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sábado, 31 de março de 2012

TEXTOS FREI MAURO STRABELI (MARÇO 2012): "HERMENÊUTICA BÍBLICA" - 2ª PARTE do DOCUMENTO:

14.  O TEXTO DA BÍBLIA
                               Não temos nenhum original dos livros bíblicos. Foram perdidos. O que temos são testemunhas diretas do texto,  isto é, são os exemplares que chegaram até nós através de cópias,  quase sempre com correções, erros. Por isso é necessária a crítica textual para tentar recompor o texto original o quanto for possível. Há também testemunhos indiretos que são as citações de textos ou de passagens da Escritura em Lecionários, em Homilias, em livros dos Santos Padres ou em textos avulsos.
Sobre a invenção da escrita há muitas informações históricas nem sempre convergentes. Testemunhos mais antigos de escrita  são os encontrados em Warkah, cidade da Babilônia antiga, obra dos sumérios, por volta do ano 3.500 aC. Eles escreviam com estiletes  em placas de barro que depois eram cozidas ou colocadas para secar ao sol . E foram encontrados muitos outros escritos antigos pela arqueologia em Mari, Ninive, Ugarit e Ebla. São verdadeiros arquivos. As escavações continuam.
Os egípcios usavam o papiro, planta abundante às margens do Nilo. Eram cortadas, juntadas. Secadas, prensadas. Isso era feito já há mais de 3.000 aC. Depois de escritas prendiam uma vareta em cada extremidade da longa folha para poder enrolar. É o rolo de papiro. Em Israel conhecia-se o papiro, certamente trazido do Egito. O livro de Jeremias fala que o rei Joaquim mandou queimar o pergaminho do profeta (Jr 36,20-24). Talvez fosse papiro, porque pergaminho era outra coisa. O pergaminho era feito de pele de animais, curtida, preparada com alume (sulfato de alumínio) e disposta para se escrever.  O processo de preparo das peles foi aperfeiçoado na cidade de Pérgamo pelo ano 100 aC. Daí se originou o nome pergaminho. A 2Tm 4,13 faz referência os pergaminhos de Paulo.
Até o século II dC usou-se o papiro; a partir do ano 100 passa-se a usar o pergaminho. Somente no séc VII surge na Síria uma forma primitiva de papel de linho. A partir de século III dC. Usa-se a forma de códices, que são folhas dobradas em cadernos e depois costuradas na dobra.  Os códices são designados  pelo seu lugar de origem ou pelo lugar onde so conservados. (Mais abaixo se falará disso)
Todos os livros do AT (exceto um: Sabedoria) foram escritos em hebraico. Os deuterocanônicos chegaram até nós em grego. Sempre fizeram parte do AT usado pelos cristãos e pela Igreja até  à Reforma de Lutero (séc XVI).
                        Os deuterocanônicos - recusados por Lutero - são estes: 1Macabeus: séc I, escrito em hebraico; 2Macabeus: séc. I, escrito em grego; Tobias: conhecido no I século da era cristã; foram encontrados um manuscrito hebraico e um em aramaico nas grutas e Qumran. Não são originais, mas cópias. Há antigos manuscritos em grego. Judite: escrito em hebraico, mas conhecido somente pelos antigos manuscritos gregos e pela Vulgata que o tirou de uma antiga tradução latina feita de texto em hebraico.

Eclesiástico: escrito em hebraico, traduzido em grego pelo neto do autor (ver o Prólogo do livro feito por ele);  Baruc: escrito em hebraico  por Baruc na Babilônia. Só conhecido pelas versões gregas. Tem um acréscimo que é o capítulo 6 que traz a “Carta de Jeremias”.. Sabedoria: escrito em grego no  séc I aC.
Os textos antigos eram escritos em papiro (vegetal) ou em pergaminho (pele de animal) e formavam rolos de até dez metros de comprimento.
No fim do século I surgiram os Códices (códex), que  eram  folhas avulsas colocadas uma sobre outras e depois costuradas como  livro. Era uma técnica mais prática que a de ler em rolos. Também para guardar os textos era mais fácil esse sistema. Parece ter sido uma invenção dos cristãos essa técnica..O códice era composto de fascículos de quatro folhas (fascículi, em latim = maço, feixinhos) que formavam um caderno (quaternio = quatro); as folhas eram dobradas em dois formando um díploma (= do grego diplós = duplo, dois). O resultado era: oito folhas e dezesseis páginas (frente e verso) [cf verbete “Códice”, Dicionário Enciclopédico da Bíblia, A. Van den Born, Vozes 1971).

 Os manuscritos. 
 Como foi lembrado acima,  podemos ter acesso aos textos do AT por meio dos manuscritos que são chamados testemunhas diretas, se foram escritos em hebraico, ou indiretas, se são traduções do hebraico.
                                    Os manuscritos testemunhas diretas são poucos: o Texto massorético, o Pentateuco samaritano, os Manuscritos de Qûmran, o Papiro de Nasch e os Fragmentos da guenizá do Cairo
                                     a) O texto massorético. Massorético vem do hebraico massoráh que significa transmissão ou tradição. O texto massorético é o texto bíblico mais importante como testemunha direta. É conhecido pela sigla TM ou também pela  letra  M gótica [M] A origem desse documento procede de uma corrente particular do judaísmo do pós exílio, quando por volta de 515 aC estava sendo construído o 2.º  templo em Jerusalém.  Nessa ocasião apareceu um texto  bíblico de forma consonantal (só de consoantes) e que acabou se  impondo).
                                   Com a queda de Jerusalém e a destruição do templo (70 dC) fez-se necessária a reorganização do Judaísmo [Obs.  O termo judaísmo aparece somente  no 2Mac ( 2,21; 8,1 e 14,38) e em São Paulo na carta aos Gálatas (1,13-14) e sempre com o sentido de “religião judaica” ou “modo de viver judaico”. O verbo grego ioudaídzein tem esse mesmo sentido]
                                   Segundo opinião corrente entre os estudiosos   bíblicos     alguns rabinos se reuniram no ano 91 dC em Jâmnia (hoje Yabné, perto de Tel Aviv) e elaboraram um cânon bíblico, indicando quais livros eram considerados sagrados ou inspirados – como já foi lembrado nesse texto. Esse texto ou cânon judaico passa a ocupar papel central no judaísmo. É chamado por alguns de texto massorético, o que não é exato. Esse texto seria proto-massorético, uma vez que foi somente entre os séculos V e XI da Idade Média que os rabinos especialistas chamados de massoretas introduziram os sistemas de vocalização com sinais diacríticos: o ponto (.) , o acento (´) e a cedilha (,). No alfabeto hebraico os sinais diacríticos são os pontos de vocalização acrescentados ao texto consoântico..
                                   Isso precisou ser feito quando o hebraico se tornou língua morta (usada porém na liturgia e na cultura). Os massoretas, para conservarem tradição de leitura dos textos bíblicos,  criaram um sistema de leitura novo, uma vez que  as tradicionais semivoagis: wau  [w], o yod [y] e o [h] chamadas de “matres lectionis” (= mães da leitura, ou auxiliares da leitura) não bastavam para preservar a pronúncia. Os  sinais diacríticos inventados pelos massoretas e colocados nessas semivogais permitem que se possam ler as vogais longas.  Desse modo o yod [y] e o wau [w],  - conforme os  sinais  diacríticos – podem  indicar as vogais  imutáveis  (ô, î, ê û) ;  o he [h]  pode indicar as vogais longas tônicas a e (Os sinais diacríticos são muitos como por ex. um risquinho sob a letra (_) chamado páthah, um pequeno tau sob a letra (-) chamado qames indicam a letra a; assim outras  como o ê,  que  é indicada por dois pontos  ou três pontos sob a letra (segôl e serê) etc.
                                   O sistema de vocalização que se impôs foi o de Tiberíades que coloca os sinais sob as consoantes e que é usado até hoje. Os massoretas dotaram o texto bíblico com uma aparato chamado massorah. Aparato é o conjunto de variantes do texto ou das notas sobre um texto; são colocadas essas variantes na margem do texto ou no rodapé – como se pode ver nas bíblias hebraicas.
                                   Não se tem, porém, nenhum manuscrito do texto massorético que seja anterior ao século X dC. Com medo de serem profanados durante as perseguições religiosas contra o povo, eles foram destruídos pelos próprios judeus.
                                   b)  O texto vocalizado medieval
                                   Na Alta Idade Média foi encomendada a duas famílias de Tiberíades a preparação de um texto vocalizado: a família de Ben Asher e a de Ben Neftali. É da Escola de Ben Asher que procedem os dois mais importantes códices: o códice do Cairo (códex C ), vocalizado em 896 e que contém os livros dos profetas; e o códice de Alef (designado pela letra A ou pelo álef hebraico (); foi vocalizado por Aaron Ben Asher em 925 Esse documento está hoje em Jerusalém.

c) O Pentateuco samaritano.  É uma das antigas formas da  escrita hebraica do Pentateuco mas do tipo consoântico (sem as vogais massoréticas).  É chamado Pentateuco samaritano em relação ao Pentateuco hebraico, de Jerusalém.  O texto foi levado  à Samaria, segundo uma versão,  por um sacerdote judeu expulso de Jerusalém (veja Neemias 13,28) mais ou
menos entre 432-425 aC.  O texto foi colocado no templo erguido no Monte Garizim. Outra versão  diz que  o texto foi levado para a Samaria por um sacerdote mandado para lá pelo rei da Assíria, a fim de que ele ensinasse aos habitantes da Samaria “como deviam honrar Javé” (2Rs17,28). Os habitantes da Samaria não eram judeus mas gentios trazidos  da Babilônia  e de outras regiões  pelo rei assírio (veja 2Reis 17,24-28).
O texto samaritano difere do texto original em muitos lugares quanto à ortografia e à gramática; há vários trechos copiados com erros; contém alguns acréscimos como, por ex, ainformação sobre a construção de  um altar no Monte Garizim e não no monte Ebal como diz o texto original (veja Deuteronômio  27,3-4); evita antropomorfismos para Deus; há ainda muitas outras pequenas diferenças devido à negligência dos copistas (cf. SIMON-PRADO, Praelectiones Biblicae Propaedeutica, Marietti, Torino, 1949 p.   144-145).
[Segundo Odette Mainville, (op. cit. p. 22-23) é possível que o texto do Pentateuco samaritano seja do tempo em que os samaritanos se separaram do mundo judaico; isso ocorreu no período dos asmoneus (167-63 aC). Os textos desse Pentateuco foram descobertos em Damasco no ano de 1616; os manuscritos eram da Idade Média .  Segundo essa autora há cerca de seis mil variantes entre os dois textos. E  o Pentateuco Samaritano e a versão LXX  têm cerca de 1900 passagens em que diferem do texto massorético...)

d) Os manuscritos de Qûmran
 [Dicionário Enciclopédico da Bíblia, verbete Qûmran; Francesco Gioia, Qûmran: proposte educative. Borla, 1979; Edmund Wilson, Os manuscritos do Mar Morto. Comp. das Letras, 1996; Luigi Moraldi, I Manoscritti di Qûmran, Ed. Torinese, 1974)
Qûmran é o nome de uma colina localizada a 13 km de Jericó e na margem ocidental do Mar Morto; é também o nome de um sítio arqueológico composto por várias grutas nas rochas. Esta região está ligada aos estudos bíblicos pela descoberta  de inúmeros textos bíblicos antigos, feita ali em 1947-1948. Foram encontrados manuscritos e fragmentos bíblicos em hebraico, aramaico e grego. A maior parte  deles datada do séc. II aC até o I dC. O conjunto desses manuscritos é chamado de  “Os rolos do Mar Morto”, e também “manuscritos do deserto de Judá”. Os trabalhos arqueológicos continuam até hoje.
 Qumran é um dos inúmeros sítios arqueológicos espalhados pela Palestina. O nome correto do local é Khirbet Qumran (khirbet significa ruína em árabe).
O sítio arqueológico de hoje  era formado por algumas construções habitadas por um grupo humano auto-suficiente.. A construção tinha dois setores: um, chamado “cidade das sales” em formato quadrado e outro, chamado “espaço industrial”. No primeiro existia um conjunto de salas para reuniões, estudo, escrita, refeitório e capítulo (=reunião de monges). No setor “industrial” estavam a lavanderia, as instalações sanitárias, salão para trabalhos em cerâmica, moinho, silos, fornos etc.
Fora desses conjuntos foram encontrados  três cemitérios: um, com 12 túmulos; outro, com 30 e outro com 1.100. Foram encontrados poucos esqueletos de mulher. Um pouco mais distante das construções estava a região agrícola trabalhada pelos monges, porque ali havia algumas minas de água – que eram usadas no mosteiro e para irrigação.
O número de habitantes do conjunto de Qumran era grande. Os monges habitavam também nas grutas vizinhas e que eram inúmeras, como se pode ver ainda hoje.. O  dominicano Pe. Roland de Vaux,  um dos primeiros arqueólogos a trabalhar no local calcula que ali moravam cerca de 700 pessoas..
Perto do local havia uma construção semelhante à de Qumran. O local era chamado Ain Feshikha (Ain significa fonte, águas, em hebraico). Havia certo relacionamento entre Qumran, Ain Feshikha e também com a “Comunidade de Damasco”, formada ao que parece por judeus fugidos de Jerusalém.
Os habitantes
Não foram ainda totalmente identificados. Nesse período da história do mosteiro (175 aC até 70 dC) eram muitos os grupos religiosos na história de Israel, como os fariseus, saduceus, batistas, essênios, zelotes, terapeutas e caraítas.
[Os fariseus formavam um partido religioso no judaísmo, que se aplicava a estudar profundamente a lei judaica e as tradições dos antepassados. Eram rigorosos na observância da lei. Os  batistas formavam o grupo dos discípulos de João Batista, usando seu batismo como um sinal de conversão; os caraítas, seita judaica que aceitava somente os livros canônicos antigos e rejeitava o Talmude;  os essênios (do hebraico hassidim = piedosos, santos) associação religiosa do tempo de Cristo; uma espécie de ordem monacal afastada das observâncias  oficiais do judaismo;  os saduceus,  (de saddiq = justo):  formavam um partido mais político  que religioso no judaísmo ; não aceitavam anjos e ressurreição;  os terapeutas, (Terapeuta: aquele que cura). Formavam um grupo religioso de vida comum e celibato. Radicados mais no deserto do Egito. ; os zelotes que formavam um partido político-religioso fanático no judaismo e que agiu no tempo de Jesus].
Os moradores de Qûmram eram essênio – segundo os historiadores. A palavra essênio quer dizer piedoso, devoto. Vem do aramaico hassê, donde procede o hebraico hassidim (piedosos), que são lembrados em 1Mac 2,42; 7,13-17 e 2Mac 14,6.
Sobre os essênios de Qûmran as referências  históricas são muitas e nem sempre  convergentes. Flávio Josefo, historiador judeu-romano diz: “A filosofia é cultivada entre os judeus de três maneiras: uma, a dos fariseus; outra, a dos saduceus,  e a terceira –         que tem a fama de exercitar-se na santidade - é a dos essênios, que são judeus de raça mas ligados a um relacionamento fraterno diferente dos outros. De um lado, desprezam os prazeres como um mal e de outro, têm como virtudes a temperança e o controle das paixões. O casamento é desprezado por eles,  mas adotam os filhos dos outros ainda novos e dispostos ao ensinamento; consideram-nos como parentes e os modelam conforme os seus costumes” (Guerra Judaica II, 119-161).
Acrescenta em outra obra: “A doutrina dos essênios ensina a deixar tudo nas mãos de Deus; crêem na imortalidade da alma e aprovam a guerra como meio para se fazer justiça. Eles não têm mulheres, nem escravos. Consideram isso uma injustiça e fonte de discórdia. Vivem juntos e  ajudam-se solidariamente”. (Antiquitates Judaicae XVIII, 18-22).
Outro autor antigo, Plínio, o Velho visitou a região do Mar morto entre 70-79 dC e deixou sua opinião sobre os essênios:
“São gente solitária e admirável, mais do que qualquer outro povo; não têm mulheres, são alheios ao amor e sem dinheiro. A cada dia aumenta o número deles com pessoas cansadas da vida e desejosa de serem recebidas por eles. Essa gente  parece eterna, pois aqui ninguém nasce mas o número é aumentado pela conversão de vida de outros” (Naturalis Historia V, 17).
Os essênios de Qûmran, deixando as cidades,  vivem em Comunidade e em celibato; levam vida austera e vegetariana, dedicando-se à oração ao estudo e a copiar as  Sagradas Escrituras, além dos trabalhos manuais. O mosteiro de Qûmran  foi destruído pelos romanos no ano 70 dC  por ocasião da guerra de Roma contra os judeus - comandada por Tito, filho do imperador Vespasiano.

