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sábado, 31 de março de 2012

TEXTOS FREI MAURO STRABELI (MARÇO 2012): "AS CARTAS E A TEOLOGIA PAULINA"


  FREI MAURO ARISTIDES STRABELI Ofmcap







As Cartas e a
Teologia Paulina



São Paulo
 























MARÍLIA – FAJOPA
2008





ÍNDICE































AS CARTAS E A TEOLOGIA PAULINA
Introdução
O presente trabalho quer ser apenas uma pista para o estudo das Cartas e da Teologia paulina. É um trabalho de síntese, que deve ser aprofundado em classe. Abrange três partes. Na primeira, são vistas brevemente as Cartas no seu contexto histórico e teológico; na segunda, há um esboço da teologia paulina, tomada nos seus aspectos que me pareceram mais importantes; e na terceira parte, como Excursus, dá- se uma visão dos Ministérios, enfocando uma posição paulina.
Para a elaboração do presente trabalho servimo-nos de determinada bibliografia, seguindo mais de perto ora um, ora outro autor. De modo especial merecem relevo aqui J.M.Gonzáles-Ruiz (“O Evangelho de Paulo”) na primeira parte, pela clareza de texto e hermenêutica; e J.A.Fitzmeyer (“Linhas fundamentais da teologia paulina”) pela objetividade  e competência – na segunda parte.
Alguns tópicos deste trabalho são retomados de apostilas nossas anteriores, principalmente da Apostila sobre a Ressurreição.
A presente Apostila foi elaborada originariamente em 1983. Passou por sumária revisão. Vai passar por revisão e atualização necessárias neste ano de 2008, Ano Paulino.  A bibliografia já está relativamente atualizada, pois os trabalhos sobre Paulo e sua teologia são incontáveis. A Apostila contém ainda incorreções lingüísticas, de digitação e quiçá teológicas! O trabalho foi feito inicialmente para o uso particular dos alunos do CIFT (Capuchinhos de São Paulo) e do Instituto Teológico de Campo Grande (MS) e agora, re-elaborado para a FAJOPA  (Faculdade de Teologia João Paulo II)  de Marília
Que a Palavra de Deus ilumine o nosso caminhar
              Nova Veneza, julho de 1983
   Marília, agosto de 2008 (revisão parcial  e atualização)
                               Frei Mauro A. Strabeli




   

I - SÃO PAULO


Uma síntese da vida de São Paulo é feita por ele mesmo:
 “Eu sou judeu, nascido em Tarso, na Província romana da Cilícia, cidade de certo renome”. Fui criado e educado na mais estrita fidelidade aos princípios e normas do judaísmo. Cidadão romano por direito. Eduquei-me na cidade de Jerusalém, aos pés do famoso mestre Gamaliel, na acurada observância da Lei de nossos pais, tal como é interpretada pelos fariseus.

Era tão zeloso da tradição do meu povo que eu em breve progredi muito mais na minha fé religiosa do que a maioria dos meus contemporâneos. Poderia até dizer que era irrepreensível na minha observância à Lei do A.T.”(cf. At. 21,39; 22,3;22,28; Gl.1,13-14; Fl.3,5-6).

Segundo um apócrifo do século II, chamado “Os Atos de Paulo e Tecla”, ele era “um homem de pequena estatura, fronte calva e pernas tortas; fisicamente bem disposto, de sombracelhas cerradas e nariz ligeiramente encurvado; sempre afável e cordial; ora externava a natural condição de simples mortal, ora externava a natural condição de simples mortal, ora ostentava o semblante de um anjo” (Cf. Apocrifi Del NT (Torino, 1975) p. 1084 n.3).
Depois de curta permanência na sua terra foi para Jerusalém, onde se filiou à Escola de Gamaliel, neto e sucessor do grande Rabi Hillel (60 aC – 20 dC mais ou menos). Hillel era um mestre mais liberal e progressista; ao contrário de Shammai, mais radical e conservador.
Da tradição de Hillel Paulo tirou proveito, principalmente dada a abertura universalista de Hillel, que considerava pagãos participantes também da salvação de Deus. Essa temática de “salvação universal” vai marcar toda a sua teologia.


Paulo foi formado não só na observância da Lei, mas também na tradição farisaica. Exemplos dessa formação e tradição aparecem nas suas cartas. Os fariseus, p.ex., acreditavam que Deus dirigia todos os acontecimentos da História para um fim: a vinda do Messias. Paulo retoma essa linha em Rm 9-11, acrescentando porém, que o Messias já viera na pessoa de Jesus Cristo.
Os fariseus, ainda ao contrário dos saduceus criam numa vida futura e na ressurreição dos mortos. Paulo relê toda essa crença pela ótica cristã, principalmente em 1Cor. 15 (Cf. tb. At. 26,6-8).
E assim outras marcas tradições farisaicas: apego as Leis, defesa das tradições.
Distancia-se porém, dos fariseus quanto à observância minuciosa e escrava da Lei. Os fariseus eram legalistas. Paulo vai falar do “espírito da Lei” e da força do Espírito Santo na observância da lei (Rm 8,3.12.13.26).
Afora a cultura e tradição judaicas, Paulo ainda absorveu as culturas grega e romana. Nas suas Cartas e nos Atos aparecem estratos desse fundo cultural de Paulo. Em Cl. 1,16-17, por ex., quando fala em Cristo tudo subsiste, faz alusão sem dúvida aos mitos e doutrinas estóicos que conhecia muito bem; faz citação de dois poetas gregos: At. 17,28 e Tt.1,12.
Dos romanos adota o nome Paulo (pequeno), muito comum na arvore genealógica da gen Emília. (Saulo: o que sobressai;  SauloV  efeminado)
Não é pelo fato de ser um homem de tríplice cultura que se possa dizer que ele seja produto delas ou que as teve em grande apreço. Depois que descobriu Jesus Cristo, como ele diz, tudo isso passou a ser nada para ele; era tudo isso “refugo” (Fl.3,8).

