral, missionária .  Está faltando porém vontade política (= interesse e dedicação) a padres e bispos para realizá-las. Eles tem medo de perder o controle de seus domínios, de suas Comunidades. Em toda parte se encontram párocos até jovens, que são fechados a qualquer inovação séria e profunda, que se consideram donos da Igreja, que impedem qualquer sopro do Espírito Santo e ficam a ressuscitar costumes, vestes, liturgias e teologias superadas. Há também bispos que tem medo de enfrentar esse tipo de desafio com seus padres ou suas Comunidades. Fica a impressão de que tais padres e senhores bispos receiam mesmo perder o controle que têm sobre o povo, e pior ainda, fica a impressão de que eles sentem-se com direito de monopólio sobre a Igreja de Cristo em suas paróquias e dioceses.
Falando sobre os sujeitos da Nova Evangelização proposta pelo Papa e assumida pela Igreja do Brasil na 34a Assembléia Geral, a CNBB faz profundas reflexões sobre o tema, propõe pistas concretas para uma Nova Evangelização no Brasil fazendo duras críticas as dirigentes das Igrejas (bispos e padres) que bloqueiam a ação do Espírito mais por conveniência e comodismo do que por ignorância. E com isso a Igreja do Brasil começa a marcar passo, a perder o ardor, a murchar, e vai secando enquanto ao seu lado explodem e pipocam vigorosas seitas e centenas de grupos religiosos alternativos essencialmente leigos, dinâmicos, empurrados certamente pelo Espírito Santo !

Como conclusão: “SURTO DO ESPIRITO”
Hoje um fenômeno paradoxal: as igrejas tradicionais se esvaziam enquanto novas expressões e grupos religiosos alternativos  vão-se multiplicando.
O mundo está secularizado. Hoje em dia a modernidade impõe que a ciência domine e liberte o homem de tudo o que o aprisionava: natureza, tradições, religião e Estado absolutista.
Mas o desenvolvimento da ciência e da tecnologia não trouxe a emancipação sonhada.  A globalização definida como interdependência entre os povos, centralizada na produção e comercialização de bens,  através de uma nova ordem mundial, não significa apenas a universalização do mercado livre, mas também da cultura ocidental e dos  hábitos.
A Igreja reagiu para combater esse tipo de cultura e de concepção que levavam ao ateísmo;  reagiu apresentando as razões para se crer em Deus e  procurou valorizar a si mesma  apresentando provas para se acreditar nela como Igreja fundada por Cristo  Firmou-se mais na organização, no seu poder e na eficiência de seu prestígio e meios.
A Igreja se esqueceu, porém, de trabalhar o elemento espiritual,  que a modernidade ocultava com o nome de liberdade.
Na década de 90 explode no mundo o lado carismático da modernidade. A Igreja não soube entender  isso, porque ela mesma não valorizava seu lado carismático. O que a modernidade apresentava como  “liberdade, igualdade e fraternidade” já eram coisas conhecidas pela Igreja como  obras do Espírito Santo já presente nas comunidades primitivas.
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A modernidade trouxe um surto de espiritualidade - paradoxalmente.  E se explica: querendo combater o papel social da religião e colocar em seu lugar a razão, a intelectualidade, como meios para resolver os problemas sociais,  a modernidade deixou o indivíduo desprotegido.  Não conseguiu tirar dele os sentimentos religiosos ;  o consumismo não o satisfez!  O indivíduo ficou entregue a toda e qualquer proposta religiosa.  Aceitando aquela que mais  lhe satisfizesse os anseios (cura, dinheiro, trabalho, amor, família...) As ofertas religiosas foram e são tantas que acabaram formando um “supermercado da fé”.
A Igreja Católica era até pouco tempo atrás a única referência social para o povo. Hoje, não. Há igrejas e seitas  evangélicas, há religiões mediúnicas como espiritismo, umbanda, candomblé; há religiões orientais ganhando terreno; há novas expressões cristãs e pseudocristãs como os mórmons, as   testemunhas de Jeová etc.  Todas elas como alternativas de espiritualidade
Essas formas todas não se identificam com a ação do E. Santo evidentemente, mas não podem ser pensadas sem uma referencia ao mesmo Espírito, visto que à medida que o Espírito é esquecido nas igrejas tradicionais, ele é mais acolhido e privilegiado nessas novas expressões religiosas  - a grande maioria de fundo pentecostal.
O pentecostalismo (evangélico e católico) é visto hoje como o maior fator cultural religioso. Não podemos mais pensar a realidade brasileira (política e religiosa)  sem analisar e entender o pentecostalismo.
O pentecostalismo ameaça as igrejas tradicionais, católica e  protestante. Fato importante é que são as pessoas mais pobres que compõem as igrejas pentecostais.   Elas são agora a “ religião dos deserdados”,  o “refúgio das massas”.  E convém observar que a liturgia da Igreja chama o Espírito Santo de “Pai dos pobres”!
Por que será que os pobres acorrem às igrejas pentecostais? Por causa dos bens materiais imediatos?  Por causa da situação político-econômica? Também. Mas não  só por isso. Há sinais do Espírito Santo na ação dessas igrejas, uma ação que transforma as pessoas: bêbados, drogados, viciados, mendigos que se convertem  passam a ter uma vida digna e a participar, com entusiasmo,  de Bíblia na mão, dos cultos  religiosos.  Certamente isso tudo é obra do Espírito Santo.  Gostaríamos que isso tivesse acontecido em nossa Igreja. Mas não criamos condições para o Espírito Santo atuar e nem para os “excluídos  e deserdados” poderem experimentá-lo.
“Nascer de novo” é também essa vida nova, digna que o Espírito suscita hoje no pentecostalismo.
Dons extraordinários  e emocionais sempre exerceram fascínio. Mesmo nas Comunidades de Paulo. Daí que foi preciso ele intervir. As comunidades pentecostais também exageram nesse ponto. Não seguem os conselhos de Paulo e exploram muito os dons da cura e da batismo do Espírito Santo. Mas isso tem imensa repercussão  e êxito junto às camadas mais pobres que procuram saúde, bens, solução de problemas.  Há grande correlação entre o aspecto físico e psíquico das doenças.  Muita gente, pelo forte impacto emocional, pelo forte apelo da oração, do delírio comum, e da ação exorcizante dos pastores  acaba, se não curada, pelo menos aliviada e feliz. Não pelo poder dos pastores, certamente,  mas  pela própria disponibilidade dos fiéis é que o Espírito Santo deixa experimentar seus dons.
A presença do Espírito Santo não acontece  só na Igreja católica. Ninguém pode criticar as igrejas evangélicas pentecostais de invocar e fundamenta seus cultos na Pessoa do Espírito Santo. Ele é dom dado a todos. E quando pediram que Jesus proibisse as pessoas que não eram apóstolos de invocarem o Espírito Santo,  ele se opôs  (Marcos 9, 38ss).




                                                                                          Birigui, janeiro de 2012
                                                                                                                           Frei Mauro Aristides Strabeli
                                                                                                strabeli@uol.com.br

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