  Os textos do Mar Morto
Em março de 1947 um beduíno pastor chamado Mohamed el Dib, da tribo Taamireh procurava uma cabra que se distanciara do rebanho e entrara numa gruta. Aproximou-se e atirou uma pedra para dentro da gruta tentando espantar a cabra. Percebeu, porém,  que acertara em alguma coisa que se quebrara como um vaso de cerâmica. Voltou mais tarde com companheiros os e entraram na gruta onde encontraram a jarra quebrada e dentro dela e no chão estavam esparramados manuscritos. Levando para casa esses documentos a atenção de muita gente foi despertada e o bispo do Convento  Mar Markos de Jerusalém comprou uma parte desse material e um professor de Jerusalém, outra parte. O bispo foi vender os manuscritos nos Estados Unidos. A partir de então começou a corrida arqueológica que até hoje não terminou. Os Estados Unidos e o Governo de Israel coordenaram esse trabalho. As centenas de manuscritos ou fragmentos encontrados estão sendo estudados e encontram-se hoje em Jerusalém no Museu do Livro e no Museu Rockefeller.
Na gruta que o beduíno descobriu (chamada depois Qûmran 1 ou Q1) foram encontrados entre os vários manuscritos o texto do profeta Isaías, a Regra da Guerra dos filhos da luz contra os filhos das trevas, Hinos e o Apócrifo do Gênesis.
É coisa certa que os monges de Qûmran ao perceberem a ameaça dos romanos e a certeza de que poderiam destruir o Mosteiro, e tudo o que lá existia, esconderam tudo o que tinham sobre  a Bíblia, em vasos de cerâmicas,   e com dificuldade os esconderam nas inúmeras grutas que existem lá.  Acredita-se que ainda há muita coisa a ser descoberta.
Depois da guerra de 1967, Qûmran passou a pertencer a Israel. Começaram as escavações e  já foram descobertas e identificadas 11 grutas – todas elas com manuscritos.
Os manuscritos estão divididos em duas categorias: textos bíblicos e textos extra-bíblicos. O total de manuscritos recuperados (até 1995)  girava em torno de 850. Destes, 225 são cópias de livros bíblicos, diversos.; de outros 300 o material conservado é pouco o que dificulta a tradução. Há fragmentos com frases soltas, outros com algumas  palavras  etc.  Há 200 manuscritos  extensos e importantes já traduzidos nas várias línguas. (cf em português: Florentino García Martinez, Textos de Qumran, Vozes 1994).
Os textos estão divididos  mais ou menos assim:
1. Regras (da Comunidade e Documentos de  Damasco)
2. Textos haláquicos  (carta haláquicas, Normas de pureza, decretos e Ordens)
3. Literatura escatológica (Regras de guerra, Descrição da nova Jerusalém, Apocalipse aramaico, Quatro Reinos e Melquisedec)
4. Literatura exegética (Targumi, Rolo do templo, Pesher Isaías, Oséia Miquéias, Naum, Habacuc, Spofonias, Malaquias; Salmos etc.)
5. Literatura pára-bíblica (Apócrifos, Jubileus, Pentateuco, Testamento dos Patriarcas)
6. Textos litúrgicos (Orações, Cânticos, Bênçãos)
7. Textos astronômicos, Calendários e Horóscopos
8. O Rolo de Cobre

d)  O papiro de Nash - Papiro é uma planta aquática de caule alto e flexível, que seco, serve para coberturas e tratados e trabalhados podem ser usados para a escrita. (da palavra papiro vem a palavra papel).
O Papiro de Nasch tem esse nome porque foi descoberto por W.L. Nas em 1902 no Egito.  É do primeiro ou segundo século aC. Ele é importante porque contém o Decálogo, na formulação de Ex 20, com pequenas referências ao texto do Dt 5. Traz ainda o Shemá Israel  (Dt 6,4-25),   a oração judaica que deve ser recitada toda  manhã.
e)  Os fragmentos da guenizá do Cairo -  A palavra guenizá  ou genizá é de origem aramaica e pode significar ser precioso e esconder. Como substantivo é usada para indicar o poço  ou o depósito que havia nas sinagogas nos quais  eram jogados os textos bíblicos já gastos pelo uso e que ao invés de serem queimados eram guardados ali para evitar profanação. Essas guenizás são de grande valor porque abrigam textos bíblicos antigos. Começaram a ser descobertas no século XIX. E entre as mais importantes está a guenizá do Cairo descoberta por acaso em 1890 num cômodo de uma antiga sinagoga do Cairo. Os fragmentos bíblicos dessa guenizá remontam ao século IX . São testemunhas hebraicas do texto bíblico. (Odette Mainville, A Bíblia à luz da História, Paulinas 1999, p. 16-29].
                                    Outro texto importante é o Pentateuco Samaritano conservado pela Comunidade  da Samaria   logo após o   exílio.  Os manuscritos desse Pentateuco são do século X dC.
                                   15.  Versões antigas do AT
                            A maioria dos livros da Sagrada Escritura do AT foram, escritos em hebraico, língua do povo de Judá e Israel; poucos trechos foram escritos em aramaico (Dn 2,4b-7,28) Esd 4,8-6,18; 7,12-26), língua irmã do hebraico, e falada pelos neo-babilônios. Essa língua foi adotada durante o Império persa (VI-V aC) e  usada na Palestina até depois de Cristo. Foi a língua que Jesus falou. Apenas dois livros do AT foram escritos em grego: 2Macabeus e Sabedoria.  As versões clássicas do AT são: a Bíblia dos Setenta, também conhecida como Septuaginta (LXX), as versões de Áquila, Símaco e Teodocião, os Targumins, a Vulgata de S. Jerônimo (já com os deuterocanônicos e NT) e outras versões menores conhecidas com Vetus Latina, Versão Copta e Versão etiópica.
a)       A Bíblia dos Setenta (cf. pág. 24 desta Apostila)
                                   A versão dos LXX é de fato uma testemunha direta; os códices chamados Vaticano e Sinaítico são os códices cristãos mais antigos; são do século IV. O Códice Vaticano contém a versão dos LXX e o NT e o Sinaítico contém o AT e o NT A Bíblia dos LXX não é a única versão grega antiga; é a única que foi conservada, principalmente no Códice Vaticano. As outras praticamente se perderam. E  que são as abaixo assinaladas.
                                   b) Áquila – Foi um pagão do séc. I dC que se converteu ao cristianismo e do cristianismo passou para o judaísmo.  Como prosélito do judaísmo ele fez uma tradução grega do AT, “com intenções anticristãs”, diz Santo Epifânio (MG 43,261) e “com honestidade” diz ao contrário São Jerônimo (ML 22,446). A tradução foi literal e grecizou expressões hebraicas. Essa tradução foi usada pelos judeus no Império romano. (Prosélito (em grego = aquele que adere, que se junta); pagão conquistado pelo judaísmo,  circuncidado, mas que  não observava todos os preceitos da Torá)
                                   c) Símaco -  Era samaritano ou ebionita do séc. II dC. Traduziu o AT para o grego. Sua tradução é muito livre; procurou eliminar  ou  mitigar os antropomorfismos que há na Bíblia (Samaritano = da Samaria; ebionita: do hebraico ebyón= pobre; os ebionitas formavam um seita judaico-cristã classificada como herética  pois defendia a circuncisão e a observância do sábado no cristianismo).
                                    d)  Teodocião -  Também era prosélito judaico, do séc II. Sua tradução do AT é uma adaptação dls LXX. Seu texto teve certa influência no texto do AT usado pelos cristãos. (cf A. Van Der Born, Dicionário Enciclopédico da Bíblia,pág. 198-199 ; V. Mannucci, op. cit pág 113)
                                   16.   Os Targumim (Targum)
                                   A palavra hebraica targum significa tradução. Targumim = traduções. Os targumim são traduções feitas do hebraico para o aramaico. Isso porque já antes de Cristo o aramacio substituira o hebraico. De modo que o povo em geral não entendendo o hebraico precisava de que alguém traduzisse para ele as leituras nas sinagogas. Os leitores iram lendo e traduzindo os textos nas sinagogas e faziam também paráfrases sobre o texto lido. Essas traduções aramaicas orais foram depois escritas, e tais escritos constituem  os atuais targumim. Os targumins não são tradução fiel, pois vêm mesclados com paráfrases e com  elementos da tradição judaica (halacá, hagadá – cf pág. 26). Os dois principais targumim são:
                                   Targum Onkelos – É uma tradução aramaica do Pentateuco. De autor ignorado,  surgido na Palestina (ou Babilônia) entre os séculos I-II. Chama-se Onkelos por uma atribuição falsa a um discípulo de Gamaliel Sênior (séc. I dC) chamado Onkelos. Teve grande aceitação entre os judeus porque traz a vocalização massorética. Também os cristãos o usaram, mesmo porque dá interpretação messiânica aos textos de Gn 49,10 e Nm 24,17 entre outros. O texto é mais ou menos conservado na primeira edição da Bíblia Poliglota (1514) na Espanha.
                                   Targum de Jonathan-ben-Uziel – É uma tradução aramaica dos Profetas. Atribuído a Jonathan bem Uziel, discípulo de Hillel (séc. I dC). Usa muito as paráfrases. Como não contenha alusões negativas contra os cristãos, esse targum foi admitido pelos cristãos. Está quase integralmente nas bíblias rabínicas.
                                   Afora esses Targumim mais importantes, há outros como o Targum de Jerusalém – também sobre o Pentateuco, e o Targum sobre os  “Outros  Escritos (kethubim) – ambos de autores desconhecidos. Estão entre os séc. II-VII dC.
17.           Outras versões antigas de relevo do AT
Entre as versões antigas do AT muitas foram feitas sobre o texto grego dos LXX. São mais conhecidas  a Vetus Latina (séc. II), que vai ser muito usada  e será depois revisada por S. Jerônimo, a  Versão copta (séc. II), a  etiópica (séc. IV), a Peshita  e outras
a) Vetus Latina (=Antiga (versão) latina) -  A origem dessa tradução é colocada no séc. II. Diz a história dos Mártires Scilitanos que por serem simples e não saberem o grego levavam consigo um texto dos  “livros e epístolas de Paulo, homem justo”. S. Cipriano diz que deveria ser uma interpretação popular da Sagrada Escritura. No séc. III nos escritos de Novaciano encontram-se citações bíblicas tiradas de uma versão latina, não se sabe qual pois se conheciam duas antigas versões: uma feita na África e outra na Itália, em Roma (ou na França). E Santo Agostinho diz que não havia muitos textos da Escritura traduzidos do hebraico.
Essas versões latinas antigas foram feitas de textos gregos conhecidos no Ocidente e também do texto dos LXX.
A maior parte dessas versões foi perdida. Há fragmentos de livros sagrados nos diversos códices  tanto do Antigo quanto do Novo Testamento  que  se conservam em algumas  Bibliotecas especializadas.
b) A Versão copta -  Com a penetração do cristianismo na África (sec.I-II) foi preciso fazer a tradução da Sagrada Escritura para algumas línguas da África (dialetos). Foram várias as traduções. Uma tradução copta é atestada pela tradição rabínica e por uma Vida de Santo Antão (251-356), daquele tempo. . Não se sabe, porém, de qual texto tal tradução foi feita. Não existe um texto dessa tradução; apenas fragmentos também.
c) A Versão etiópica – Quando os etíopes (ou abissínios) se converteram ao cristianismo (séc. IV) foi feita uma versão da Sagradas Ecsirutras na língua etiópica. Foi feita do texto grego (Códice B).
d) A Versão Peshita  -  A palavra peshita que dizer simples,  ou popular.. A versão peshita vem a ser uma tradução da Bíblia do hebraico para a língua siríaca no séc. II dC. Essa tradução é muito citada nos textos de escritores sírios, principalmente Santo Efrém (* 253) doutor da Igreja. Mesmo depois do cisma que dividiu a Igreja síria em Jacobitas e Nestorianos a tradução peshita foi mantida. (cf.Simon-Prado, Praelectiones Biblicae, Propaedeutica, Torino,1949)
e) A Vulgata – Vulgata quer dizer popular, vulgar, isto é, difundida entre o povo. É versão latina da Sagrada Escritura feita por S. Jerônimo no fim do séc. IV por ordem do Papa Dâmaso.  Traduziu o AT (livros protocanônicos) do hebraico ou aramaico. Ele não tinha  muito apreço pelos deuterocanônicos porque – com formação rabínica - ele não os aceitava de início, por terem sido escritos ou transmitidos em grego. Para o NT S. Jerônimo usou a Vetus latina (Versão latina) com base em alguns códices gregos.  Essa tradução de S. Jerônimo levou tempo para se impor.
Teve rejeição até o séc. VI. Começou a prevalecer sobre as demais traduções latinas no séc. VII. Somente no séc XVI a tradução recebeu o nome de Vulgata por já estar bastante difundida.  Em 1546 o Concílio de Trento declarou a Vulgata como “autêntica” e passou a ser o texto normativo de referência. Em 1592 foi publicada uma edição oficial, chamada Sisto-Clementina porque foi iniciada pelo Papa Sisto V  em 1585 e terminada por Clemente VIII em 1592.  Essa Bíblia vigorou como texto oficial até 1979, quando o Papa João Paulo II, pela Constituição apostólica “Scripturarum Thesaurus” do dia 25 de abril de 1979, declarou como “típica” a nova  edição da Vulgata, agora chamada de  Nova  Vulgata Bibliorum Sacrorum. O Papa diz que essa publicação coroava com êxito a tarefa que fora proposta por Paulo VI, que nomeara uma Comissão Bíblica para revisão e atualização da Vulgata, e que também  tivera o apoio do Papa João Paulo I.
18.  O texto grego do NT
Do texto grego do NT  existe  um número muito grande de documentos (códices e papiros). O manuscrito mais antigo do NT é do século IV. Existem mais de cinco mil manuscritos gregos do NT(incluindo os incompletos); há mais de duzentas mil variantes de textos, também dos textso do NT não se tem nenhum original; apenas as testemunhas diretas e indiretas.
Testemunhas diretas
 a) Manuscritos (ou códices)
De todos os manuscritos que se tem do NT apenas 266 são importantes. São manuscritos (ou Códices) chamados unciais (ou maiúsculos). E existem  também (por ora) 84 papiros . Os códices unciais (maiúsculos) são designados por uma letra do alfabeto latino ou grego ou hebraico e um número precedido do zero.  Por ex. B-03 = códice Vaticano. Os códices minúsculos (isto é, escritos em caligrafia corrente)  são designados também por uma letra latina, grega, hebraica,  mas  com um número sem o zero . Por ex.  15  Os papiros são indicados pela letra P   e também com um número.expoente (pequenino, colocado geralmente no alto), como por ex. P52 = papiro sobre Jo18,31-33.37-38, o mais antigo  (sec II).
Códices mais importantes são: o códice Vaticano (B); o códice Sinaítico (S); o códice Alexandrino (A) e o códice de Beza (D)
O códice Vaticano (B)  é conservado na Biblioteca do Vaticano. Contém o AT (versão LXX) e o NT (com algumas falhas). É do século IV. O códice Alexandrino (A) está no Museu de Londres. Contém o AT e o NT. É do séc. V.  O códice Sinaítico (S) está no Museu de Londres. Contém o AT e o NT. É do séc IV. O códice de Beza (D) está na Biblioteca da Universidade de Cambridge. Contém os Evangelhos e os Atos dos Apóstolos. Está escrito em grego na página direita e em latim na página esquerda. É do séc. V. Chama-se Beza, em homenagem ao descobridor do manuscrito Teodoro de Beza, que o doou à Universidade em 1581.
Há também um códice palimpsesto muito conhecido. É chamado de “Efrém reescrito”. Palimpsesto é palavra grega (psáo = polir + pálim = de novo) e designa o pergaminho teve a escrita apagada para se poder escrever outra. . Esse códice palimpsesto de “Efrém reescrito”  é o  mais conhecido do NT.  Continha um texto do NT do século IV que foi apagado e escrito por cima textos de Santo Efrém. Hoje o texto antigo foi redescoberto através de fotografia com raios infravermelhos.
                                   b) Papiros mais importantes
                                   O número de papiros é muito grande. Aqui elencamos alguns dos mais importantes.
P1 (séc.II-IV) - Filadélfia -–Mt1,1-9.12.14-20
P4 (séc. IV) – Paris – Lc 1,74-80; 5,3-8. 31-39; 6,1-4
P5 (séc III)– Londres – Jo 1,23-31.33-40; 16,14-30; 20,11-25
P45 (séc III) – do Egito - chamado Chester Beauty (nome do comprador do papiro) Contém muitos trechos dos evangelhos.
P52 (séc. II)  -Manchester- Jo 18,31-33.37.38




14.  A Héxapla
Por volta do século II o texto grego que a Igreja usava estava de tal modo corrompido que Orígenes se propôs  uma difícil tarefa: a de tentar restabelecer o texto na sua pureza original
Orígenes nasceu em Alexandria. Sua biografia é longa e acidentada. Foi professor de literatura, catequista de Catecúmenos, filósofo, teólogo e escritor fecundo. Era leigo e levava uma vida austera e tomando ao pé da letra a passagem de Mt 19,12b (“há outros que se castraram por causa do Reino do céu”)  mutilou-se castrando-se. Foi grande apologeta e defensor da fé. Durante uma viagem passa por Cesaréia da Palestina onde é ordenado presbítero pelos bispos Teoctisto e Alexandre. De volta à sua terra, seu bispo Demétrio, irritado por não ter sido consultado para sua ordenação,  o suspendeu de ordens. Passou a viver em Cesaréia onde ninguém deu atenção à suspensão imposta por Demétrio e ele livre, viajava  como missionário, ensinando, discutindo, pregando. Foi preso e torturado  na perseguição de Décio (250). Não o queriam matar mas fazê-lo apostatar da fé – o que seria o grande trunfo do perseguidor. Mas ele se manteve firme. O imperador morreu  e ele foi libertado, mas morreu alguns meses depois, aos 69 anos. Seu túmulo até o séc. XIII, estava na Igreja do Santo Sepulcro em Tiro. (cf. Dicionário Patrístico e de Antiguidades Cristãs, verbete Orígenes, p. 1045-1050)
A Héxapla é sua grande obra bíblica.  Héxapla é palavra grega que quer dizer seis (seis coisas). No caso dele, Héxapla é uma Bíblia que ele fez em seis colunas, ou  Bíblia sêxtupla. Ele colocou em seis colunas, uma ao lado da outra: 1) o texto hebraico em letras hebraicas; 2) o texto hebraico em letras gregas; 3)  a tradução de Áquila; 4) a tradução de Símaco; 5) a versão dos LXX;  6) a tradução de Teodocião.
Ele sinalizou a versão dos LXX mostrando qual era a relação entre o seu texto dos LXX e a bíblia hebraica.. Completou os LXX com oi texto de Teodocião e sinalizou também o que os LXX tinham a mais.
Embora seu trabalho tenha sido imenso, sua Héxapla não contribuiu para purificar o texto dos LXX porque o texto hebraico que ele usou era muito diferente do texto usado pelos LXX . A Héxapla nunca foi copiada inteiramente por ser muito extensa. Trechos avulsos foram feitos por copistas e sempre com erros. Infelizmente perdeu-se essa monumental e histórica composição.