Conversão

Fiel às tradições dos pais e à Lei, Paulo não só as observava, mas ainda as defendia ardorosamente.
Certamente Paulo ouviu falar de Jesus Cristo e talvez o considerasse u profeta. Mas com a morte de Jesus, Paulo não permitiu que os seus seguidores contrariassem a Lei propondo e vivendo um estilo de vida e


de crenças contrário a tudo o que ele vendo um estilo de vida e de crenças contrário a tudo o que ele aprendera e vivia. Eles tinham-se tornado uma ameaça ao sistema religioso tradicional hebraico. Paulo resolveu atacá-los.
Os cristãos, com a morte de Estevão, tinham-se espalhado, por medo. Muitos foram para Damasco, que era uma cidade independente que recebia refugiados. Ali estariam os cristãos mais tranqüilos e podiam formar novas comunidades.
Sabendo Paulo que o Sumo-sacerdote podia dar autorização para extraditar judeus criminosos, foi pedir lhe licença para extraditar os cristãos judeus. Obteve-ª na viagem para Damasco dá se o episódio de sua conversão (At.9,1-2). Foi uma experiência pessoal de Paulo. Vem relatada três vezes nos Atos, e os relatos são iguais . Em At.9,3-19 é Lucas quem relata brevemente o acontecido; em 22,6-16, é Paulo quem faz o relato para o povo e em 26,9-23 é Paulo quem novamente relata o acontecido para o Rei Herodes Agripa II.
O fato de os relatos não coincidirem plenamente mostra que não foram eles uma invenção de Lucas. Se fosse dele a história, teria o cuidado de ser coerente nas narrações.
A partir da “visão”, Paulo toma outro caminho na sua vida religiosa:
“Não fui rebelde à visão celeste”, diz ele a Agripa (At. 26,19). De perseguidor da fé cristã, passa a ser o seu advogado. Vai para Damasco e passa depois a pregar a fé cristã nas sinagogas, deixando perplexo todos os judeus.
Depois de algum tempo fugiu de Damasco porque os chefes judeus queriam matá-lo (At.9,23-25). Foi para Jerusalém. Aí se encontrou com Pedro (Gl.1-18-19). A seguir foi para Cilícia e Síria (Gl.1,22-24) onde ficou por muito tempo, até ser associado a Barnabé em Antioquia. Daqui, vão para Jerusalém como enviados da Comunidade (At.11,27-30).
O contacto com a Igreja de Jerusalém definiu a missão futura de Paulo: Ele seria o apóstolo para os pagãos (Gl. 2,1-10). A Comunidade de Antioquia os delega como pregadores para os pagãos (At.13-1-3).

 

Missão


Paulo e Barnabé partem para Chipre e aí pregam ao cônsul romano Sérgio Paulo (At.13,6-12). É esta a Primeira Viagem Apostólica de Paulo. (A partir desse capítulo 13 os Atos dos Apóstolos deixam de chamar o apóstolo de SAULO, e passam a chamá-lo pelo nome romano de Paulo).
Nessa PRIMEIRA VIAGEM APOSTÓLICA (46-48) Paulo e Barnabé evangelizam e formam as Comunidades de Chipre, Antioquia da Psídia e Listra. Voltaram para a Antioquia da Síria (cf. mapas anexos).
A SEGUNDA VIAGEM APOSTÓLICA é realiza entre 49-52. Paulo viaja com Silas. Nessa viagem faz dois grandes discípulos:Timóteo e Lucas (At15.30-33). Alcançaram a Frígia, Galácia, Filipos, Tessalônica, Atenas (onde Paulo discursa no Areópago) e Corinto (At.16-18).
A TERCEIRA VIAGEM APOSTÓLICA é realizada entre 53-58. Partiu Paulo da Antioquia da Síria. Ficou mais tempo em Éfeso e Corinto. Daqui, fez visitas a Filipos, Tessalônica e Beréia. (At.20,1-25).
De Éfeso onde teve problemas com as autoridades religiosas, por causa de suas pregações, ele volta para Jerusalém, com intenção de seguir para Roma e Espanha (At.20,2-3; Rm.15,25-27). Sua intenção em visitar Roma era a de pregar lá o “seu” evangelho. Roma já fora evangelizada e existia lá uma florescente Comunidade. Aí também se faziam sentir os efeitos dos judaizantes (obrigando os convertidos a observarem também à Lei de Moisés). O “Evangelho de Paulo” é fundamentalmente libertação da escravidão da Lei. Por isso, resolveu ir a Roma. Antes esteve em Jerusalém. Visitou o templo juntamente com alguns fiéis convertidos do paganismo. A presença de gentios no Templo irritou os judeus, pois era isso uma profanação e um crime (At.21,27-29) Paulo é ameaçado de morte, mas salvo pelo comandante romano, que temia uma rebelião no Templo (At.21,30-33). Foi Paulo levado para o Sinédrio para ser julgado; aí Paulo espertamente jogou os saduceus contra os fariseus e acabou não havendo o julgamento (At. 23,1-11). Por isso alguns judeus radicais resolveram por conta matar Paulo e