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II.ª PARTE:  A BÍBLIA NA IGREJA E MAGISTÉRIO

                             A Interpretação bíblica latino-americana
Está alicerçada na vida das Comunidades latino-americanas, geralmente pobres, marginalizadas e muitas vezes oprimidas. A leitura une fé e práxis e leva a compromisso social de transformação. Tem sido muito aplaudida e contestada. Grandes nomes orientaram e orientam a leitura latino-americana das Escrituras. Citando alguns como Jon Sobrino, Gutierrez, L. Boff, Pixley, Carlos Mesters, Libânio, Frei Betto, Elza Tamez, Juan Segundo, Nestor Míguez , Milton Schwantes, J. Comblin, Tércio , antigos e atuais.
Há uma Revista especializada nessa leitura: RIBLA (Revista de Interpretação Bíblica Latino- Americana).

A Bíblia sempre teve papel de destaque na Igreja como Palavra de Deus. Sempre foi a fonte da pregação e da vida eclesial.
Nos princípios da Igreja a Palavra de Deus era transmitida  por tradição oral. O conteúdo da mensagem independe da pessoa que transmite. O termo bíblico usado para tradição é parádosis. E parádosis indica exatamente o conteúdo da tradição e não a atividade da transmissão. Há dois outros termos relacionados com parádosis: parathéke = “depósitum” (ou sã doutrina, 1Tm 6,20; 2Tm 1,12.14) e também matýrion = testemunha  (At 1,8; 1Cor 1,6;2Tm,18) A sã doutrina deve ser falada, transmitida, dizem as cartas a Timóteo; a verdade recebida pela tradição deve ser testemunhada, isto é proclamada, pela palavra e pela vida.
São Paulo fala que o que ele transmite sobre a eucaristia ele recebeu da tradição: “tradidi quod et accepi” (1 Cor 1,13s)  tem sua origem no mundo judaico: masar  = transmitir (o mestre) e qibbel = recebe (o aluno)
A Palavra de Deus passava por esses canais. Era transmitida pela tradição oral. As experiências dos antepassados tornaram-se tradição para as gerações seguintes.. “Além disso,  essas tradições religiosas não só eram repetidas de pais para filhos ou de mais velhos para mais jovens, mas também se ampliaram com novas interpretações dos antigos relatos, eram acrescentadas novas narrações edificantes, incluíam-se orações, detalhes, acomodação de lugares, explicação de costumes e  ritos que corriam o risco de não serem entendidos” (Tomás Parra Sanchez, op. cit pág. 19).
Com o passar do tempo foi preciso começar a escrever as antigas tradições para poder conservá-las  e também poder compará-las com outras tradições e poder também ser usadas pelos diversos grupos do povo. Lentamente foram aparecendo os escritos bíblicos. Mas em forma muito elementar, quer porque não havia material adequado e suficiente para a escrita como também por serem poucas as pessoas habilitadas a escrever.
Desse modo, nas Comunidades  primitivas  não havia um livro da Bíblia. Havia manuscritos, pergaminhos, que eram passados de comunidade para comunidade.  São Paulo  na  segunda carta a Timóteo pede –. Também manda que suas cartas sejam lidas e passadas para outras comunidades  (1Cor 5,9 = é uma carta perdida); 2Cor 2,4; 1Cl 4,16= outra carta perdida). Do mesmo modo os Evangelhos: foram escritos em pergaminhos e manuscritos passados de comunidade a comunidade. Os originais se perderam mas ficaram cópias fiéis. E é claro que a maior parte daquilo que Jesus falou não foi escrito. S. Paulo lembra uma frase  muito  profunda de Jesus, e  que não está nos  evangelhos: “Há mais felicidade em dar do que em receber” (Atos 20,35)
Do século VIII ao séc. XIV os monges se dedicaram a copiar manuscritos e pergaminhos antigos, de obras gregas, latinas e orientais. Com isso salvaram boa parte da cultura antiga escrita. Os monges de Qumran fizeram isso no tempo de Cristo, com os textos do AT.
A Bíblia vai aparecer somente em 1440 com a invenção da imprensa por João Gutemberg. Foi o primeiro livro impresso. E partir dali a ciência e a arte da palavra escrita progrediram muito até chegar à sofisticação editorial e virtual de nossos tempos.
Mas o movimento bíblico começou com a Reforma de Lutero (1545). Diferentemente do que grupos evangélicos  pensam e ensinam, Lutero não foi o primeira pessoa a se interessar pela Bíblia e nem teve intenção de atacar a Igreja propondo sua leitura. Porque até então ninguém lia a Bíblia pelo simples motivo de que não havia livros. E os  textos que havia eram escritos nas línguas originais bíblicas, o hebraico, o grego e depois o latim. Lutero realizou o  propósito que São Jerônimo se propusera: o de tornar o texto bíblico popular,  divulgado; por isso sua tradução da Bíblia é chamada Vulgata, isto é do povo, popular, divulgado.
Como no tempo de Lutero não se falava latim, ele traduziu a Bíblia para sua língua: o alemão. Sua Bíblia é chamada Luther-Bibel, e é usada ainda hoje nas igrejas luteranas; no protestantismo francês 
 a  Bíblia proposta por Calvino é chamada Bíblia “de Segond”. No anglicanismo  a  Bíblia usada é a  King James, hoje revisada. Desse modo a partir de Lutero a Bíblia começa a ser divulgada nas línguas modernas.
                                 Na Igreja católica a Bíblia oficial era a tradução em latim , feita por São Jerônimo. Era chamada Bíblia Vulgata (= popular, divulgada) Como era em latim, o povo não tinha acesso a ela e só conhecia a Sagrada Escritura pelos  livros de Histórias sagradas e pelos textos  dos evangelhos. das Cartas dos apóstolos e dos outros escritos,  que eram lidos às missas dominicais. Outro motivo para a não-divulgação da leitura era a falta absoluta de textos. Não havia Bíblias nas línguas nacionais.. Alertando para o perigo de uma interpretação errônea do texto sagrado a Igreja acabou praticamente impedindo que os católicos lessem a Bíblia.

1.     A  Bíblia e o Magistério
                        1.1    Antecedentes históricos

                            A história da interpretação da Bíblia na Igreja é bastante longa e acidentada. Conhecemos a preocupação da Igreja primitiva em cuidar dos textos sagrados. Os primeiros escritos já alertavam para o perigo de interpretações pessoais, arbitrárias.  Paulo apóstolo exortava Timóteo, seu discípulo a ter cuidado com as Escrituras e zelar pela sua reta interpretação. Dizia ele:
                            “Toda Escritura é inspirada por Deus e é útil para ensinar, para refutar, para corrigir, para educar na justiça, a fim de que o homem de Deus seja perfeito e preparado para toda boa obra... proclame a Palavra, insista no tempo oportuno e inoportuno, advertindo, reprovando e aconselhando com toda paciência e doutrina. Pois vai chegar o tempo em que não se suportará mais a doutrina: pelo contrário, com a comichão de ouvir alguma coisa, os homens se rodearão de mestres a seu prazer. Desviarão seus ouvidos da verdade e os orientarão para as fábulas” (2Timóteo 3,16;4,2-4)           
                                   E Pedro, apóstolo escreve:
                                   “Considerem que a paciência de Deus para conosco tem em vista a nossa salvação, conforme escreveu para vocês o nosso amado irmão Paulo, segundo a sabedoria que lhe foi dada Em todas as suas cartas ele fala disso. É verdade que nelas há alguns pontos difíceis de entender, que os ignorantes e vacilantes distorcem, como fazem com as demais Escrituras, para sua própria perdição” (2Pedro 3,15-16).

                                   No correr da História, como foi lembrado, a Igreja sempre se preocupou com as Escrituras e com sua interpretação. Grande contribuição hermenêutica foi dada pelos Santos Padres, primeiros teólogos da Igreja primitiva, latina e oriental, cujas obras são conservadas ainda hoje em centenas de livros em nossas grandes bibliotecas.
                                   A interpretação das Escrituras foi motivo de debates e estudos em muitos Concílios de Igrejas, tanto particulares como da própria Igreja Universal de Roma.
                                   Pela falta de textos, a leitura da Bíblia ficava restrita à Liturgia das igrejas e aos Mosteiros, que nem sempre dispunham de uma bíblia completa, mas de partes como o livro dos Salmos, (muito usado) ou o Novo Testamento ou ainda os Evangeliários (Só os evangelhos).  Os copistas dedicavam-se a multiplicar textos – tarefa difícil por falta de meios. Copiar o texto bíblico inteiro, decorando-o com todas as iluminuras que a tradição exigia, era tarefa de alguns anos. Uma cópia custava muito dinheiro. Uma Bíblia inteira constituía um presente de valor incalculável que somente um rei, um príncipe, um bispo pudessem receber. O povo e o baixo clero não tinham acesso à Palavra de Deus como leitura. Apenas ouviam os Salmos nos Mosteiros ou nas liturgias.
                                   Com o advento da imprensa a situação mudou. Os exemplares se multiplicavam. Mas o texto das Bíblias publicadas era em latim, tomado da Bíblia de S. Jerônimo, chamada Bíblia popular, ou Vulgata. Desse modo o povo não tinha ainda acesso à Palavra de Deus.
                                   Como já lembrado, foi Lutero quem primeiro traduziu a Bíblia numa língua moderna, no caso o alemão.  Lentamente apareceram traduções  (de toda a Bíblia ou de partes) numa ou noutra língua.

                                   1.2. Novos tempos
O grande silêncio que por séculos se abateu sobre a caminhada da Bíblia na Igreja católica foi quebrado por Deus através de intervenções providenciais da própria Igreja por meio de dois Papas  que leram os sinais dos tempos: o papa Leão XIII e o papa Pio XII.
Leão XIII, atento aos problemas de seu tempo, escreveu, em  18 de novembro de 1893,  a Encíclica “Providentissimus Deus” (O Deus providentíssimo) com a qual   convidava os exegetas, biblistas e teólogos a procurarem uma verdadeira competência científica  para enfrentarem os desafios da ciência em relação à Bíblia e à fé.  Estudar as línguas antigas do Oriente, bem como a crítica científica, literária, utilizando assim  “as mesmas armas intelectuais usadas pelos seus adversários”. [Para coordenar os estudos bíblicos, Leão XIII fundou a Pontifícia Comissão Bíblica, que atua com grande competência científica até hoje].  A Encíclica muito contribuiu para o avanço dos estudos das Escrituras.  Abria desse modo o caminho para os estudos bíblicos que fora fechado pelo injustificável temor da Igreja dos tempos da Inquisição e de Lutero.
O Papa Pio X, por sua vez, deu também grande contribuição aos estudos bíblicos fundando em Roma o Pontifício Instituto Bíblico para fomentar o estudo científico da Escritura e formar competentes exegetas para enfrentarem os desafios científicos dos tempos. Esse mesmo Papa instituiu os Programas de estudos bíblicos nos Seminários.
Pio XII foi quem abriu totalmente as portas da Igreja para o estudo científico da Escritura com a famosa Encíclica “Divino Afflante Spiritu” (Pela inspiração do Espírito Santo) do dia 30 de setembro de 1943. Com ela, recomendava o estudo dos gêneros literários, a crítica literária,  a história,  a pesquisa,  para mostrar que os textos bíblicos “não foram  escritos para serem apenas investigados, estudados, mas foram confiados à comunidade dos crentes, à Igreja de Cristo para alimentar a fé e guiar a vida da caridade”. Com essa encíclica a Igreja voltava às fontes bíblicas, e as abria para o sedento Povo de Deus.   
“O verdadeiro e vivo impulso aos estudos bíblicos encontrou sua plena confirmação no Concílio Vaticano II, de modo que a Igreja inteira deles se beneficiou. Com a Constituição dogmática Dei Verbum esclarece o trabalho dos exegetas e convida os pastores e os fiéis a nutrirem-se mais assiduamente da palavra de Deus contida nas Escrituras”  (Pontifícia Comissão Bíblica: “A interpretação da Bíblia na Igreja”, n. 2).
E recentemente o Sínodo dos Bispos realizado no Vaticano e 5 a 26 de outubro de 2008 teve como tema “A Palavra de Deus na vida e na missão da Igreja”. O Papa Bento XVI publicou  no dia 30 de setembro de 2010  a Exortação Apostólica Pós-Sinodal “VERBUM DOMINI”, sobre o tema estudado  Bispos e peritos sinodais. Documento de grande valor teológico-bilbico-pastoral.


O Documento pontifício tem três partes.
Na 1.ª Parte é estudado o tema: Verbum Dei (A Palavra de Deus): O Deus que fala; A resposta do homem; A hermenêutica da Sagrada Escritura na Igreja.
Na 2.ª Parte é estudado o tema: Verbum Dei in Ecclesia (A Palavra de Deus na Igreja):   A Palavra de Deus e a Igreja; Liturgia, o lugar privilegiado da Palavra de Deus; a Palavra de Deus na vida eclesial.
Na 3.ª Parte é estudado o tema: Verbum mundo (A Palavra de Deus ao mundo): A missão da Igreja: anunciar a Palavra de Deus ao mundo;  Palavra de Deus e compromisso no mundo; Palavra de Deus e culturas; Palavra de Deus e diálogo inter-religioso.
A partir dos Documentos bíblicos citados e principalmente depois do Concílio Vaticano II, houve verdadeira explosão de estudos bíblicos, com Congressos Bíblicos, surgimento de Associações de biblistas, Movimentos e Semanas bíblicas, Revistas bíblicas especializadas e populares, grande e substancial literatura bíblica, traduções e popularização da Bíblia. Esse reflorescer foi agora robustecido pelo Documento do recente Sínodo sobre a Palavra de Deus.
A “Verbum Domini” (A Palavra do Senhor) é o mais recente documento da Igreja sobre a Sagrada Escritura (30 de setembro de 2010). De extraordinário valor histórico e hermenêutico. Vem coroar a longa caminhada hermenêutica da Igreja. A história da hermenêutica  bíblica (isto é, a interpretação) tem sua base num passado bem distante.
Nas Comunidades primitivas  não havia um livro da Bíblia. Havia manuscritos, pergaminhos, que eram passados de comunidade para comunidade.  São Paulo  na  segunda carta a Timóteo pede que suas cartas sejam lidas e passadas para outras comunidades  (1Cor 5,9 = é uma carta perdida); 2Cor 2,4; 1Cl 4,16= outra carta perdida). Do mesmo modo os Evangelhos: foram escritos em pergaminhos e manuscritos passados de comunidade a comunidade. Os originais se perderam mas ficaram cópias fiéis. E é claro que a maior parte daquilo que Jesus falou não foi escrito. S. Paulo lembra uma  bonita frase de Jesus  que não está nos  evangelhos: “Há mais felicidade em dar do que em receber” (Atos 20,35)
Do século VIII ao séc. XIV os monges se dedicaram a copiar manuscritos e pergaminhos antigos, de obras gregas, latinas e orientais. Com isso salvaram boa parte da cultura antiga escrita. Os monges de Qumran fizeram isso no tempo de Cristo, com os textos do AT.
A Bíblia vai aparecer somente em 1440 com a invenção da imprensa por João Gutemberg. Foi o primeiro livro impresso. E partir dali a ciência e a arte da palavra escrita progrediram muito até chegar à sofisticação editorial e virtual de nossos tempos.
Mas o movimento bíblico começou com a Reforma de Lutero (1545). Diferentemente do que grupos evangélicos  pensam e ensinam, Lutero não foi o primeira pessoa a se interessar pela Bíblia e nem teve intenção de atacar a Igreja propondo sua leitura. Porque até então ninguém lia a Bíblia pelo simples motivo de que não havia livros. E os textos que havia eram escritos nas línguas originais bíblicas, o hebraico, o grego e depois o latim. Lutero realizou o  propósito que São Jerônimo se propusera: o de tornar o texto bíblico popular,  divulgado; por isso sua tradução da Bíblia é chamada Vulgata, isto é do povo, popular, divulgado.
Como no tempo de Lutero não se falava latim, ele traduziu a Bíblia para sua língua: o alemão. Sua Bíblia é chamada Luther-Bibel, e é usada ainda hoje nas igrejas luteranas; no protestantismo francês   a  Bíblia proposta por Calvino é chamada Bíblia “de Segond”. No anglicanismo  a  Bíblia usada é a  King James, hoje revisada. Desse modo a partir de Lutero, a Bíblia começa a ser divulgada nas línguas modernas.
                                 Na Igreja católica a Bíblia oficial era a tradução em latim , feita por São Jerônimo. Era chamada Bíblia Vulgata (= popular, divulgada) Como era em latim, o povo não tinha acesso a ela e só conhecia a Sagrada Escritura pelos  livros de Histórias sagradas e pelos textos  dos evangelhos, das Cartas dos apóstolos e dos outros escritos,  que eram lidos às missas dominicais. Outro motivo para a não-divulgação da leitura era a falta absoluta de textos. Não havia Bíblias nas línguas vernáculas. Alertando para o perigo de uma interpretação errônea do texto sagrado a Igreja acabou praticamente impedindo que os católicos lessem a Bíblia!

2.      Documentos fundamentais na renovação bíblica católica

  2.1 A Encíclica Providentissimus Deus (O Providentíssimo Deus)
Esse estado de “inércia bíblica” da Igreja católica prolongou-se até o final do século XVII, quando o Papa Leão XIII (1878-1903), preocupado com esse fechamento e também com a finalidade de estimular e recomendar os estudos bíblicos na Igreja, publicou, no dia 18 de novembro de 1893, a Encíclica “Providentissimus Deus”, com a qual convidava os biblistas a estudarem e pesquisar  a Escritura,  de acordo com a maneira que correspondesse melhor às necessidades da época.   
                                 Isso representou grande abertura ao final de uma tradição fechada que impedia e desestimulava os estudos científicos das Sagradas Escrituras, por ver nelas a vontade de Deus que as inspirou e é o seu autor. Por isso a Bíblia era intocável.
 2.2. A Encíclica Divino Afflante Spiritu  (Pela inspiração do Divino Espírito Santo)
Foi publicada pelo Papa Pio XII a 30 de setembro de 1943. É chamada a “Carta magna” dos estudos bíblicos. Com ela o Papa encoraja os estudos bíblicos; foi a encíclica que abriu de vez as portas para os estudo científico da Bíblia legitimando os métodos de análise das ciências modernas. A Encíclica dá normas para o estudo dos sentidos na Bíblia. Tanto essa Encíclica quanto a Providentissimus Deus de Leão XIII rejeitam a ruptura entre o humano e o divino, entre investigação científica e o olhar da fé, entre o sentido literal e o espiritual.
A Encíclica de Pio XII fala sobre a necessidade do estudo da Sagrada Escritura nos nossos tempos; o estudo das línguas bíblicas; a importância da crítica textual o valor do sentido literal; o reto uso do sentido espiritual; importância do estudo dos Santos Padres e dos grandes intérpretes; o estado atual da exegese católica; o estudo do hagiógrafo; a importância do gênero literário, especialmente na história; o estudo das antiguidades bíblicas e a conveniência de o promover; dificuldades resolvidas pelos estudos recentes; e como procurar soluções positivas.

2.3  A Constituição Dogmática Dei Verbum (A Palavra de Deus)
Depois da Encíclica de Pio XII a Igreja pós-conciliar (Concílio Vaticano II)  publicou a Constituição dogmática “Dei Verbum”  ( A Palavra de Deus)  que se torna o documento mais importante parta os estudos bíblicos. Documento de grande valor para os estudos bíblicos publicada no dia 18 de novembro de 1965 pelo Papa Paulo VI. Em seis capítulos fundamentais trata da Revelação como tal; da Transmissão da divina revelação Tradição e Sagrada Escritura, Magistério; da Inspiração e da interpretação da Sagrada Escritura; da história do Antigo Testamento e de sua importância para os cristãos e da unidade dos dois Testamentos; trata do Novo Testamento, da origem e índole história dos Evangelhos, dos demais escritos do NT;  e no último capítulo trata da Sagrada Escritura na vida da Igreja, da função dos exegetas e dos teólogos.
No Epílogo  diz:
                                   “Assim, pois, que pela leitura e o estudo dos Livros Sagrados ‘seja difundida e glorificada a palavra de Deus’ (2Ts 3,1) e que o tesouro da Revelação confiado à Igreja cada vez mais encha os corações dos homens. Assim como a vida da Igreja se desenvolve pela assídua participação no mistério eucarístico, assim é lícito esperar um  novo impulso  de vida espiritual de uma acrescida veneração pela palavra de Deus, que “permanece sempre” (Is 40,8; cf 1Pd 1,23-25).
                                  
2.4 O Documento “A interpretação da Bíblia na Igreja”
(Documento da Pontifícia Comissão Bíblica, publicado por ocasião do Centenário da Encíclica de Leão XIII “Providentissimus Deus” e do Cinqüentenário da “Divino Afflante Spiritu” de Pio XII.

Esse impulso esperado pelo Concílio foi concretizado pela publicação pela Pontifícia Comissão Bíblica desse extraordinário documento da Igreja sobre a Sagrada Escritura, chamado “A Interpretação da Bíblia na Igreja” (23 de abril de 1993)
O Documento faz breve descrição dos diversos métodos e abordagens para a interpretação da Sagrada Escritura indicando suas possibilidades e limites. História do método; métodos de análise literária (retórica, narrativa e semiótica); a abordagem canônica (contexto bíblico, cânon); a abordagem com recurso às tradições judaicas de interpretação; abordagem através das ciências humanas (sociológica, cultural, antropológica psicológicas e psicanalíticas); abordagens contextuais: da libertação, feminista; a leitura fundamentalista. Aborda a seguir as Questões de hermenêutica: as hermenêuticas filosóficas; os sentidos na Sagrada Escritura: literal, espiritual e pleno.
Na 3.ª parte trabalha as dimensões da interpretação católica, as releituras, a formação do Cânon, a Exegese patrística; a tarefa dos exegetas; as pesquisas, as publicações; as relações com outras disciplinas teológicas (teologia e pré-compreensão dos textos bíblicos; exegese e teologia moral; pontos de vista diferentes e interação necessária.
E finalizando o Documento trata da Interpretação da Bíblia na vida das Igreja (princípios, métodos, limites); a inculturação e o uso da Bíblia na liturgia, no ecumenismo, no ministério pastoral;  e a Lectio divina -  ou Leitura orante da Bíblia).
Esse Documento é, na verdade, um verdadeiro tratado de Hermenêutica bíblica.

2.5 A “VERBUM DOMINI” (A Palavra do Senhor na vida e na missão da Igreja)

Como foi dito, esse documento é a conclusão de um Sínodo especial dos Bispos sobre a Palavra de Deus na vida e na Missão da Igreja, realizado em Roma  de 5 a 26 de outubro de 2010. Foi publicado no dia 30 de setembro,  dia de São Jerônimo,o patrono dos biblistas. 
Esse documento mostra a presença do Papa na sua redação: ele faz referência aos seus predecessores, introduz preciosas explicações teológicas, abundantes citações dos Santos Padres. Entre os colaboradores na elaboração está o famoso biblista italiano Gianfranco Ravasi, autor de vasta bibliografia bíblica, (com muitas obras publicadas também no Brasil) e atualmente presidente do Pontifício Conselho da Cultura e feito cardeal recentemente.
O documento nasceu de uma preocupação grande da Igreja no atual contexto histórico. Na Europa diminuiu muito a vida eclesial, a participação,  tanto na Igreja católica como na protestante. Há um arrefecimento do amor (Mt 24,12), o secularismo invade as tradições cristãs. Há um esforço da Igreja para uma “nova evangelização”, que não deve, porém,  perder  o que  de bom a ciência e o pensamento moderno produzem. Ainda e o tradicionalismo implacável do fundamentalismo que se agarra ao literalismo cego da Palavra de Deus, opondo-se  ao estudo histórico-crítico e à hermenêutica consciente e responsável da Sagrada Escritura na Igreja.
Por outro lado o Documento, mostrando a gritante desigualdade e a injustiça no mundo, propõe  o conhecimento e a divulgação da Palavra de Deus e sua aplicação na vida social, política, , principalmente na defesa dos mais pobres e injustiçados. A Palavra tem a força necessária para modificar estruturas.
A Exortação tem uma introdução, três partes e uma conclusão.

Introdução. O Sínodo alegra-se com “a redescoberta, na vida da Igreja, da Palavra divina, com a esperança de que esta se torne cada vez mais o coração de toda a atividade eclesial”. Faz um resumo dos documentos anteriores sobre a Palavra de Deus e situa a atual Exortação no seu contexto atual

                                    1.ª Parte – Título: VERBUM DEI (A Palavra de Deus). Trata da questão fundamental:o que é a Palavra de Deus e qual a nossa atitude diante dela
 O Deus que fala. A resposta do homem a Deus que fala. A hermenêutica, os estudos científicos
2.ª Parte – Título: VERBUM  IN ECCLESIA ( A Palavra de Deus que habita na Igreja).  A palavra de Deus e a Igreja. Liturgia, lugar privilegiado da Palavra de Deus.A Palavra de Deus na vida eclesial.
3.ª Parte – Título:  VERBUM MUNDO ( A Palavra de Deus destinada ao mundo). A missão da Igreja: Anunciar a Palavra de Deus ao mundo. Palavra de Deus e o compromisso no mundo. Palavra de Deus e culturas. Palavra de Deus e Diálogo inter-religioso. Conclusão.

SÍNTESE DO CONTEÚDO DA EXORTAÇÃO

1.ª Parte:  VERBUM DEI - O  Deus que fala
A Palavra de Deus se exprime de vários modos, como “um cântico a diversas vozes”. O Verbo de Deus, consubstancial ao Pai se fez carne.  A Palavra de Deus se  exprime na história da salvação, tendo sua plenitude no mistério da encarnação, morte e ressurreição do Filho de Deus.  Também se exprime pelo “livro da natureza” e pelos profetas.
Dimensão cósmica da Palavra (n.8). O mundo é fruto do desígnio de Deus. A criação nasce do Logos, da Palavra de Deus, que tudo regula e guia.
Criação do ser humano (n.9) É o ponto alto da criação, feita pela Palavra.   O homem recebe de Deus os dons: o corpo, a razão , a liberdade, a consciência, a “lei natural” como chamamento para fazer o bem e evitar o mal.
Cristologia da Palavra (n.11). É o foco central dessa primeira parte.   O Deus da Teologia cristã é um Deus que se revela. Deus falou de muitos modos a nossos pais e ultimamente pelo seu Filho (Hb 1,1-2). A Palavra de Deus não se exprime por discursos, conceitos ou regras, mas na própria Pessoa de Jesus, ele é o Verbum breviatum (Palavra abreviada) de que fala Isaias (10,23) isto é ele se fez pequeno para ser compreendido por nós. Em Jesus, Palavra da Nova e eterna Aliança anunciada na última Ceia a liberdade de Deus e a do homem encontram-se num pacto indissolúvel. A morte de Cristo testemunha que a Palavra de Deus se fez história humana. Ao narrar-se o que aconteceu em Jesus de Nazaré, conhecemos a Deus, que ninguém jamais viu. Por dar a sua vida por amor, Jesus mostra que “Deus é amor” (1Jo 4,8.16). Com a palavra Amor, que é Jesus de Nazaré Deus disse tudo o que tinha a dizer. Daqui procede a dimensão escatológica da Palavra de Deus.
Dimensão escatológica (definitiva) da Palavra de Deus (14).Jesus é a Palavra definitiva de Deus,  é o Primeiro e o Último (Ap 1,17). “Deus disse-nos tudo ao mesmo tempo e de uma só vez, nessa única Palavra e já nada mais tem para dizer” (S. João da Cruz)..
A Palavra de Deus e o Espírito Santo (15). A auto-comunicação de Deus implica (supõe) a relação entre o Filho e o Espírito Santo, “as duas mãos do Pai” (Sto. Irineu). É o Espírito que age na concepção e na vida de Jesus (missão); é ele quem ensinará aos apóstolos todas as coisas e os animará na missão de anunciar a Boa-Nova.
Tradição e Escritura (17) A Palavra de Deus pronunciada no tempo foi acolhida na Tradição viva e dinâmica e sob a assistência do  Espírito Santo ela compreendida. A Palavra de Deus na Escritura e a Tradição viva da Igreja constituem a regra suprema da
A resposta do homem
É o segundo aspecto abordado na primeira parte (22-28). O Documento lembra a Aliança como a realidade dialogal entre Deus e nós. Para a maioria dos cristãos a Aliança bíblica é coisa que se refere ao passado, mas ela é coisa presente no hoje de nossa história, aponta para a nossa realidade. A resposta do homem deve ser como a “fé obediente de Maria”. Ela é a “Mater Dei” a  “Mater Fidei” (Mãe de Deus, Mãe da fé).  A fé deve ser obediente no sentido bíblico de “dar ouvidos”. Não ouvir, não obedecer a essa Aliança é ruptura,  é o pecado.
Mais desenvolvido nessa parte o  é o terceiro aspecto, que trata da Hermenêutica da Sagrada Escritura (n.29-49). Esse tema aqui tratado merece ser estudado e aprofundado por toda a comunidade cristã, pois é uma das grandes bases dessa Exortação.  Muito importante para os dias de hoje.
O Documento acentua o caráter eclesial  na interpretação do texto bíblico.   A Igreja é o lugar originário da hermenêutica bíblica. A  discutida oposição entre Tradição/Escritura é superada no documento, que vê a Escritura como parte da Tradição viva. Se a Escritura é a norma que orienta e não é orientada (norma normans non normata), foi a Tradição viva que estabeleceu em que consiste esse tesouro escriturístico. A vida da Igreja é o lugar onde a Palavra deve ser interpretada. Pois as tradições de fé é que formavam o ambiente vital (Sitz Im Leben) onde se inseriu a atividade literária dos autores da Sagrada Escritura. Nesse contexto vital estão inseridas também  a participação na vida litúrgica das comunidades, a cultura e as vicissitudes do seu  destino histórico. S. Jerônimo lembra que sozinhos nunca poderemos ler as Escrituras, pois encontraremos muitas portas fechadas e facilmente  cairemos no erro.
Para um conhecimento genuíno da Escritura a exegese histórico-literária e a hermenêutica (ou interpretação atualizante da Escritura) devem caminhar juntas. A tradição da Igreja sempre privilegiou  o sentido espiritual da Escritura [O sentido espiritual é aquele que Deus quer significar através das coisas expressas pela palavra do agiógrafo. (Santo Tomás: “quod res sunt figurae aliarum rerum” isto é, ações, eventos, pessoas, coisas, que podem significar outra realidade. Por ex. a serpente de bronze (Nm  21,4-9)  = figura de Jesus crucificado (João 3,14); Adão é figura, tipo de Cristo (Rm 5,12-17).  Fatos do AT são figuras de realidades do NT (1Cor 10,6-11 = os fatos passados com o povo de Israel diz Paulo “aconteceram como um exemplo para nós”); Cl 2,16 = tudo isso é sombra daquilo que devia vir;  Hb 10,1= a lei possui  apenas uma sombra dos bens futuros) etc.
 “A Palavra do próprio Deus nunca se apresenta na simples literalidade do texto. Para alcançá-la é preciso transcender a literalidade num processo de compreensão, que se deixa guiar pelo movimento interior do conjunto, e portanto deve tornar-se  também processo de vida”. A interpretação não é pois meramente intelectual mas também vital que requer o pleno envolvimento na vida eclesial enquanto “vida segundo o Espírito” (Gl 5,16). A letra mata, mas o Espírito vivifica (2Cor 3,6). O Espírito que liberta da letra não é simplesmente a própria idéia do intérprete ou sua visão pessoal. Cristo é o Senhor que indica a estrada (Bento XVI). Nesse sentido todo o Antigo Testamento é um caminho para Jesus Cristo.
A Igreja tradicionalmente privilegiou o sentido espiritual do texto, e foi só no século XX  que cedeu um lugar oficial-  e ainda assim controvertido -   à exegese histórico crítica – diz o  texto. O Documento abre portas e diz que deve-se pesquisar, estudar  e no futuro ser aprimorada a articulação entre a exegese histórico- crítica, que investiga o que o autor quis dizer aos seus destinatários primeiros, e a hermenêutica , que estuda a nova abertura de sentido para cada geração, dentro da canonicidade do texto e da fé da Igreja (analogia da fé). Pouco importa  se essa  “leitura aberta” do texto se chame “sentido pleno” ou “espiritual” (suscitado pelo Espírito-(leitura orante); ela deve ser sempre homogênea levando em conta a analogia de fé. É no contexto dessas questões que se valoriza a preocupação de manter unidos os dois níveis da leitura bíblica: o científico e o da fé (n. 34). Um não pode excluir o outro e nem serem justapostos, porque isso levaria a um dualismo de sentido que não é bíblico e nem possível (n. 35).
A interpretação fundamentalista da Escritura.  O Documento aborda no n. 40 a interpretação fundamentalista da Escritura. Tal tipo de interpretação  não respeita o texto sagrado na sua natureza autêntica, promovendo interpretações arbitrárias e subjetivistas.  Tal fundamentalismo se constitui uma traição tanto do sentido literal como espiritual abrindo caminho para a instrumentalizações de variada natureza, difundindo até  interpretações anti-eclesiais das próprias Escrituras (n. 44). O cristianismo ao contrário, vê nas palavras a Palavra,  o próprio Logos que estende o seu mistério através de tal multiplicidade e da realidade de uma história humana. A verdadeira resposta a uma leitura fundamentalista é “a leitura crente (orante)  da Sagrada Escritura praticada desde a antiguidade na Tradição da Igreja. Tal leitura  procura a verdade salvífica para vida do indivíduo fiel e para a Igreja”.
A autêntica hermenêutica da fé leva a algumas conseqüências  importantes no campo pastoral da Igreja. Por isso a Exortação recomenda um relacionamento mais assíduo entre Pastores, exegetas e teólogos. (Relação conflitante até o século XX, com condenações, imposições por parte da hierarquia  [Nota minha]. 
          O n.48 é valioso parágrafo sobre a vida dos santos. Eles plasmaram suas vidas pela Palavra de Deus. Como dizia São Gregório Magno, “viva lectio est vita bonorum” (é verdadeira interpretação a vida dos bons (santos). Eles foram verdadeiramente “hermenêutica viva” da Palavra de Deus (n. 49). O Documento cita alguns santos dos mais significativos em relação à Palavra de Deus, desde os antigos até os contemporâneos:  Santo Antão, abade, São Basílio Magno, São Bento, São Francisco de Assis, Santa Clara, São Domingos de Gusmão,  Santa Teresinha, S. Inácio de Loyola.  S. João  Bosco, o Cura D’Ars, S. Pio de Pietrelcina, Jose Maria Escrivá,  Beata Teresa de Calcutá, Santa Edith Stein e o beato Cardeal Stepinac
Essa idéia é retomada no n.83 em relação à vida religiosa consagrada  (mais à frente)..