fizeram armadilha, descoberta pelo sobrinho de Paulo e comunicada ao comandante romano, o qual providencia a remoção dele para a Cesaréia à noite (At.23,12ss). Em Cesaréia ele é julgado pelo procurador Félix. A acusação era não só a de ter profanado do Templo (religiosa) mas a de ser ele um agitador público (social). Nesse tempo, porém, Félix é substuído por Pórcio Festo (mais ou menos 59dC.). Este para agradar aos judeus deixou Paulo na prisão e propôs que fosse julgado em Jerusalém. Paulo como cidadão romano apelo para César, isto é para ser julgado pelo imperador em Roma (At.25-1-12).
Com a ida de Agripa II a Cesaréia para saudar o novo procurador, Paulo foi-lhe apresentado e tendo impressionado o rei este resolveu de fato envia-lo a Roma (At26).
Paulo é enviado para Roma, viajando numa nave carcerária (At27) que levava criminosos para as lutas e espetáculos nos anfiteatros romanos. Paulo desembarcou em Pozuoli (hoje), antiga Puteóli, perto de Nápoles e foi bem recebido pelos cristãos de Roma (At.28,14-15). Em Roma Paulo realiza o antigo desejo de evangelizar os romanos (como At. 23,11 o dissera).
Os Atos terminam com a chegada de Paulo a Roma, em Roma, ele permaneceu em prisão domiciliar. Nesse tempo manteve os contatos com a Comunidade romana e com os chefes da igreja local. Pregou também para os judeu-romanos. Muitos aceitaram a sua mensagem, outros a rejeitaram (At.28,17ss).
Paulo ficou preso em Roma por dois anos (62-64). Morreu certamente no ano de 64, martirizando na perseguição de Nero, segundo a tradição cristã e a História Eclesiástica, de Euzébio. Outros colocaram sua morte em 67, depois de ter sido libertado, viajado de novo, escrito as Pastorais[1] e novamente preso e então martirizado.



II . AS CARTAS PAULINAS


No Novo Testamento 13 Cartas trazem o nome de Paulo. Dessas 13 cartas, hoje são consideradas autenticas, isto é, de indiscutível autoria paulinas apenas 7: Romanos, 1a e 2a. Coríntios, Gálatas, Filipenses, 1a. Tessalonicenses e Filêmon. Duas outras 2a Tessalonicenses e a Carta aos Colossenses são também consideradas paulinas por muitos estudiosos, embora com algumas ressalvas ou mesmo contestações. As demais cartas chamadas “paulinas”, têm inspiração de Paulo ou foram escritas sob seu nome e autoridade, mas nem sempre são integralmente fiéis à sua doutrina. Hoje se discute bastante esse tema nos estudos bíblicos.
Seguindo a opinião mais comum, podemos considerar como autenticidade paulinas, não são sete citadas, mas também a 2a aos Tessalonicenses e a carta aos Colossenses.
As cartas de Paulo e outras a ele atribuídas podem ser divididas em três grupos:
AS GRANDES CARTAS: Romanos, 1a e 2a Coríntios e Gálatas. (a essas podemos anexar a 1a e 2a aos Tessalonicenses; não como grandes cartas mas como primeiras cartas escritas).
AS CARTAS DO CATIVEIRO: Filipenses, Colossenses, Efésios e Filêmon.
AS CARTAS PASTORAIS: 1a e 2a Timóteo e Tito.
O conjunto de todas essas cartas é chamado “Corpus paulinum”.

1. Cronologia das Cartas

É muito difícil, senão impossível, datar corretamente as Cartas de Paulo.De uma ou outra se tem a data certa, ou pelo menos aproximada. A maioria delas, porém escapa a uma datação exata. Como diz o ditado, “são tantas as sentenças quanto as cabeças. Uma infinidade de autores fornece também uma infinidade de datas. Fazendo uma média do que se estuda ou se


escreve hoje sobre a cronologia das cartas, podemos ter o seguinte cronograma:
ANO 50-51: 1a e 2a Tessalonicenses
ANO 56-57: Gálatas
ANO 57: 1a Coríntios e Romanos
ANO 57-58: 2a Coríntios
ANO 62-63: Filipenses, Colossenses, Efésios e Filêmon. (Os anos dos cativeiros são discutidos. Não se tem certeza em qual deles foram escritas tais cartas; há argumentos para cada um deles: Cesaréia, Roma. Hoje em dia prefere-se a data do cativeiro romano).
ANO 64-66: Pastorais (consideradas como não-paulinas, uma vez que ele morreu em 64, segundo boa parte dos comentaristas. O recente Dicionário de Paulo propõe o ano 65 (com restrição) Se for admitido um segundo cativeiro romano, então poderiam ser-lhe atribuídas; embora os argumentos teológicos e contrários sejam muitos fortes).
Nem todas essas datas são aceitas por todos. Com base nos Atos e nas próprias Cartas os autores chegam conclusões diversas. E os mesmos argumentos servem para justificar posições opostas. Principalmente quando se trata das cartas do cativeiro: qual deles? A cronologia que colocamos aqui está baseada nos trabalhos da Equipe do “Messagio della salvezza” (vol.7),  de Grelot em Introduzione al Nuovo Testamento, na edição italiana  Nuovissima Versione della Bibbia (vol 2),  na Bíblia de Jerusalém (1981); e no  citado Dicionário de Paulo e suas cartas (2008).