                            2.ª Parte Título: VERBUM  IN ECCLESIA
                                    1. A Palavra de Deus que habita na Igreja (n.50-81)

  A palavra de Deus e a Igreja. A Liturgia, lugar privilegiado da Palavra de Deus. A Palavra de Deus na vida eclesial.
A Comunidade de Jesus é a casa onde permanece a Palavra e onde – apesar das imperfeições -  é cultivado seu sentido prático.
1.               Numa primeira abordagem (n.50-51) descreve-se com termos cheios de simbolismo a relação entre a Palavra de Deus e a Igreja/fiéis. (Igreja, corpo de Cristo; diálogo nupcial de Deus esposo/Igreja esposa , morada de Deus). É uma “definição dinâmica” da  Igreja como comunidade que escuta e anuncia a Palavra de Deus9N51).
2.                A Liturgia é o lugar da “inabitação” da Palavra de Deus na Igreja. A hermenêutica da fé relativamente à Sagrada Escritura deve ter sempre como referência a Sagrada Liturgia.  Esse princípio lembra  o ano o antigo princípio: da “lex orandi, lex crendendi” (a lei do orar, é a lei do crer). É na liturgia que encontramos a “reserva de sentido’  que se  conforma, está em sintonia com a fé celebrada pelo Povo de Deus. Lembra a Exortação que  significativamente o  primeiro documento  publicado pelo Concílio Vaticano II foi sobre a Liturgia. Por isso o acompanhamento fiel do ano litúrgico (n.52)  é uma grande escola de fé e de conhecimento bíblico para a Comunidade que conserva e pratica a Palavra de Deus.
Atenção especial merece a afirmação da “sacramentalidade da Palavra” e até da presença real. Diz o documento: “Realmente presente nas espécies do pão e do vinho, Cristo está presente de modo análogo, também na Palavra proclamada pela Liturgia. (n.56). Um encontro da Palavra é um encontro com Cristo (n.72).
                                    Acentua o documento a importância do Lecionário (n.57)  com as leituras das liturgias dominicais. Apresentando os textos mais importantes da Escritura favorece a compreensão da unidade do plano divino, através da correlação entre as leituras dos dois Testamentos.
                                   A homilia -  Pensando na importância da Palavra de Deus,  surge a necessidade de  melhorar a qualidade da homilia.; de fato, esta constitui parte integrante da ação litúrgica, cuja função é favorecer uma compreensão e eficácia mais ampla da a da Palavra de Deus na via dos fiéis. A homilia é uma atualização da Palavra de Deus. Devem-se evitar homilias genéricas e abstratas que ocultam a simplicidade da Palavra de Deus, homilias  com inúteis divagações que chamam a atenção mais para o pregador do que para o coração da mensagem evangélica.
                                   O Sínodo propõe o seguinte esquema para homilia: O que dizem as leituras proclamadas?  O que dizem a mim pessoalmente? O que devo dizer à minha comunidade concretamente?
                                   As homilias devem ser breves reflexões apropriadas à situação, para ajudar os fiéis a acolherem e tornarem fecundas em suas vidas a Palavra escutada (n.59).
                                   Sugestões e propostas concretas para a animação  litúrgica
                                   Diz o Papa: “Quero agora assumir e valorizar algumas propostas e  sugestões que os Padres sinodais recomendaram para favorecer no Povo de Deus uma familiaridade com a Palavra no âmbito das ações litúrgicas ou de algum modo relacionadas com elas”
a)      Celebrações da Palavra de Deus (n. 64)
Difundir nas comunidades celebrações da Palavra. São momentos privilegiados de encontro com o Senhor. São elementos importantes da Pastoral litúrgica. Aproveitar as diversas formas da piedade popular, embora não sejam atos litúrgicos, nem celebrações litúrgicas, é bom que se inspirem nelas as celebrações e dêem espaço adequado à proclamação e escuta da Palavra de Deus.
b)      Palavra e silêncio
O Sínodo insistiu muito sobre o valor do silêncio para a recepção da Palavra de Deus. A Palavra de Deus deve ser ouvida no silêncio exterior e interior. Nosso tempo não favorece o recolhimento. Dar valor ao silêncio nas celebrações. As nossas celebrações devem facilitar a escuta da Palavra,  pois - como diz Santo Agostinho: “Verbo crescente, verba deficiunt” , isto é, quando a Palavra de Deus cresce dentro de  nós, não são necessárias muitas  outras  palavras. O silêncio, diz o Papa, é parte da celebração
c)      Proclamação solene da Palavra de Deus
O Sínodo sugere a proclamação solene da Palavra, especialmente do Evangelho: usar o Evangeliário (não folheto-data-show). Deve ser levado ao ambão solenemente. Deve haver canto de aclamação solene. O Ministro deveria cantar pelo menos o anuncio inicial (Proclamação do evangelho de JC. segundo...e a exclamação final   Palavra da salvação). Nas Igrejas e oratórios haja um lugar visível e de honra onde deve ficar a Bíblia. Do ambão, onde está a Palavra, se pode fazer a homilia.

3. A Palavra de Deus na vida eclesial (n.72-89)
                                    Nesses tópicos a Palavra  de Deus é relacionada com a vida dos fiéis.
 Num primeiro momento é destacado o tema do encontro da Palavra como encontro com Cristo. “A Bíblia é o instrumento pelo qual diariamente Deus fala aos crentes”  (São Jerônimo (n.72).
A seguir o Documento fala da animação bíblica da Pastoral (n. 73). É a Pastoral bíblica,  que deve animar todas as demais pastorais. Não são apenas encontros paroquiais o diocesanos, mas de se levar a sério a Bíblia na vida das Pastorais e das comunidades. É nela e por ela que os fiéis podem ter seu encontro pessoal com Cristo. E o Papa, pessoalmente,  exorta os pastores  a se empenharem na animação bíblica das Pastorais, pois esse será o modo melhor de enfrentar alguns problemas pastorais lembrados durante o Sínodo, principalmente o da proliferação de seitas que difundem uma leitura deformada e instrumentalizada da Escritura (Quantas de nossas Pastorais usam a Bíblia nas suas reuniões?  Geralmente fazem orações, principalmente “Vinde, Espírito Santo’!!.)
Nos  n.74-82, o Documento aborda a Dimensão bíblica da Catequese, a Formação bíblica dos cristãos,  a Sagrada Escritura nos Encontros eclesiais,  a Palavra de Deus e Ministros Ordenados, a Vida consagrada, os leigos, a família.
A Catequese é o momento especial na formação cristã onde se pode descobrir a centralidade da Palavra de Deus. O encontro de Emaús (Lc 24,13-35) é um paradigma do encontro do Senhor através da catequese.
Formação bíblica. O Documento insiste na formação adequada dos cristãos através  do apostolado bíblico. O Papa reforça o apelo para uma vigorosa formação bíblica dos catequistas principalmente. Devem-se constituir Institutos especializados em  estudos bíblicos, centros de formação teológico-bíblica dos leigos (Escolas de Teologia).
Ministros Ordenados (n78). O Sínodo diz: “A Palavra de Deus é indispensável para formar  o coração de um bom pastor, ministro da Palavra”. Bispos, presbíteros, diáconos não podem, de forma alguma, pensar  viver sua vocação sem um decidido e renovado compromisso de santificação, que tem como um dos pilares a Sagrada Escritura. E aos seminaristas,  diz o Papa:  “Os  candidatos ao sacerdócio devem aprender a amar a `Palavra de Deus. Por isso  seja a Escritura a alma de sua formação teológica”
A Palavra e a vida consagrada.  O Sínodo ensina que a vida consagrada “nasce da escuta da Palavra de Deus e acolhe o Evangelho como sua norma de vida”. Por isso, diz, viver no seguimento de Cristo, casto, obediente e pobre, é uma “exegese” viva da Palavra de Deus. O Espírito Santo que inspirou a Bíblia é o mesmo Espírito que iluminou com a Palavra os fundadores e fundadoras. Dela brotou cada um dos carismas e dela, cada Regra quer ser sua expressão. Por isso o Sínodo recomenda que nunca falte  nas Comunidades de Vida consagrada uma sólida formação para a leitura orante da Bíblia.  E a Igreja tem  extrema necessidade do testemunho dos monges e monjas contemplativos, pois num mundo  que vive demasiadamente absorvido pelas atividades exteriores e barulho eles, com sua vida de oração e contemplação, de escuta e meditação da Palavra lembram-nos que não só de pão vive o homem, mas de toda a palavra que sai da boca de Deus (Mt 4,4).
A palavra de Deus e os Leigos. Citando as palavras de Jesus: “o campo é o mundo, a boa semente são os filhos do Reino” (Mt 13,38) o Sínodo entende que tais palavras  aplicam-se de modo especial aos leigos cristãos que realizam a própria vocação à santidade com uma vida segundo o Evangelho d”de forma peculiar na sua inserção nas realidade temporais e participação nas atividades terrenas” Precisam ser formados à luz da Palavra de Deus. As Diocese proporcionem oportunidades de uma tal formação aos leigos,  principalmente  para aqueles que têm responsabilidades pastorais.
A Palavra de Deus e a Família. Nunca se perca de vista que a Palavra  de Deus está na origem do matrimônio” (Gn 2,24) e Jesus incluiu o matrimônio entre as instituições do seu Reino (Mt 19,4-8) Os esposos e pais são os primeiros anunciadores da Palavra de Deus aos seus filhos. O Sínodo recomenda que cada família tenha a sua Bíblia em casa, em lugar digno e usá-la nas suas orações. Ressalta o valor e importância das mulheres na família, na educação, na catequese e na transmissão de valores. Elas sabem escutar a Palavra, são portadoras da misericórdia,  do perdão, da partilha e construtoras da paz.
Leitura orante da Sagrada Escritura. O Sínodo insiste na abordagem orante do texto sagrado como elemento fundamental da vida espiritual de todo o fiel.  Chama a atenção para leituras que “não respeitam o texto sagrado na sua natureza autêntica, promovendo interpretações subjetivistas e arbitrárias” (  Lembra que a leitura fundamentalista é uma traição ao texto sagrado, tanto literal como o espiritual, e abre caminho a instrumentalizações difundindo interpretações antieclesiais da própria Escritura).   A Palavra de Deus nunca se apresenta na simples literalidade do texto. Para superar a “letra” é preciso envolver a vida; o processo interpretativo nunca é apenas intelectual, mas também vital, envolve a própria vida. Esse é o sentido da frase paulina: “A letra mata, mas o Espírito vivifica” (2Cor 3,6).  Esse é o tipo de exegese feito pelos Santos Padres: eles se deixaram plasmar pela Palavra de Deus, através da sua escuta, leitura e meditação (n. 75; 87; 93).
Hoje em dia se pratica muito a “Leitura orante da Bíblia”.  Conforme lembra o Documento. Não é uma novidade. É uma prática de leitura que os cristãos sempre fizeram da Bíblia, para alimentar a sua fé, a sua esperança, o seu amor e seu compromisso com Deus e com a Comunidade. Ela procede dos inícios da Igreja; é tão antiga quanto a própria Igreja, que vive da Palavra de Deus e dela depende como a água de sua fonte (Dei Verbum 7.10.21). A Leitura orante da Bíblia prolonga assim uma tradição das comunidades pobres (anawim) do Antigo Testamento. O próprio Novo Testamento é resultado da leitura que os primeiros cristãos faziam do Antigo Testamento à luz de seus problemas, e à luz da nova revelação que Deus fez através da ressurreição de Jesus, vivo no meio da comunidade.
                              Essa leitura está articulada em quatro degraus: a leitura da Palavra, a meditação, a oração e a contemplação. São as atitudes permanentes que devemos ter diante da Palavra de Deu s, tanto em plano pessoal como comunitário (cf. A Leitura Orante da Bíblia. CRB. Loyola, 1990, p. 16-18 passim). A Leitura Orante da Bíblia é um instrumento adequado e frutuoso para viver a Palavra de Deus.
                                   Os degraus:
1.      A Leitura: conhecer, respeitar, situar
                                   Iniciar com Invocação do Espírito Santo.  A leitura é o primeiro passo do processo de “apropriação” da Palavra: ler o texto mais de uma vez, devagar, para que  essa palavra se torne a nossa palavra. Pois “ela foi escrita para nós” (1Cor 10,11). Deve ser perseverante e diária. Exige, pois, disciplina.  Essa leitura ajuda a criar em nós os olhos certos para lermos a nossa vida e ávida do povo.
                        Ao ler, tentar responder para si: quem escreve, para quem escreve, por que? O que Deus tinha ao dizer isso para o povo naquele tempo. A leitura bem feita supera o fundamentalismo que anula a Palavra.
2.                 A Meditação: dialogar, falar muito consigo mesmo, atualizando em nós e para os outros a Palavra.
A leitura respondeu à pergunta: “ O que diz o texto?”. A meditação vai responder à pergunta: “O que diz esse texto para mim?”
O que Deus quer  dizer para mim, para o meu povo hoje, aqui onde estou? A meditação ajuda atualizar o texto trazendo-o para nossa vida, nossa realidade pessoal e comunitária. Meditar é “encontrar a verdade oculta”. Pela leitura se atinge a casca da letra e se tenta atravessá-la para, na meditação, atingir o fruto do espírito (S. Jerônimo)
3.      A oração: suplicar, louvar
A atitude de oração está presente desde o começo da Leitura orante. Pela leitura procuramos descobrir “O que o texto diz?”. A meditação aplica a leitura à nossa vida: “O que esse texto diz para mim, para nós?”.  Até agora era Deus que falava. Agora pela oração vamos descobrir “O que o texto me leva a dizer a Deus?”  Nossa resposta à Palavra de Deus. Podemos rezar pessoalmente; podemos rezar com os salmos, com preces conhecidas, com o Ofíciodas Comunidades, com a Liturgia das Horas. A oração leva a esvaziar o próprio coração e enchê-lo de Deus.
4.      A contemplação: enxergar Deus, agir
A contemplação é  o último degrau da Leitura Orante. É o seu ponto de chegada -  que se torna novo ponto de partida. Porque nunca podemos di zer que chegamos no ponto mais alto da vivência da Palavra.   A contemplação ajuda a ver o mundo como revelação de Deus; descobrir a presença de Deus no mundo e comprometer-se a ajudar a transformar o mundo, pois a  Palavra de Deus é transformador; não é estéril, A contemplação corrige nossos defeitos e nos converte. Ela é como um colírio que clareia nossos olhos. Ajuda a descobrir a vontade de Deus, o projeto de Deus no mundo. Contemplar é curtir a presença de Deus em nós e no mundo; apesar das dificuldades, tristezas,  a contemplação nos dá a alegria de Deus “Ninguém poderá tirar a alegria de vocês” (Jo 16,22).


Esquema para uma Leitura Orante da Bíblia

1.      O que o texto diz (Leitura)
2.      O que o texto me diz  (Meditação)
3.      O que o texto me faz dizer a Deus (Oração)
4.      Analisar a realidade com os olhos de Deus (Contemplação)

MÉTODO
1.      Iniciar invocando o Espírito Santo
2.      Leitura lenta da Palavra (Deus está me falando)
3.      Silêncio e interiorização (sobre o que foi lido)
4.      Procurar entender o sentido de cada frase
5.      Atualização: ligar a Palavra lida, meditada, à própria vida.
6.      Ligar o trecho lido com a Bíblia (contexto do texto)
7.      Ler de novo mo texto, agora como uma Oração
8.      Fazer um compromisso de vida (a partir do texto lido)
9.      Rezar um salmo (ou outra oração) apropriados
10.  Escolher uma frase para guardar e viver
               
3.ª Parte Título: VERBUM  MUNDO
 A missão da Igreja: anunciar a Palavra de Deus ao mundo

Essa terceira parte  apresenta quatro enfoques.
1. O primeiro focaliza a missão da Igreja de anunciar a Palavra de Deus ao mundo (n.90-98) Essa Palavra é Cristo que veio ao mundo e volta ao Pai, mas que é também “palavra da esperança” a ser anunciada ao mundo (n.97) Nessa missão que deve ser assumida por todos os batizados o enfoque é posto  no renovado anúncio da Palavra dirigida à sociedade secularizada da antiga Cristandade: levara avante uma “nova evangelização”.
2. O testemunho no mundo.  O Documento acentua o valor do testemunho cristão  no mundo e evoca o Concílio Vaticano II  particularmente com  a Constituição Pastoral Gaudium et Spes e documentos posteriores sobre os problemas políticos e sociais. É lembrado o empenho  pela justiça e paz.
3. A Palavra de Deus e as culturas. O Documento não faz distinção entre a cultura no sentido humanista da tradição do saber e culturas, no sentido mais antropológico e sociológico. Quanto à Bíblia, o Sínodo diz que ela  é o “ grande código para as culturas”. Nesse contexto fala também dos meios de comunicação social, inculturação/aculturação e sobre a tradução da Bíblia: tantos povos não têm acesso à Palavra de Deus porque não tradução integral da Bíblia nas suas próprias línguas. Por isso, o Sínodo considera sumamente importante a formação de especialistas que se dediquem a traduzir a Bíblia nas diversas línguas. E lembrando o apelo de Cristo “O que eu vos digo às escuras, dizei à luz do dia, e o que escutais ao ouvido, proclamai-o sobre os terraços” (Mt 10,27), o Papa fala dos meios de comuni9cação social, da necessidade de use usarem esse novos meios para a evangelização, pois são novos instrumentos, novas formas de comunicação de massa. Diz que a Internet é o novo fórum onde se deve fazer ressoar o Evangelho. Nos milhões de monitores deverá sobressair o rosto de Cristo e sua voz, pois onde não há espaço para Cristo, não há espaço para o homem” .
4. O último enfoque é sobre o diálogo inter-religioso, acentuando-se  o diálogo com o Islã, que reconhece a existência de um só Deus, praticam o jejum, a esmola e a oração e tem certa tradição bíblica.
Conclusão.
A Exortação Apostólica Verbum Domini tem como grande preocupação orientar o destinatário da ação eclesial para o encontro pessoal com Cristo, tornado possível pela Palavra de Deus presente na Eucaristia e na Tradição viva  em que ela é proclamada, celebrada e vivenciada. Toda prática pastoral deve ser bíblica, pois se  a Bíblia é o registro original e privilegiado  da Palavra definitiva que Deus nos dirigiu em Jesus de Nazaré, ela não deve ser confinada num setor da catequese ou da pastoral, mas deve ser a referência sempre presente.