2. Contexto histórico das Cartas

a) Cartas a Tessalônica,


A cidade de Tessalônica, segundo os historiadores, foi fundada em 315aC.  Pelos macedônios. Era uma cidade livre, tendo o seu próprio Senado ((boulh), sua própria Assembléia popular (At. 17,5: dhmos) e os seus politarcas (At. 17,8) que eram os magistrados e chefes do povo.


Havia em Tessalônica uma sinagoga judaica (1Ts. 2,14-16; At. 17,2) o que significa que os judeus eram muitos na cidade.
Foi na segunda viagem apostólica (49-52) que Paulo e Silas evangelizaram Tessalônica, provenientes de Filipos (At16,39 ss) Pregaram na sinagoga e como não foram acolhidos pelos judeus, passaram a reunir-se na casa de Jasão, onde os judeus os incomodaram também (At. 17,2ss). Paulo ficou pouco tempo em Tessalônica. Fundou a comunidade e partiu depois para Corinto. É em Corinto que fica sabendo do progresso e das dificuldades dos tessalonicenses. Escreve-lhes então duas Cartas, com as quais orienta a comunidade. A comunidade era hostilizada pelos judeus; Paulo na Primeira Carta refuta as calúnias que os judeus faziam contra ele e contra a comunidade. Em seguida dá orientação sobre moral sexual já que problema nesse sentido tinha surgido na Comunidade (4,1-22) e conclui a Carta esclarecendo problemas teológicos da Parusia e da vida futura, uma vez que os tessalonicenses julgavam iminente a vinda do Senhor e preocupavam-se com a sorte dos vivos e dos defuntos (4,13-5,1-11).
Na Segunda Carta, menor do que a primeira, ele esclarece melhor o seu ponto de vista sobre o fim dos tempos, dizendo que a Parusia está de fato iminente; porém, será antecedida pela apostasia e pela manifestação do ímpio. Este, porém, será impedido por algum obstáculo.
Mas a vinda do Senhor porá fim ao falso triunfo do Ímpio, e o Senhor julgará os que se deixaram seduzir pela impiedade (2,1-12).

b) Carta aos Gálatas


Esta seria a segunda Carta de Paulo em ordem cronológica, logo após as duas aos Tessalonicenses. É colocada entre os anos 56-58 por muitos autores. Outros a colocam muito antes: ano 48! Seria ela então a primeira carta paulina escrita. O motivo dessa discrepância é a não identificação da cidade dos gálatas. Joga-se com duas alternativas: uma Gálacia do norte, outra Gálacia do Sul. A Gálacia antiga é a atual Turquia. Endereçando a Carta, Paulo escreve “as Igrejas da Gálacia” (1,2) e chama


os leitores de gálatas. A menção é ampla, atinge a toda a região onde habitava o povo celta (atual Turquia). Mas pelos Atos, 16,6 sabe-se que Paulo visitou essas regiões só a partir da segunda e terceira viagens missionárias (49-52 e 53-58). Portanto não poderia ter escrito a Carta em 48. Todavia, a arqueologia descobriu que havia naquele tempo a província de romana da Gálacia, que compreendia dois reinos: do norte e do sul (a Licaônia). Essa região, Paulo a evangelizara na primeira viagem (46-48), fundando as comunidades de Listra, Derbe e Icônio. Sendo assim, é possível que a Carta tenha sido escrita em 48 mesmo, e endereçada aos gálatas do sul.
A posição mais comum hoje, é a que estabelece a data de 56-58. E o motivo é que essa Carta é muito semelhante à dos Romanos quanto à doutrina. A carta aos romanos foi escrita sem dúvida pelo fim de sua terceira viagem (53-58), mais ou menos em 57. Por isso a Carta aos Gálatas é colocada nessa data (56-57).
A temática da Carta é a da polemica e da apologética. Paulo polemiza com os judaizantes, ramo de judeu-cristãos que queriam obrigar os convertidos pagãos a seguirem também a Lei e os costumes judaicos; criticavam a liberdade que Paulo pregava e o seu universalismo salvífico. Nessa Carta, Paulo faz profundas reflexões teológicas sobre a Lei, obras da Lei, justificação e sobre a fé. (Cf. Gonzáles-Ruiz, op.cit.p.50ss.; GRELOT, op.cit., p.32ss.; DRANE, op.cit.,p.68ss.

c) Carta aos Romanos

Roma era a capital do império. Por esse tempo, deveria ter, segundo os historiadores, cerca de um milhão de habitantes. A maioria pertencia a classe popular: plebeus, libertos, escravos e imigrantes. A classe alta pertencia: a aristocracia senatorial, os decuriões e os nobres (“Decurião era um oficial do exército. O exército romano estava fundado sobre a divisão em 30 cúrias;cada cúria devia fornecer uma centúria, isto é cem soldados e mais uma decúria, isto é cem soldados e mais uma decúria, isto dez