Nota: Para essa Síntese trabalho,  usamos  além do  texto original da Exortação Apostólica Verbum Domini,  também a Síntese que o Pe. Libânio faz na REB, janeiro 2011, fasc. 281, p.87-123; ainda, os comentários sobre esse Documento na revista BIBLICA,ano 57, n.º 333, março-abril de 2011, Fátima, Portugal, e os comentários de Frei Herculano Alves ao texto editado em Portugal.
           
A Interpretação bíblica latino-americana
Está alicerçada na vida das Comunidades latino-americanas, geralmente pobres, marginalizadas e muitas vezes oprimidas. A leitura une fé e práxis e leva a compromisso social de transformação. Tem sido muito aplaudida e contestada. Grandes nomes orientaram e orientam a leitura latino-americana das Escrituras. Citando alguns como Jon Sobrino, Gutierrez, L. Boff, Pixley, Carlos Mesters, Libânio, Frei Betto, Elza Tamez, Juan Segundo, Nestor Míguez , Milton Schwantes, J. Comblin, Tércio , antigos e atuais.
Há uma Revista especializada nessa leitura: RIBLA (Revista de Interpretação Bíblica Latino- Americana).

3.      As traduções da Bíblia em língua portuguesa

 É trabalho árduo de pesquisa  fazer a   história     das
Traduções da Bíblia ou de livros bíblicos ou ainda de trecho da Bíblia em português.  Pelo que se conhece a história começa pelos tempos do rei Dinis , rei de Portugal (sec. XII); ele traduziu da Vulgata vinte capítulos do Gênesis; o rei Dom João I traduziu grande parte do Novo Testamento e os Salmos; em 1491 foram impressos um “Comentário sobre o Pentateuco” e textos dos “Evangelhos e Epístolas”. Até 1535 foram feitas traduções avulsas das Cartas católicas e dos evangelhos de Mateus e Marcos.
A Inquisição , em 1547, proibiu  a posse de Bíblias em
línguas vernáculas; desse modo as  traduções foram desestimuladas. E há até o fato histórico do nobre Antonio Pereira Marramaque que foi denunciado ao tribunal da Inquisição por ter escrito sobre a importância da Bíblia e por ter na sua casa uma Bíblia em português!
                                   3.1  A famosa tradução de João Ferreira de Almeida
                                   A tradução da Bíblia por João Ferreira de Almeida é um ponto referencial  na história da Bíblia em português.
                                   João Ferreira de Almeida nasceu em Portugal em 1628. Filho de pais católicos, ficou órfão ainda criança e foi adotado por seu tio, que era padre, e que o educou até os 14 anos com intenção de fazê-lo sacerdote também. Não se conhece muito a história de sua vida. Mas diz a tradição que entre 14-15 anos  ele foi para a Holanda e que lendo numa viagem um panfleto religioso calvinista que atacava a Igreja católica, ele acabou acreditando em tudo e converteu-se à Igreja Reformada Holandesa (Calvinismo). Dedicou-se ao estudo das Escrituras, e não se sabe como acabou aprendendo as línguas bíblicas (talvez influência de seu tio padre) e traduziu  para o português um Novo Testamento que fora traduzido dos originais gregos e publicado em francês, latim e italiano. Fez esse trabalho aos 16 anos!   Como missionário calvinista enviado à Índia teve problemas com os católicos por seus ataques à Igreja e ao clero, muito relaxado. Por isso foi perseguido e é dito que  fugiu para não ser enquadrado pela Inquisição.   Suas traduções foram apresentadas à Igreja Holandesa  que fez várias restrições aos textos e  constituiu um grupo para revisar a tradução.  Houve queima de originais mas ele conseguiu salvar alguns exemplares do texto que depois dói corrigido. Em 1689 ele começou traduzir o Antigo Testamento, mas morreu em 1691 enquanto traduzia o livro do profeta Ezequiel. Sua tradução foi completada depois por Jacob den Akker em 1694
                                   A tradução de João Ferreira de Almeida teve grande  divulgação e aceitação nos meios católicos e  protestantes de língua portuguesa do século XIX. Hoje a Bíblia Almeida (já revista, corrigida, atualizada) é a Bíblia usada pelos evangélicos.

                                   3.2  A Bíblia dos católicos
                                   Não existe uma Bíblia dos católicos e uma Bíblia dos protestantes. A Bíblia é uma só. A diferença - como já foi assinalado  - é o número dos livros. A Católica tem 7 livros a mais porque a Bíblia de Lutero não aceitou os  sete livros da Bíblia grega. Hoje em dia já há certa aceitação e até publicação em parceria, de Editoras Católicas e Evangélicas.
Os católicos têm uma vantagem e uma desvantagem em relação aos protestantes quanto ao texto bíblico. A vantagem dos católicos é a de ter inúmeras traduções da Bíblia, que vão aparecendo tempestivamente e fazendo com que o leitor esteja cada vez mais próximo do original.  As renovadas traduções vão incorporando as conquistas dos estudos científicos no campo bíblico e facilitando o exercício de uma exegese e uma hermenêutica fiéis da Palavra de Deus. Os protestantes não tem essa vantagem quanto à diversidade de opções, pois o texto que usam nos cultos, liturgias e em particular é único, intocável, tradicional.  Mas têm a vantagem de terem todos em mãos o mesmo texto quando celebram seus cultos e liturgias. Os católicos a desvantagem de nunca terem todos um mesmo texto quando se usa em comum a Bíblia.
Mas nos últimos decênios começaram os primeiros passos de um movimento de reaproximação de católicos, protestantes e judeus a partir da Sagrada Escritura. Hoje os católicos traduzem as Bíblias a partir dos originais como sempre o fizeram os protestantes. Estes já começam lentamente a adotar os livros deuterocanônicos  (como a “Bíblia na linguagem de Hoje” da Sociedade Bíblica Brasileira – protestante, mas aberta, não de linha  apologético-confessional;  os judeus  respeitam hoje os textos do Novo Testamento. E há edições da Bíblia preparadas por católicos, protestantes e judeus em conjunto, como a Tradução Ecumênica da Bíblia (TEB.).  A Bíblia de Jerusalém, publicada em 1956 pelos dominicanos da Escola Bíblia de Jerusalém é aceita hoje por todas as confissões  graças ao caráter científico de suas notas e sua fidelidade aos textos originais.
No Brasil há hoje muitas traduções da Bíblia.
                        A primeira tradução católica completa em português foi feita pelo Padre Antônio Pereira de Figueiredo entre 1772 e 1821 baseada na Vulgata de S. Jerônimo. Foi publicada em Lisboa. Sua tradução foi revista em 1902 pelo Padre Santos Farinha que corrigiu também as notas explicativas. Em 1950 a Editora das Américas (SP) publicou em 12 volumes essa tradução , com as revisão de Santos Farrinha, e supervisão do biblista salesiano Pe. A. Charbel.
                                    A segunda tradução clássica da Bíblia em português é a do Padre Matos Soares. Foi feita em 1932, em Lisboa e ali publicada. Essa tradução foi impressa muitas vezes no Brasil pelas Edições Paulinas. É também uma tradução feita sobre o texto da Vulgata.
                                     A Bíblia mais bela do Mundo, também chamada Bíblia Mensagem de Deus. Foi a primeira tradução feita diretamente dos originais hebraicos e gregos pela Liga dos Estudos Bíblicos (LEB), publicada em fascículos pela Editora Agir e depois pela Loyola.                                                     A Bíblia da AVE MARIA: feita sob orientação de Frei  João José Pedreira de Castro (1958) Baseada na tradução francesa dos Monges de Maredsous (Bélgica) feita dos originais hebraico e grego. De muita divulgação no Brasil, uma vez que foi adotada pela Renovação Carismática Católica (RCC).
                                 A Bíblia do Pontifício Instituto Bíblico de Roma (1967) –A tradução brasileira é tradução adaptada da edição italiana. Publicada pelas Ed. Paulinas (SP)
                                  A Bíblia Sagrada – Tradução dos Missionários Capuchinhos de Portugal, diretamente dos textos originais (1968) e publicada no Brasil pela Ed. Santuário (1984)
                         A Bíblia de Jerusalém –  Traduzida diretamente dos originais hebriaco, aramaico e grego, como anotações criticas da  edição francesa. Publicada pelas Ed. Paulinas (1976). Revisada e publicada em 2002 como Nova Bíblia de Jerusalém. É uma edição crítica com introduções históricas, notas exegéticas, referências marginais  e apên de valor.dices realmente
                                   A Bíblia Sagrada – tradução brasileira a partir dos textos originais pela Ed. VOZES, Petrópolis, 1982.
                                   A Bíblia Edição Pastoral – tradução popular feita a partir dos originais hebraico, aramaico e grego,  com abundantes notas e introduções afinadas com a teologia da libertação. Publicada por Ed.  Paulinas (1990).
                                    A Bíblia Ecumênica (Tradução ecumênica) – adaptação da tradução francesa e publica pelas Ed. Loyola a partir de 1987.
                                    A Bíblia Sagrada - Tradução da CNBB a partir dos textos originais, cotejada com a edição oficial da Vulgata, e destinada ao uso litúrgico. Publicada em co-edição pelas sete maiores Editoras católicas do Brasil em  2001.
                                     A Bíblia do Peregrino  - do  exegeta e hermenêuta espanhol Padre  Luís Alonso Schökel (1997).Original em espanhol. Tradução do texto bíblico, com excelentes Notas e Introduções feitas pelo autor e por equipe de biblistas brasileiros. Publicada pela PAULUS em 2002.
                                      A Bíblia Sagrada Nova Tradução na Linguagem de Hoje.  Tradução a partir dos textos originais e editada em co-edição pelas Paulinas (católica) e Sociedade Bíblica do Brasil (evangélica) em 2006.
                                    A Bíblia Hebraica – tradução em português (da TANAK hebraica) pela Editora Sêfer (SP), 2006. É o primeiro Tanak publicado em português (Tanak é  sigla de Torá (T = ensinamentos, a Lei), Nebiim (N= profetas) e Ketubim (K = outros escritos)
                                     A Bíblia Almeida Século 21 – Atualização da “Versão Revisada” do texto de João Ferreira de Almeida (Editoras Atos/Hagnos em 2007.
                                         A Bíblia na linguagem de hoje, da Sociedade Bíblica Brasileira
                                     A  Bíblia Novo Mundo - Tradução das Escrituras Sagradas a partir da versão inglesa de 1984 com consultas aos textos hebraico, aramaico e grego. Publicada  ela Sociedade Torre de Vigia de Bíblias e Tratados (SP) (1967).
                                    [Algumas igrejas evangélicas têm lançado outros tipos de Bíblia: Bíblia Viva (com paráfrases); Bíblia da Mulher, da Criança e outras, até Bíblia Financeira... [Esse tipo de “Bíblia”  parece ter  mais caráter comercial  do que de divulgação da Palavra de Deus].

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BIBLIOGRAFIA  CONSULTADA

1. KONINGS, Johan.  A Bíblia, sua história e leitura: uma introdução. Vozes, 1992 
2. BUZZETTI, Carlo.  Quatro por um: um único trecho bíblico e vários   “fazeres”. Paulinas, 1998.
3. CONIC.  Um tesouro em vasos de argila. Instrumento para uma reflexão ecumênica sobre a hermenêutica. Paulus, 2000.
4. RIBLA. 53 (2006/1) Interpretação bíblica em busca de sentido e compromisso.
5. CORREIA JUNIOR, João Luís.  Chave para análise de textos bíblicos. Paulinas 2006.
6. de  la PORTTERIE, Ignace (et alii).  Exegese cristã hoje. Vozes, 1996
7. GEFRÉ, Claude. Crer e interpretar. A virada hermenêutica da teologia. Vozes, 2004.
8. PELLETIER, Anne-Marie.  Bíblia e hermenêutica hoje. Loyola, 2006.
9. CROATTO, J. Severino.  Hermenêutica bíblica. Sinodal/Paulinas 1986
10. MAINVILLE, Odette. A Bíblia à luz da história. Guia de exegese histórico-crítica, Paulinas 1999.
11. STUART, Douglas, D. FEE, Gordon.  Manual de exegese bíblica. Vida Nova, 2008.
12. ALTER, Robert.  A arte da narrativa bíblica. Companhia Das Letras, 2007.
13. HARL, Margarite (et alii).  A Bíblia grega dos Setenta, Loyola, 2007.

                                            DOCUMENTOS:
            - LEÃO XIII.  Encíclica “Providentissimus Deus” (1893)
            - PIO X.  Carta apostólica “Scripturae Sanctae” (1904)
         - PIO XI: Decreto sobre o uso das traduções. Somente deve-se usar a   tradução da Vulgata  (1934).
         -  PIO XII. Encíclica “Divino Afflante Spiritu” (30/9/1943)
           - Concílio Vaticano II: “Dei Verbum”. Constituição Dogmática (1965).
              - BENTO XVI : Exortação Apostólica pós-sinodal “Verbum Domini” (2010)
              - Pontifícia Comissão Bíblica.  “A Interpretação da Bíblia na Igreja”  (1993)
              - CNBB.”Como nossa Igreja lê a Bíblia” (1995)
              - CNBB.  Crescer na leitura da Bíblia. Estudos n. 86 (.2003).
             
ADENDOS

                        A título de informação colocamos aqui um Apêndice sobre Talmude, Mishná, Midraxe  e outro com textos de alguns dos Apócrifos mais conhecidos, com personagens do Antigo Testamento. Os apócrifos do Novo Testamento, principalmente aqueles sobre a Infância de Jesus bem como os evangelhos apócrifos são muito interessantes. São livros pequenos que podem ser lidos facilmente Indico na Bibliografia abaixo. O que coloco aqui é apenas  síntese de conteúdo.
                       
                   APÊNDICE  I.                           
Talmude, Mishná, Midraxe, Cabala,  Gematria

]cf. Natan Ausubel,  Conhecimentos Judaicos vol. II, verbetes Talmude, Mishná,  A. Koogan Editor, Rio de Janeiro 1989. A. Van Der Born, Dicionário Enciclopédico da Bíblia, verbetes, Talmude, Mixná. Vozes, Petrópolis, 1971); Enciclopédia della Bibbia, vol. 2-4, Elle Di Ci, Torino, 1970)