cavaleiros com seus cavalos. Reunidas as trinta centúrias e as trinta decúrias formava-se a legião (três mil e trezentos soldados)” (Cf. INDRO M., op, cit.p.21).
Havia em Roma colônias de imigrantes, e dentre esses, os judeus formam um grupo numeroso e com certa influencia. Foram expulsos de Roma por Cláudio em 49, mas começaram a voltar, quando Cláudio morreu em 54. Os Atos 18,1-3 falam que Paulo encontrou em Corinto Áquila e Priscila, sua mulher – judeus expulsos de Roma.
Não se conhece bem a origem da comunidade cristã romana. Sabe-se que era uma comunidade viva, composta de judeus cristãos e greco-cristãos. É para esse grupo que São Paulo escreve. Mas nem ele nem os Atos falam da presença de Pedro em Roma. A primeira informação nesse sentido aparece no século I com a carta de São Clemente (I Clem. 5,1-6,1) e depois confirmada por Inácio de Antioquia. A 1º Pe. 5,13 é a única alusão à Igreja de Roma feita pelo próprio Pedro.
A Carta aos Romanos é colocada pelo fim da terceira viagem apostólica de Paulo (53-58); aí pelo ano 57. A Carta foi enviada de Corinto como preparação de sua ida a Roma e exposição de sua doutrina, que conflitava com os ensinamentos e tradições do judaizantes. A Carta retoma e a profunda a temática da carta aos Gálatas: a Lei, obras da Lei, a justificação e a fé. (Cf. GRELOT, op.cit. 111ss).

d) Primeira aos Coríntios

A comunidade de Corinto foi fundada por Paulo ao fim de sua segunda viagem missionária (49-52) cf. At.18.
A cidade de Corinto era grega;muito rica. Estava situada no istmo entre os dois braços do mar e por isso tinha grande movimento nos seus dois portos. O movimento de barcos marinheiros e passageiros, fez de Corinto uma cidade bastante dissoluta. De tal modo que havia o ditado que aconselhava não ser conveniente a qualquer um ir a Corinto; rodava, na roda viva.


Religiosamente a cidade era dominada pelo politeísmo, com deuses e deusas gregos, romanos, egípcios. Socialmente as classes eram profundamente distintas: grandes senhores de um lado e a massa imensa de pobres e marginalizados de outro. No tempo de Paulo, Corinto era a capital da Província romana da Acaia.
Foi do meio dos pobres e marginalizados que nasceu a Comunidade cristã fundada por Paulo (1Cor. 1,26ss.) Uma comunidade que teve muitos problemas, exatamente pelas diferenças sociais que existiam na sociedade e pelos costumes e comportamento do povo. Além disso as idéias religiosas e filosóficas eram alimentadas pelo grande número de filósofos, sofistas e sábios que pulavam na cidade. A mensagem cristã encontrou, por isso, muitas dificuldades para penetrar na cultura grega dos Coríntios.
Para essa Comunidade Paulo escreveu várias vezes. Pelas duas Cartas canônicas, sabe-se que ele escreveu quatro vezes, para essa Comunidade. Pelo fim de 55 ele escreveu uma primeira Carta, hoje perdida (cf. 1Cor.5,9). Em 56 escreve de novo, dado que recebeu más noticias da Comunidade (1Cor.1-11: “há contendas”. Esse escrito é a atual Primeira Carta. Pelo meio do ano 56 sabe que a Comunidade não mudou em nada, apesar da Carta enviada e da ida de Timóteo para lá (1Cor. 4,17). Paulo vai de Éfeso para lá, para uma breve visita (2 Cor.12,14;13,1-2). Pelo fim do ano escreve outra carta, também perdida. Essa Carta é a chamada “Carta das Lágrimas” (2Cor.2,4;7-8). Paulo foi expulso de Éfeso, e indo para a Macedônia encontrou Tito que lhe deu boas notícias da Comunidade de Corinto.
Paulo escreve-lhe então outra Carta (57 mais ou menos), que é a atual Segunda Carta aos coríntios, onde expressa a sua alegria.
Na atual primeira Carta, Paulo fala das divisões da comunidade e dos escândalos que havia aí (1-6: partidos, sabedoria humana e não de Cristo, incesto, recurso a tribunais pagãos contra os irmãos, dissolução sexual); nos cap. 7-15 fala dos problemas que a comunidade vive e propõe soluções (matrimonio e virgindade (7), celibato (7), eucaristia (11) abuso dos carismas (12), máximo carisma (13) e ressurreição (15).

 

e) Segunda aos Coríntios


Foi escrita em 57 mais ou menos. Como se disse, é uma Carta onde Paulo expressa a sua alegria pela conversão da Comunidade e na qual trata também de outros assuntos como os relacionamentos entre o pregador da Palavra e os ouvintes; a esperança da vida futura, a salvação; e fala da coleta que estava organizando em favor da Comunidade de Jerusalém.

f) Carta aos Filipenses

Essa Carta é colocada pelos estudiosos no período do cativeiro. Uns opinando que foi escrita no cativeiro de Éfeso (57-58), outros no de Roma (61-63).
Pelo texto parece de fato uma carta escrita da prisão. O único cativeiro registrado nos Atos é o de Roma. O de Éfeso é deduzido das Cartas paulinas (“lutei contra as feras em Éfeso” 1Cor. 15,32; “tribulação que padecemos na Ásia” 2 Cor. 1,8; “meus companheiros de prisão” Rm. 16-7; “as minhas prisões” Fl1,12ss.) Há ainda o “cativeiro” de Cesaréia, que se deduz de At.23-26 e que deve ter durado dois anos.
O tempo em que escreveu essa Carta os autores discutem. Dividem suas opiniões entre os cativeiros de Éfeso e Roma, já que foi nesse tempo que Paulo escreveu Cartas. Colocamos a Carta como “carta do cativeiro”, preferido com as novas propostas o cativeiro de Éfeso (cf. BÍBLIA VOZES, p. 1391), se bem que o cativeiro de Roma é o mais comumente aceito.
A Comunidade para a qual Paulo dirige a Carta localizava-se na cidade de Filipos. Cidade ao norte da Grécia, perto de Tessalônica.
A Comunidade foi fundada por Paulo durante a segunda viagem missionária (49-52), conforme At. 16,11ss. A Comunidade de Filipos começou com a conversão de Lídia.
Filipos localiza-se na Província da Macedônia ao norte da Grécia. O nome provém de Felipe II, pai de Alexandre Magno, que a conquistara em 365 aC. Em 168 passou para o domínio romano. A população era composta

de cidadãos gregos e muitos imigrantes, principalmente veteranos de guerra. Os hebreus eram uma minoria, visto não possuírem sinagoga na cidade (At. 16,13).
Paulo passou duas vezes ainda por Filipos durante a terceira viagem missionária (At. 20,1-6). A Comunidade de Filipos era muito bem estruturada. Ajudou também financeiramente a Paulo.
A Carta não foi escrita para explicar alguma doutrina, defender posição ou combater erros. É uma carta. Paulo estava preso (Éfeso provavelmente) e a Comunidade de Filipos enviou um mensageiro com ofertas para ajudá-lo, e ainda para oferecer os préstimos da Comunidade naquilo que Paulo necessitasse. O enviado (Epafrodito) ficou doente e quando recuperado retornou a Filipos levando essa Carta de Paulo (Fl. 2,25-30).
Não obstante seu caráter pessoal, amigável, a Carta contém dois pontos doutrinários importantes: um, cristológico (2,5-11) e outro teológico (justificação pela fé) (3,9)

 g) Cartas aos Colossenses, Efésios e Filêmon


As duas Cartas (Cl e Ef.) e o bilhete a Filêmon formam um só bloco nesse grupo das Cartas do Cativeiro. Pode se juntar a esse grupo, como se viu, a Carta aos Filipenses. Todavia separamos a carta aos Filipenses das cartas desse grupo porque ela parece ter sido escrita no cativeiro efesiano, quando estas últimas e o bilhete a Filêmon parecem terem sido escritos no cativeiro romano. Todavia são problemas históricos e cronológicos nunca resolvidos – como já assinalamos. Por questão metodológica separamos as cartas do cativeiro em dois períodos: o efesino (Filipenses) e aqui o romano (Ef. Cl. e Fm.)
Uma vez colocadas no período romano, não vamos discutir nem os argumentos pró e nem os argumentos contra tal período da composição paulina. Os autores não chegaram e nem chegarão a um denominador comum. É difícil chegar.


Tais cartas são chamadas “do Cativeiro” porque em todas elas Paulo deixa claro que está preso (Fl.1,7.12-17; Fm.1.9.10.13.23; Cl.4,3.10.18; Ef. 3,1;4,1;6,20)
Não se pode todavia deduzir das próprias Cartas, de qual prisão ele escrevia. Paulo esteve preso muitas vezes. Prisões de alguns dias, e prisões por mais tempo. Os Atos já notamos – falam do cativeiro de dois anos em Roma. Prisão domiciliar, por ser ele cidadão romano (28,30-31); mas deixam claro que ele esteve preso em Cesaréia por dois anos também. É um tempo de ataques e defesas. Não foi tempo de reflexão e de redação de Cartas. A prisão de Éfeso é deduzida de suas Cartas. Desse período provavelmente é a Carta aos Filipenses.
As Cartas aos colossenses, aos Efésios e a Filêmon são muito afins entre si, por enumerarem os mesmos companheiros de Paulo (Cl.4,10-14 e Fm 23-24); a mesma missão de Tíquico (Cl.4,7; e Ef. 6,21ss) e a mesma missão de Onésimo (Cl. 4,9 e Fm. 12). Por outro lado há muita semelhança de doutrina entre Colossenses e Efésios. Paulo os escreve da prisão, que deve ser a de Roma em 61-63.

Colossenses

Colossos ou Colossas era uma cidade da Frigia (hoje Turquia). Localizava-se na costa ocidental, mais ou menos – próxima do mar Egeu. Era vizinha das cidades de Laodicéia, Hierápolis, Éfeso e Mileto. (Vizinha não... mesma região!). Quando Laodicéia tornou-se a capital da Frigia, Colossos decresceu e declinou. Depois de muitas vicissitudes políticas passou finalmente para o pode dos romanos. Subsistiu até 628dC., quando um terremoto a destruiu. A partir de então desapareceu por completo.
A comunidade cristã dessa cidade foi fundada por Epafras (Cl.1,7-8;4,12-13), assim como as comunidades de Hierápolis e Laodicéia, durante o apostolado de Paulo em Éfeso (54-57 mais ou menos).
A autoria paulina desta Carta é atestada pela Tradição eclesiástica primitiva. Santo Irineu e Santo Inácio a citam como paulina. Alguns críticos modernos duvidaram da autenticidade paulina devido ao