                                 a) O TalmudeA palavra Talmude vem verbo lamad que quer dizer aprender, estudar. O Talmude vem a ser , então, um livro de instrução, de aprendizado sobre a lei. É um compêndio do judaísmo rabínico surgido na era helenística da história judaica, ou seja quando os gregos dominavam a Palestina. É a época dos Macabeus (175-135 aC). O Talmude é  uma coleção de livros como a Bíblia; traz leis, regras rabínicas, tradições, costumes, ritos, cerimônias, leis civis, penais, discussões, ditados, exemplos etc . Surgiu - como foi dito – na época dos macabeus e foi terminado somente no ano 500 dC. É chamado “a Bíblia de Israel aumentada e ilustrada”.
                                 b) A Mishná  -  A palavra mishná vem do verbo shanah que quer dizer repetir, duplicar. A mishná é uma coleção de leis e de casuísticas que completa o AT; é considerada como provinda de Moisés, através da tradição oral e normativa. Foi redigida pelo rabino Jehuda Han-Nasi. Ela é um núcleo do Talmude e pode ser chamada de o “evangelho de judaísmo”.  É a lei oral (mishná) contraposta à Lei  escrita (miqrá).
                                 Uma primeira compilação da mishná  (de leis e tradições orais) é devida às escolas dos rabinos Hillel e Shammay (60 aC-20dC)   ). Uma segunda etapa, que foi a definitiva na estruturação da mishná se deve aos tanna’im (rabinos de cinco gerações, do ano 70 dC ao ano 212). A mishná escrita aparece entre o V e VI séc. dC.
                                 Conteúdo da mishná – é especificamente jurídico-religioso (= halakáh) A palavra halakah, (plural halakôt) vem do verbo halak que quer dizer caminhar. É uma forma de interpretação bíblica rabínica que se interessa pelos textos jurídicos da Tora. É um instrumento de jurisprudência e casuística usado pelos rabinos  chamados soferim (= peritos na lei). Suas regras principais de interpretação são as famosas “13 regras do rabino Ismael”. Mais tarde (depois da destruição de Jerusalém)  a interpretação era feita pelos rabinos tanna’im (=repetidores) E foi nesse tempo que o rabino Jehuda Han-Nasi deu à mishná sua forma definitiva,
                                  A hagadáh -   A par da halakah está a hagadáh  Essa palavra vem do verbo higgid que quer dizer anunciar, revelar. É um gênero de interpretação bíblica rabínica de conteúdo mais ético, moral, filosófico e tem como finalidade dar uma formação religiosa mais edificante, parenética.  Feita nas pregações nas sinagogas. Era mais móvel, mais flexível no seu método, com grande riqueza de intuições, e reflexões religiosas, usando lendas, folclore e dando interpretação fácil e popular aos textos bíblicos. Tipo especial da hagadáh é o texto chamado Pirqe ‘Abôt (Ditos dos pais) e a   Hagadáh da Páscoa.  
 Em 1492 foi impressa  a 1.ª mishná em Nápoles.
                      Leis posteriores que não entraram na mishná estão conservadas em duas obras independentes: uma, a Tosefta (= acréscimos em aramaico) e outra, a Baraytot (lei extra). A primeira é de conteúdo agádico (exposições, ditos) e a segunda, haláquico (prática).
                                  c) O midraxe – A  palavra vem do verbo darash que quer dizer explicar.  O midraxe vem a ser um método rabínico de explicar o Antigo Testamento. Pode ser um comentário versículo por versículo de um texto como também pode ser uma paráfrase edificante, muitas vezes aumentada, enfeitada até com lances fantásticos.  Isso acontecia nas explicações bíblicas nas sinagogas. Os mais antigos textos de midraxe remontam ao I séc. dC. No NT há muitos os textos midrashicos tanto nos Evangelhos como em Paulo (por ex. a narração sobre os reis magos (é só em Mateus 2,1-12;); a fuga de Jesus para o Egito(Mt 2,13-23); 1Cor 10,4: água, mar, batismo,a rocha é Cristo; Rm 6,1-11).
                                 d) A cabala -  A palavra vem da forma verbal piel hebraica da raiz qibbel, que significa receber.  Cabala significa: o recebido, ou seja os conhecimentos tradicionais recebidos. Inicialmente a palavra designava os livros bíblicos fora do Pentateuco (Tora). Eles eram cabala. Mas a partir do séc XII dC  cabala passou a designar  uma tendência místico-teológica dentro do judaísmo. Foi uma reação contra as tendências  racionalistas de Maimônides, que era aristotélico [Moisés Maimônides foi um pensador judeu-espanhol medieval, nascido em 1135. Foi filósofo e médico. Dedicado aos estudos do Talmude e à Mishná. Sua obra de maior importância é o Guia dos perplexos, na qual propõe a concordância entre fé e razão e a necessidade de harmonizar religião, filosofia e ciência. Sua obra e seu pensamento influenciaram a escolástica medieval,  Santo Tomás  e filósofos racionalistas como Spinoza e Leibniz. Morreu em 1204 e foi sepultado em Tiberíades, Palestina.] A cabala com o tempo passou a designar crenças teosóficas que através de um método esotérico de cifras pretendia ensinar aos iniciantes doutrinas ocultas como a criação do mundo por emanações do Ser supremo, a Sabedoria verdadeira etc. Esses conhecimentos, ensina a cabala, foram transmitidos (qibbel=cabala) por Adão aos profetas e destes aos tanna’im (os rabinos medievais acima citados e que organizaram a mishná).  Ensina a metempsicose (meta/psichê ou reencarnação) e a preexistência da alma humana; envolve magia , astrologia e quiromancia.  Os cabalistas tinham interpretação mágica do alfabeto hebraico. As letras, segundo eles, tinham um potencial sobrenatural. Procuravam interpretar o nome de Deus através das letras. Deus é representado na Bíblia pelo tetragramaYHWH (em hebraico: iód, ét, vau e et). Em hebraico esse nome é chamado shem há-meforash = o nome explícito. O povo não pronunciava esse nome porque achava que o nome era mágico e misterioso. E pronunciá-lo seria perigoso pois seria tentativa de penetrar no mistério de Deus, o que  seria um sacrilégio imperdoável.  Diz a Misnáh: “No santuário o nome de Deus deve ser pronunciado na bênção sacerdotal como está escrito: YHWH e fora do santuário ele deve ser pronunciado Adonai ( ou Adoshem (=meu Senhor) (cf. Conhecimentos Judaicos vol. 6, verbete Shem há-meforash). E cada vez que se encontrasse o tetragrama (e são mais de 7 mil vezes) ele era pronunciado ‘edonay (com shevá simples, cujo sinal em hebraico é como dois pontos: e mais tarde quando a pontuação hebraica foi reformada,  passou a ser escrito com  hatef patah, cujo sinal é um ponto = . ).  Com essa pontuação, chamada massorética (= da tradição) o tetragrama passou a ter as vogais de ‘edonay.  Dessa simbiose, quando não entendida , o tetragrama é lido (como o fazem as Testemunhas de Jeová) como Yeowáh e não Yaweh.]
                                
e) A gematria - A palavra seria uma forma corrompida de geometria, que  etimologicamente é medida da terra. Aqui seria medida cabalística da linguagem. Segundo outros autores a palavra viria de gramatéia que em grego vem a ser um jogo de palavras,  do tipo “palavras cruzadas”. A gematria  é um sistema de interpretação baseado Sobre o valor numérico das letras. O hebraico, o grego e o latim usavam as letras como valores numéricos. Gematria seria dizer alguma coisa através de letras com valor numérico. Em relação à Bíblia a gematria vem a ser uma regra hermenêutica ou método cabalístico de explicar o AT por meio do significado criptográfico numérico de suas palavras. Um caso conhecido é o número 666 de Apocalipse 13,18. O número 666 corresponde em hebraico às consoantes do nome Nero César. [Hoje em dia isso é moda entre artistas e cantores; por sugestão de babalaôs  ou  babalorixás  mudam o próprio nome, tiram ou acrescentam  para dar sorte, como o fizeram por ex. a  Sandra Sá, que passou a ser Sandra de Sá; o Jorge Bem que ficou Jorge Benjor etc. e tal..] As elucubrações da gematria são totalmente arbitrárias

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                                                          APÊNDICE  II


               Apócrifos: síntese de conteúdo

                              8.1   Ascensão de Isaías
                 Texto em hebraico. Século II aC.  Tempo da perseguição  do rei Antíoco IV ao povo judeu. A história é lembrada também no primeiro livro do Macabeus  (1Mac)
                Esse apócrifo é  obra apocalíptica de fundo gnóstico. O livro narra as visões de Isaías, que é levado ao sétimo céu. É a ascensão, como também, depois da última visão. ele faz a definitiva ascensão ao céus (sua morte) O conteúdo do livro é também apocalíptico.
                    O livro tem três partes; a segunda e a terceira partes foram escritas depois de Cristo (dC) e por isso têm influências cristãs.
              Finalidade: exortar o povo a suportar as provações e perseguições dos dominadores gregos com resignação, assim como Isaias também sofreu perseguições mas não renegou seu testemunho e sua fé. Conclui o texto dizendo que o Espírito Santo dará forças (Isso já é influência do cristianismo).
              O autor desse apócrifo é desconhecido. Ele usa o nome do profeta Isaías. No livro desse profeta há também visões (cap. 6).  A atribuição a Isaías é pseudonimia. O verdadeiro Isaías é profeta clássico do século sétimo aC. Segundo a tradição judaica, ele  foi condenado à morte  pelo rei Manasses  por ter criticado sua vida libertina e corrupta.  Foi serrado vivo, conforme o apócrifo

                           Texto escolhido.

             “E vi o anjo do Espírito Santo, que estava sentado  à esquerda. E o anjo me disse: “Isaías, filho de Amós, eu te protejo, pois são grandes as coisas que te foram comunicadas; e tu viste o que não foi dado a nenhum dos filhos dos homens ver.
             E Isaías suplicava ao rei que não revelasse ao povo as palavras desta visão, temendo que elas fossem submetidas à perversidade dos homens.
            E é por causa desta profecias que Samael Satã cortou com uma serra o profeta Isaias, filho de Amós.
                     Aqui termina o livro do profeta Isaías e de sua ascensão
            (Ascensão de Isaías n. 34.36.41.42)

          8.2. Livro dos Segredos de Henoc
      (Chamado também de 2Henoc)
           Escrito em grego. É do século I dC. É também apocalíptico, cheio de fantasia sobre a criação, sobre anjos e sobre o fim do mundo. Descreve a viagem de Henoc pelos sete céus. Cada céu tem uma característica:
                    1.º céu: é descrito como um mar, com geleiras e com 200 anjos que cuidam das estrelas
                    2.º céu: é escuro, habitado pelos anjos decaídos que pedem a Henoc que interceda por eles a Deus.
                    3.º céu: neste céu está o jardim do  paraíso com a árvore da vida, coberto por nuvens. A árvore da vida dá frutos de cem qualidades diferentes!. Esse céu é para os justos. A geena (fogo do inferno) fica numa parte desse terceiro céu; aí estão os que roubam os pobres, os corruptos que se enriquecem com a corrupção, os que humilham os outros, os que deixam os pobres morrerem de fome, os que, podendo,  não vestem os nus (Mt 25). Todos serão julgados duramente.
                 4.º céu: é chamado morada. Ali estão  o sol e a lua. O sol sai por doze portas para iluminar o mundo. Durante o dia o sol brilha coroado, mas à noite 400 anjos lhe tiram a coroa. O sol é puxado por milhões de anjos numa carruagem; durante a noite é puxado somente por mil anjos, por isso escurece.
                  5.º céu: é também morada. Mas não dos homens mas dos anjos revoltosos, que são 200 milhões, guiados por Satanael, Henoc lhe pedem que honrem a Deus.
                 6.º céu: é chamado estabelecimento. Ali estão a neve, o gelo, as tempestades. Ali estão também os anjos que dirigem a natureza: as plantas, as  ervas, as flores, os frutos.   Não há coisa ou pessoa sem o seu anjo da guarda que a proteja e anota tudo o que faz na vida.
                   7.º céu: é habitado  pelos ofanins, anjos cheios de olhos, pelos serafins e pelos  querubins. Aqui estão também os anjos que guardam as crianças de dia e de noite vendo a face do Pai (Mt 18,10).
                         O autor é desconhecido.  Dizem os autores que não é correto falar em livro de Henoc, mas em livros, porque existe não apenas um ciclo de Henoc com livros diferentes (Henoc etiópico,grego, eslavo, hebreu, e fragmentos coptos) mas também porque o Livro primeiro de Henoc (1Henoc = também chamado de Henoc etiópico) , é um conjunto de pequenos livros
                                Esses livros de Henoc tratam de muitos temas que são mencionado nos evangelhos canônicos como, por ex.,  a angelologia.
                                Na Bíblia Henoc é considerado como filho de Jared  e pai de  Matusalém.   E,  diferentemente  de todos os outros patriarcas bíblicos lembrados  na genealogia de Gn 5, ele não morreu, mas foi arrebatado aos céus, tendo 365 anos. (cf Gn 5,18-24).
Por esse motivo seu nome deu inspiração para os livros, que exploram o tema apocalíptico  do arrebatamento.
                          Texto escolhido:
                 “Aconteceu que depois de Henoc ter falado com os filhos, os anjos o levaram em suas asas ao primeiro céu, e o puseram nas nuvens. E aí eu olhei outra vez mais para o alto e vi o éter, e eles me puseram no primeiro céu e me mostraram um grande mar maior que o mar da terra.
                  E aqueles homens me tomara, então, e me conduziram ao terceiro céu, e lá me puseram: e olhei para baixo e vi os produtos daquele lugar, que jamais foram conhecidos.
                  E vi as mais doces árvores, a da vida, naquele lugar onde Deus descansa quando vai para o paraíso; e essa árvore é de uma qualidade e fragrâcia inefáveis, e mais ornada do que qualquer coisa que existe; e de todos os lados é como o ouro e o cinabre e o fogo e o fogo, e ela tudo cobre e há proveito de todos os frutos. Sua raiz está no jardim no fim da terra. E o paraíso está entre a corruptibilidade e a incorruptibilidade. E de suas fontes brotam mel e leite e de seus jorros saem óleo e vinho, e eles se separam em quatro partes e vão dar no Paraíso do Èden, entre a corruptibilidade e a incorruptibilidade. E aqui não há árvores sem frutos. E há trezentyos anjos muito brilhantes que guardam o jardim, e com um incessante doce canto, e com vozes que nunc silenciam, servem o Senhor todas as horas e todos os dias. (Livro dos Segredos de Henoc, III e VIII).
                  8.3 A Assunção de Moisés 

                    O texto foi redigido em hebraico, traduzido para o grego e do grego para o latim. Hoje existe um pequeno texto do que foi o livro.  É do fim do séc I dC. O livro é assim chamado porque faz reflexões proféticas sobre o futuro de Israel como se fossem  recomendações de Moisés a Josué (seu sucessor) antes de morrer (assunção). Autor parece ter sido. um fariseu ortodoxo.
                     O país está sob o domínio dos gregos com Antíoco IV.  O objetivo do livro é o de exortar e animar o  povo judeu a lutar contra o opressor e  guardar a lei dada por Moisés. Os tempos finais estão chegando, ensina o livro, e o reino de Israel já está às portas. O livro é um comentário dos capítulos 31 a 41 do Deuteronômio. (O cap. 34 relata a morte (assunção)  de Moisés; por isso ele daria essas  recomendações a Josué).  O texto faz referência a Atos 7,36-39, onde Estevão diz que Deus suscitaria um profeta no lugar de Moisés. E diz que foram os pecados de Israel que provocaram os castigos de Deus, que são os opressores de hoje.
                 Texto escolhido
                           (Esse texto reflete a situação político-religiosa de Israel sob o domínio de Antíoco IV, quando os saduceus e outros bandearam de  lado, traindo sua identidade)
                            “Quando Moisés completou seus 125 anos, que é corresponde ao ano 2.500 depois da criação... Moisés chamou Josué, seu sucessor, e lhe disse: ‘Sê forte  promete fazer tudo o que te foi mandado a fim de ser irrepreensível diante de Deus... E agora eu vou-me embora, junto aos meus pais e tu, recebe este escrito para saberes conservar os livros que eu te confiar..
                  Quando chegar o tempo do castigo as tribos se dividirão diante da verdade... Não seguirão a  verdade de Deus mas alguns profanarão o altar com ofertas ao Senhor. E os seus doutores farão acepção de pessoas em favor dos ricos, aceitando  propinas e corrompendo a justiça.
                  Surgirão depois reis que se intitularão sacerdotes de Deus e cometerão iniqüidades no Santo dos santos (os Asmoneus). E lhes sucederá um rei insolente (Herodes); ele será da raça sacerdotal, homem audaz e despudorado que  os julgará e que o servirão.
                   Depois virão homens pestíferos e ímpios, que se auto-proclamarão justos e mas amarão orgias, glutões, intemperantes, devoradores dos bens dos pobres sob o pretexto de misericórdia... dizendo:  ‘Entreguemo-nos a  banquetes e luxúria, comamos e bebamos como príncipes’; suas mãos e seus espíritos estarão cheios de impurezas enquanto suas bocas proferirão absurdas pretensões dizendo: ‘Não me toquem, não me contaminem, por favor...’ Mas sobre eles cairão a vingança e a cólera  tais que jamais existiram, até o dia em que Deus suscitará contra eles um rei que crucificará todos os que afirmam serem circuncidados; tomará sua mulheres  a seu serviço e ordenarão que seus médicos refaçam os prepúcios de seus filhos... Muitos serão submetidos ao ferro e fogo; seus algozes os obrigarão a entrar nos seus templos blasfemando e ultrajando o Nome do Senhor e até a sacrificar sobre seus altares...”.
                      [ Assunção de  Moisés, fragmentos)
                   8.4 Os Salmos de Salomão
                   São 19 salmos ou hinos escritos em hebraico e traduzidos para o grego. É um escrito  do séc. I aC que reúne vários autores. São, porém, atribuídos a Salomão, uma vez que esse rei foi sábio e foi o construtor do Templo de Jerusalém. São importantes por mostrem o tipo de vida religiosa do tempo do autor. O escrito é didático, quer ensinar: Deus é juiz justo que  premia ou castiga tanto o israelita quanto o gentio, dependendo de suas ações. Esses salmos têm semelhanças com os salmos canônicos mas  estão bem distantes da beleza e do conteúdo destes.
                   O livro trabalha o dualismo: piedosos e justos, de um lado, ímpios e injustos  de outro. Entre os grandes pecadores estão os romanos; também no meio do próprio povo há  muitos pecadores, como os sacerdotes e os saduceus.Os que ofendem a Deus rompendo a Aliança, não pertencem ao Povo de Deus. Deus é justo e misericordioso. Sua justiça, punitiva e retributiva, é também justiça salvadora. O castigo de Deus é pedagógico: ensina e quer salvar.
                     Texto escolhido: Salmo III.
                     “Por que dormes, ó minh’alma e não bendizes ao Senhor?
                     Os justos se recordarão sempre do Senhor, testemunhando e justificando os juízos do Senhor.
                     A fidelidade dos justos vem de Deus, seu salvador; na casa do justo não habita  jamais um pecado sobre pecados.
                     O justo inspeciona sua casa constantemente, para tiar dela toda impiedade cometida por sua culpa.
                     O pecador  tropeça e amaldiçoa sua vida, o dia de seu nascimento e os sofrimentos  de sua mãe... mas os que temem o Senhor  ressuscitarão para a vida eterna.
8.5  O Apocalipse Siríaco de Baruc
                   Na Bíblia canônica há um livro de Baruc deuterocanônico. Os escritos atribuídos a Baruc não têm uniformidade de nome. Este Apocalipse siríaco é chamado também de 2 Baruc. E há também o Baruc grego (que pode ser o primeiro). São obras escritas depois da destruição de Jerusalém e do Templo. Aí pelo final do século I dC. Este texto  siríaco é uma tradução  de texto grego. O escrito é pseudonimia; é atribuído a Baruc, que foi secretário do profeta Jeremias (Jr 36,4-32).
                  O autor usa diversas fontes; não é um  livro fantasioso e nem uma compilação. O tema fundamental do livro é este: “Por que  o mal e os pecadores triunfam, vencem, e o bem e os bons sofrem  e são deixados para trás?”. O tema é afim ao do livro de Jó.  Ensina o texto  que Deus  fará justiça e saberá dar a cada um o que é justo. Discute também pó papel do Templo destruído e o valor da Lei. A destruição do Templo é um sinal de Deus ao povo  para que  mude  de vida, converta-se ; é um texto que dá esperança também.
                   A trama do livro é  desenvolvida numa discussão entre Deus e o profeta e por visões.  Nos diálogos vêm sempre sublinhados os pecados de Israel, dos povos e os castigos de Deus.  Pecado/castigo  é tema forte no livro. Deus fará justiça ao povo. As boas obras receberão recompensa.
                  O mundo futuro é visto como consolo para os que forem fiéis. Aqui é insinuada a doutrina da retribuição. A soteriologia do livro é também positiva: salvar-se-ão todos os que não se afastarem da justiça, da misericórdia e da Lei.
                  Texto escolhido : A Ressurreição dos mortos
               “ Terminado o tempo vigente do Messias, ele voltará de novo à glória doccéu.  Então haverão de ressuscitar todos aqueles que outrora adormeceram na sua esperança> Naquele tempo  acontecerá que abrirão as câmaras onde se demoram as almas dos piedosos; elas sairão, e  todas essas numerosas almas, como legião de um só coração, aparecerão todas juntas, abertamente. As que foram as primeiras, alegrar-se-ão; as que foram as últimas não ficarão tristes.
             Cada um delas sabe que foi chegado o tempo, previsto como o fim de todos os tempos. As almas dos pecadores perder-se-ão em angústia, ao presenciarem tudo isso. Pois elas já sabem que o tormento as atingirá, e que a hora de sua condenação é chegada” (Apocalipse siríaco de Baruc, cap. XXX).