vocabulário: nessa Carta há muitas palavras que nunca aparecem demais Cartas paulinas; também a cristologia desta Carta (que é bastante desenvolvida em relação as grandes Cartas) foi motivo de dúvida. Nessa Carta São Paulo desenvolve o tema da soberania de Cristo sobre os poderes do cosmo. Mas isso não é motivo que impugne a autenticidade; pelo contrário, mostra que Paulo desenvolveu e aprofundou mais a temática que esboçara nas grandes Cartas.
Como esta Carta é muito próxima da Carta aos Efésios e ao Bilhete (Carta) a Filêmon, e como ainda o portador de ambas é o mesmo (Tíquico), e ainda mais, Paulo cita Onésimo nessa Carta (4,9), coloca-se como data quase certa de sua composição os anos 61-63, quando Paulo está preso em Roma. Nesse tempo também escreveu as Cartas ao Efésios e Filêmon.
A Carta é dirigida a Comunidade. Colossos como se disse foi fundada (como comunidade) por um discípulo de Paulo: Epafras. Este veio visitá-lo na prisão e lhe trouxe os problemas de sua comunidade: falsos doutores que pregando doutrinas gnóstica perturbavam a Comunidade (Doutrina gnósticas eram ensinamentos certos e certas praticas religiosas ligadas à filosofia e muito ao ocultismo, para pedir a influência dos deuses). A palavra “gnóstica” é grega e significa: conhecimento. O princípio dessa doutrina é este: em toda a religião há uma fé comum, que basta para o povinho. Os verdadeiros sábios e doutores, porém, devem procurar a verdadeira ciência (gnose) o verdadeiro conhecimento, que o povinho ignora.
São Paulo envia essa Carta aos Colossenses expondo o papel de Cristo. Os Colossenses, por causa da doutrina gnóstica, atribuíam já, muitos poderes às forças ocultas do Universo (chamadas “Potencias do ar”). Essas forças comandavam o mundo, o cosmos e comprometiam a soberania e o poder de Cristo, que como o Senhor deveria dominar todas as coisas. São Paulo diz que se há potestades no mundo, elas serviram aos homens até agora. Com a vinda de Cristo essa função das potestades terminou. Cristo começou nova ordem de coisas no mundo, pois Ele é agora o Kyrios que assumiu o governo do mundo, sujeitando a si todos os demais poderes do mundo (2,8.20) os cristãos não devem colocar-se mais sob o domínio dessas


forças por meio de observâncias ultrapassadas e sem valor (2,16-23), mas uma vez que foram batizados, estão agora unidos ao Corpo de Cristo, ressuscitado, do qual Ele é cabeça. È dessa cabeça agora que os cristãos recebem a força, a dínamis, e não mais de “potestade” (2,19). E a libertação de Cristo não se estende apenas à humanidade, mas também a todo o universo, que passa assim, de modo indireto – através do homem salvo – ao domínio de Cristo. Cristo é então o Cabeça de todo este vasto universo, que é o seu corpo. (Aqui São Paulo amplia a noção de “Corpo de Cristo” que ele esboçara na 1Cor.12,12). Com isso há uma dilatação cósmica da obra de Cristo. Cristo, que já dominava todas as coisas como Filho, imagem do Pai (1,15), agora domina o cosmo definitivamente, com sua nova criação (redenção), pela qual Ele assumiu toda a plenitude do ser, de Deus e do mundo em Deus (1,15-20). São Paulo chama a essa plenitude total de Cristo “PLEROMA”.

Efésios

Éfeso era uma cidade da Frigia também (atual Turquia), próxima do mar Egeu. Fundada no século XI aC foi colonizada pelos gregos. Tornou-se cidade romana em 129aC. E foi feita capital da Província romana da Ásia menor.
O nome da “Carta aos Efésios” não é exato, porque falta esse endereçamento na própria Carta. Paulo sempre coloca o destinatário de suas cartas na saudação inicial; isso não existe na Carta aos Efésios. Os melhores códices e manuscritos antigos não trazem a especificação “em Éfeso” na saudação inicial. Essa omissão é coisa insólita em Paulo.
É estranho também que a Carta não faça aceno a Timóteo, que era conhecidíssimo em Éfeso e vem citado nas demais Cartas da prisão. Paulo não faz também nessa Carta as saudações pessoais que sempre faz nas demais.


Na Carta aos Colossenses, Paulo faz referencia a uma Carta:
“Uma vez lida essa Carta entre vós, fazei com
que os seja também na Igreja de Laodicéia.
E vós, lede a de Laodicéia” (Cl.4,16).

Não há no cânon nenhuma Carta aos laodicenses. Existe uma apócrifa, composta na Igreja primitiva exatamente para cobrir essa falha. É uma colcha de retalhos das demais Cartas paulinas. Hoje os exegetas e estudiosos acreditam que a Carta aos Efésios é uma cópia da Carta autenticada de Paulo aos Laodicenses. Essa Carta aos laodicenses seria uma circular de Paulo para as diversas comunidades. Não tinha um endereço só. Em cada cópia colocava-se o nome da Comunidade à qual se enviava a Circular. As palavras em “Efésios” (Ef. 1,1) estariam na cópia que foi para Éfeso; as palavras em “Laodicéia” (Cl. 4,16) estariam na cópia que foi para Éfeso; as palavras “em Laodicéia” (Cl. 4,16) estariam na cópia que foi para Laodicéia (e que se perdeu).
Essa Carta (ou Circular) foi escrita logo após a Carta aos Colossenses (61-63) visto que o tema de Colossenses (61-63) visto que o tema de Colossenses é desenvolvido nesta aos Efésios. Retoma e amplia conceitos já expostos na Carta aos Colossenses. Nesta foi exposta e defendida a superioridade de Cristo sobre as potências cósmicas, pois Ele é o primogênito da criação (Cl 1,15-20) e o Redentor (2,10-15) e por isso foi entronizado à direita de Deus (Cl 3,1) Cristo é a Cabeça deste vasto Universo, que é o seu Corpo. Esse Corpo de Cristo é a Igreja cósmica, da qual Cristo é a Cabeça. Ele não é Cabeça do Cosmo, mas cabeça da Igreja. Nessa Carta aos Colossenses, Paulo distingue a Igreja de aquele que é a Cabeça.
Em Efésios, Paulo retoma o mesmo tema: Igreja, Corpo de Cristo.  Em Efésios, é a Igreja o Corpo de Cristo e não o cosmo, como em Colossenses. O Cristo, superior a todos os potenciais, entronizando nos céus, é a Cabeça desta Igreja, seu corpo.
Mas um corpo físico, formado agora por toda a humanidade salva por Cristo.
Ela reúne a todos num só Corpo, do qual Cristo é a cabeça. Esse é o “grande mistério” de que Paulo fala (Ef. 1,9;3,3-6.9;6,19; Cl. 1,27;2,2;4,3).