                 8.6  O Testamento dos Doze Patriarcas
                 O texto original é hebraico, do qual foram feitas versões. O escrito é do fim do século II aC. O tema do livro:  últimas recomendações dos doze filhos de Jacó aos seus descendentes. É um discurso de  adeus. São eles os Doze Patriarcas. Essa obra teve interpolação cristã. O autor, ou autores, fazem um Testamento para cada um dos doze filhos de Jacó, Em cada Testamento o autor fala da vida daquele patriarca, assinala uma virtude dele e um vício também; em seguida exorta o povo a praticar tal virtude e evitar o vício citado e faz profecias (pós-evento) de que os pecados de Israel levará o povo para o exílio, mas Deus o libertará.
                O escrito está permeado pelo dualismo que  opõe o bem ao mal; tal dualismo influencia a vida das pessoas. Trata ainda da escatologia: o Reino de Deus que virá, e o fim do mundo.
               O amor ao próximo de que trata o livro é certamente interpolação  cristã.
               O nome Testamento é tirado do gênero literário chamado de “Despedida” ou discurso de Adeus e que tem este esquema:
-                           o moribundo chama sua família para despedir-se
-                           faz uma exortação (parênese): fazer obras de caridade; manter o amor e a união da família.
-                           faz previsão sobre o futuro da Comunidade e sobre o final dos tempos
-                           uma última exortação. [As previsões são sempre feitas sobre coisas e/ou fatos já acontecidos; são pós-evento].
                        Texto escolhido:
                “Transcrição do testamento e das exortações que Ruben transmitiu aos seus filhos antes de sua morte, no centésimo vigésimo quinto ano de sua vida. Quando adoeceu,  dois anos após a morte de José, seus filhos e netos foram visitá-lo. Ele falou-lhes: “Eu vou morrer, meus filhos, e seguir o caminho dos meus Pais”.
              E ao ver Gad e Aser, seus irmãos, disse-lhes: ‘Vós, irmãos, amparai-me! Eu gostaria de dizer aos meus irmãos e aos meus filhos o que levo guardado aqui em meu coração. Pois o meu fim se aproxima”. Ergueu-se, beijou-os e disse em tom de lamento: ‘Escutai, meus irmãos, e vós, meus filhos! Segui a palavra de vosso pai Ruben, nas coisas que vou recomendar-vos!
              Peço-vos, por Deus do céu, que não cometais a luxúria e os pecados da juventude aos quais eu me entregava, profanando o leito do meu pai Jacó (Gn35,2). Digo-vos que o Senhor castigou duramente as minhas coxas durante sete meses. E se meu pai Jacó não tivesse suplicado por mim ao Senhor, eu teria morrido. O Senhor queria tirar-me do meio dos vivos.
               Eu tinha meus trinta anos de idade, quando pratiquei o mal diante do Senhor. E pelo período de sete meses estive doente prestes a morrer, por isso, fiz penitência diante do Senhor, com firme determinação, durante sete anos: não bebi vinho, nem cerveja; nem a minha boca provou carne; jamais comi pão doce. Mas afligia-me por causa do meu pecado; ele foi muito grande  e jamais algo igual acontecera em Israel.
            “As mulheres são maldosas, meus filhos;  se não possuem nem força e nem poder sobre o homem, procuram atraí-lo por meio de encantamentos, e se não conseguem dobra-lo por esse meio, pressionam o homem com astúcias. Sobre elas falou-me o Anjo do Senhor, ensinando-me que as mulheres são mais sujeitas ao espírito da luxúria que os homens. Armam intrigas em seu coração contra eles. Primeiro transtornam a sua mente por meio de enfeites, e injetam neles o veneno através do seu olhar; depois pegam o homem pelo relação. De outra forma, nunca uma mulher poderia subjugar um homem” (Testamento de Ruben, cap. I e V).
8.7 Oráculos Sibilinos

              Oráculo é semelhante a adivinhação; e sibilino, vem de sibila, palavra grega que indicava  as adivinhas  no mundo antigo. A arte da adivinhação é de origem pagã, desenvolveu-se na Grécia e entrou em Israel. As sibilas eram adivinhas que respondiam a perguntas sobre o futuro. (Como hoje as cartomantes e ciganas). Seus oráculos eram considerados manifestação divina. O auge da atuação das sibilas foi no século II aC. no Egito
             Os judeus alexandrinos e depois os cristãos, adotaram esse tipo de literatura pagã com a finalidade de propagar sua religião. Por meio das sibilas, pagãos, judeus e cristãos ensinavam  princípios de sua religião: o monoteísmo principalmente, denunciavam corrupção dos costumes e ameaçavam inimigos.
              Os cristãos usavam oráculos judeus e os interpolavam (isto é; colocavam neles mensagens cristãs).  Em todos os oráculos há sempre forte marca  escatológica: falam sempre do fim dos tempos, do Reino de Deus vindouro
             Os Oráculos Sibilinos constituem uma coletânea de textos religiosos  variados: versam sobre monoteísmo, contra a idolatria, sobre períodos históricos, trazem idéias messiânicas etc. Por isso são vários os livros sibilinos; Alejandro Diez Macho  enumera 14 (op. cit. pág. 221) Muitos deles interpolados. O terceiro livro, do século I aC.  parece não ter tido influência cristã. Esse é o maior e mais importante dos livros: defende o monoteísmo, abomina a magia, a idolatria, astrologia prega a castidade e a pureza sexual e moral.
              A língua dos oráculos é o grego. Datam de épocas diferentes: do século II aC ao século I dC.
               Texto escolhido
             “Ó raça que se alegra com o sangue, cheia de enganos e de males, homens ímpios, mentirosos, pérfidos e infiéis.. Quando Roma reinar sobre o Egito ainda tremendo, então aparecerá o reino imenso do eterno rei, que se estenderá sobre os homens. Um príncipe santo virá, tendo nas mãos o cetro de todo o universo para todos os tempos futuros. Em seguida o céu despejará um rio de fogo. Ai de mim! Miserável que sou, quando chegar aquele dia e o julgamento do Deus eterno, do grande Rei!.
           Mas quando vier do mundo e dos mortais, então Deus mandará os ímpios para o fogo, abaixo das trevas... Mas o justos permanecerão na terra próspera e Deus  lhes concederá o espírito, a vida e  a graça. Tudo isso acontecerá à décima geração.  (Oráculos sibilinos, excertos do II  e IV fragmentos).
8.8              Vida de Adão e Eva
                   Obra em hebraico, traduzida para o grego e deste para o latim. É do século I aC.  a versão  latina que se tem hoje.
                     O livro, recheado de motivos apocalípticos, é uma narração midráshica sobre os primeiros capítulos do Gênesis: queda de Adão e Eva, conseqüências, arrependimento deles, morte e sepultura deles. É uma narração livre; não segue o livro do Gênesis capítulo por capítulo. Entre os motivos apocalípticos estão a constante presença de anjos, a ressurreição de Adão e Eva e dos mortos , no final dos tempos; e ainda o dualismo apocalíptico: alma/corpo; céu/inferno. Os corpos de  Adão, Eva e Abel são sepultados no paraíso.
                    A versão grega tem outros  acréscimos:  Adão e Eva passavam fome no paraíso como castigo pelo pecado. O arcanjo São Miguel os ensina a trabalhar na terra. Quando Adão morre, o sol, a luz e as estrelas se apagam e fica escuro por sete dias. Eva, se deixa seduzir de novo por Satanás, que lhe aparece no rio Tigre, chora com ela, arranca-a do rio e a leva para Adão. Adão pergunta a Satanás por quê ele persegue Eva e ele diz a Adão que o faz porque foi expulso do paraíso por causa dele, porque S. Miguel exigiu que ele adorasse o homem que era imagem de Deus e ele se negou porque fora criado antes de Adão e lhe era superior. Expulso do céu, Satanás continua sua perseguição.
                  Vem narrados ainda o nascimento dos filhos de Adão e Eva, as visões de Adão, o testamento que ele deixa aos filhos, a doença dele e a ida de Eva e Set ao paraíso procurando planta medicinal. São Miguel convence Set a não ir ao paraíso; Eva vai e é picada pela cobra, Miguel diz a eles que a planta medicinal que procuram eles somente vão encontra-la no final dos tempos, quando chegar o Rei-Messias, isto é, depois de 5.208 anos. Ele virá para ressuscitar os mortos.
                  Texto escolhido
                 “Expulsos do paraíso, Adão e Eva, não encontrando alimentos, ficaram com fome. Então a mulher disse: ‘Mata-me, e Deus te deixará no paraíso’. Adão respondeu: ‘Vamos fazer penitência e talvez Deus tenha compaixão de nós e nos dará algum alimento. Decidiram que Eva ficasse afundada no rio Tigre por trinta e seis dias, em silêncio e que Adão ficasse em jejum por quarenta dias, afundado nas águas do rio Jordão. Adão convida todas as criaturas para virem chorar com eles e todas chegam para chorar seu pecado... E satanás, fingindo-se anjo de luz foi chorar com Eva dizendo-lhe que Deus aceitara a penitência deles e que Deus o mandara para tirá-la da água e dar-lhe de novo “aquele alimento” do paraíso. Eva aceita e é levada por  satanás até Adão,  que percebeu a armadilha e gritou para Eva: ‘ Por que você se deixou enganar de novo?’ Eva chora e amaldiçoa satanás, o qual diz que se vingava por ter sido expulso do paraíso porque não quis adorar o homem, imagem de Deus”. (Vida de Adão e Eva, excerto).
8.9              O Livro dos Jubileus
                      Esse apócrifo foi escrito em hebraico e traduzido para o grego. É do século II aC.  É obra de círculos essênios e pré-Qûmran e de seitas do tempo.
                      O livro é fundamentalmente uma re-elaboração de Gênesi1 até Êxodo 12. É uma obra apocalíptica, embora alguns a considerem um midraxe do Gênesis. O nome “Jubileu” é tirado do próprio livro que divide a história em períodos de quarenta e nove   anos (=Jubileu) subdivididos de sete em sete anos..
                     Segundo o livro,  é Deus mesmo  quem revela a Moisés no Sinai a história do mundo, desde o início até aquele momento. Deus narra a história dividindo-a em jubileus de  quarenta e nove anos cada um. Um anjo escreve a história que Deus vai narrando.
                     O livro tem cinqüenta capítulos. Começa com a revelação de Deus sobre  a criação do mundo e com visões sobre  o futuro. A narrativa segue o livro do Gênesis tirando às vezes estranhas conclusões. Termina falando das leis sobre os Jubileus e sobre os sábados.
                                   Temas importantes tratados no livro com acento teológico são:
 -        Deus é quem escreve a História. O homem não pode mudá-la
-                           Israel é o povo eleito; é separado e distinto dos demais povos
-                           Escatologia: Israel será restaurado na própria Palestina, em Jerusalém e no Templo. Será aqui mesmo a glorificação do Povo de Deus. Israel dominará e julgará toda a terra.
-                           Há pecados que geram a morte; são os pecados mortais ou capitais. Eles excluem  da salvação o povo de Israel. Esses pecados não têm perdão, e são os seguintes: não fazer a circuncisão; não guardar o sábado; casamentos mistos; não celebrar a Páscoa, fazer mal a um israelita, comer carne vermelha, praticar incesto e idolatria
-                           O mal existe no mundo e foi causado pelos anjos decaídos, que desceram à terra e se casaram com mulheres. Com essa união a natureza ficou impura. Deus a purificou com o dilúvio, mas depois disso os humanos continuaram a pecar em razão de seu livre arbítrio e por influxo dos poderes demoníacos.



                     Texto escolhido (Lei relativa ao sábado)
                    “No sábado vós não deveis fazer nada além daquilo que fizestes no sexto dia, mas só comer, beber, descansar e observar o Sábado, evitando qualquer trabalho e bendizendo o Senhor vosso Deus que vos deu um dia de festa e um dia consagrado: é um dia do reino santo para todo  Israel e assim será para sempre. Já que é grande a honra que o Senhor concedeu a Israel: que todos então comam e bebam e se alegrem nessa festa e que não façam nenhum trabalho que as pessoas fazem, a não queimar incenso e oferecer oblações e sacrifícios ao Senhor pelos dias e pelos sábados. E todo aquele que fizer algum trabalho, viajar ou trabalhar no campo ou em casa ou em qualquer outro lugar, ou acender fogo, ou montar num animal, ou andar de barco no mar, ou mate qualquer coisa,  um animal , um passarinho, ou vá caçar animais ou passarinhos, ou vá pescar, ou faça nesse dia jejum ou lute... esse deverá ser morto, para que os filhos de Israel observem o sábado conforme as tradições relativas à sua observância na terra prometida, assim como está escrito nas tábuas da lei que o Senhor colocou nas tuas mãos...”                [Livro dos Jubileus, cap. 50, 9-12]
                                   CONCLUSÃO
                                   Muita gente já ouviu dizer que os Apócrifos são livros proibidos. Nunca o foram. Acontece que pouca coisa havia  sido publicada sobre o assunto para o povo. O estudo ficava mais com os especialistas. A Igreja Católica nunca proibiu sua leitura; eles não são “livros falsos”, apenas livros difíceis de serem entendidos por serem fruto de um tempo em que as verdades da fé cristã ainda não estavam claramente enunciadas. Na tentativa de ajudar a explicar a fé, muita gente interessada escreveu sobre assuntos religiosos naquele tempo. São Lucas fala disso no início de  seu evangelho.
            Hoje em dia os Apócrifos estão em alta, pois o povo tem às mãos a maioria desses livros, pelo menos os mais importantes. E ainda hoje, como nos tempos antigos, todos têm a curiosidade de saber mais sobre a vida de Jesus, de Maria, de José, dos Apóstolos, da Igreja primitiva. Os Evangelhos canônicos falam pouco disso. Então a mente humana e a curiosidade fizeram e fazem perguntas. E os apócrifos querem responder a essas perguntas a seu modo também. Por isso para conhecê-los é preciso estudá-los.
PEQUENA BIBLIOGRAFIA
(em português ,sobre os Apócrifos)

Entre outras podemos citar as seguintes obras:
- A História do Nascimento de Maria
- Fragmentos dos Evangelhos Apócrifos
- São José e o Menino Jesus (História de José Carpinteiro.
- O Evangelho do Pseudo-Tomé)
- A Paixão de Jesus nos Escritos secretos (Evangelho de Nicodemos.
- Descida de Cristo aos Infernos. Declaração de José de  Arimatéia )
- O Drama de Pilatos (A cura de Tibério. A Vingança do Salvador. Cartas entre Pilatos e Herodes; Carta entre Pilatos e Tibério. A morte de Pilatos)
            - Morte e Assunção de Maria.
  [Todos publicados pelas  VOZES]
              - Antonio Piñero: O outro Jesus segundo os Evangelhos apócrifos.
            -  Luigi Moraldi: Evangelhos Apócrifos
            -  L. ROST, Introdução aos livros Apócrifos e pseudepígrafos
[São da PAULUS]
- APÓCRIFOS: os proscritos da Bíblia (3 volumes) Ed. Mercuryo; Urbano Zilles, Evangelhos Apócrifos (Ed. Pontifícia Universidade Católica. Porto Alegre)
 [Em outras línguas (espanhol, italiano e francês)há muitos livros específicos e clássicos]
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                                                                                                     Birigui, fevereiro de 2012
                                                                                                                       Frei Mauro Aristides Strabeli
                                                                                         strabeli@uol.com.br

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