Essa Igreja é assim, também ela, o PLÉROMA, a plenitude daquele que plenífica tudo (1,23), ou seja, ela é o Corpo de Cristo ampliado segundo as dimensões do mundo. Se a Cabeça de (Cristo) e o Corpo (a Igreja) são distintos entre si, todavia são unidos inseparavelmente entre si também – assim como o esposo e a esposa. Por isso o amor matrimonial é um sinal do amor de Cristo pela Igreja, à qual Ele está unido para sempre (Ef. 5,23-32).

Filêmon

Essa Carta é mais um bilhete que Carta. Tem apenas 25 versículos. É contemporânea a Colossenses e Efésios. Paulo anuncia a um seu amigo, Filêmon, cristão, a volta de um seu escravo que fugira e fora encontrar Paulo em Roma. Aí foi recebido, instruído e batizado por Paulo. Em seguida, devolvido ao antigo patrão. Nesse bilhete de recomendação, Paulo mostra Filêmon que não pode haver mais escravidão entre os cristãos. Ele e Onésio, o escravo, são agora irmãos em Cristo. A Carta-bilhete foi escrita entre 61-63, tempo do cativeiro romano de Paulo. 

h) As cartas pastorais

São chamadas “Pastorais” as duas Cartas a Timóteo e a Carta a Tito. Diferentemente das demais que foram escritas para Comunidades, estas foram enviadas as pessoas. Tratam especificamente de temas ligados à direção, governo, organização da Comunidade. São dirigidas aos pastores das Comunidades.
As três cartas são muito semelhantes entre si quanto ao estilo, tema tratado e forma. Mas em relação às demais cartas paulinas são inegavelmente distintas, diferentes e até opostas a elas quanto ao estilo, tema e forma. Por isso nega-se que Paulo seja o autor das Pastorais.
A atribuição de autoria paulina às Pastorais aparece no século II. Mas já naquele mesmo século havia duvidas. A partir do século XIX a critica levantou grandes dificuldades contra a autoria paulina das pastorais. Um exame literário mostra que o estilo e o vocabulário usados nas Pastorais e nas Cartas paulinas são muito diferentes. Há pelo menos 306 palavras das

Pastorais que nunca apareceram nas Cartas paulinas. Há 355 palavras que não aparecem nem no Novo Testamento. O estilo paulino é vibrante, dinâmico. O das Pastorais é lento, monótono, comum.
A situação histórica que as Pastorais retratam não é a mesma do tempo de Paulo e dos Atos dos Apóstolos, embora haja um outro paralelo. Os adversários combatidos pelas Pastorais por ex. , são de outra linha: não são judaizantes, mas cristãos que desfiguram a mensagem evangélica (Tt. 1,14; 1Tm. 1,4,7) e gnósticos – coisa do séc. II (Tt.3,5; 1Tm. 4,3-5).
Se o vocabulário e a situação histórica são diferentes nas Pastorais e nas Cartas Paulinas, mais conflitante ainda é o aspecto teológico: a teologia das Cartas paulinas é oposta à teologia das Cartas pastorais; por ex., quanto à eclesiologia. A Igreja para Paulo é mais uma comunidade carismática, Igreja do Espírito, dos dons, do serviço comum. Não fala de bispos, presbíteros e diáconos como chefes da Igreja. Há apenas uma alusão a bispos e diáconos como chefes da Igreja. Há apenas uma alusão a bispos e diáconos em Filipenses 1,1, mas não se sabe que não era o que são hoje. Nas Cartas paulinas não há ordenações e nem imposição das mãos. Só aparece isso nas Pastorais e Atos.
Há ainda a dificuldade de conciliar os deslocamentos de Paulo segundo as pastorais com a sua vida segundo os Atos. Ele deveria ter sido libertado do cativeiro de Roma e posteriormente ter sido preso. Teria havido dois cativeiros romanos. Os Atos não falam desses dois cativeiros, e não falam que Paulo foi libertado do primeiro. Os Atos, como se disse terminam narrando o fim da atividade missionária de Paulo, sendo ele aprisionado e enviado para Roma (At.28).
Diante disso a crítica moderna, principalmente a protestante tem negado a autoria paulina das Pastorais. Muitos autores católicos, porém defende a autenticidade paulina das Cartas Pastorais, dizendo que Paulo as escreveu no fim da vida. O vocabulário e estilo diferentes não seriam – segundo – eles- argumentos importantes, porque as pessoas podem mudar de estilo; o estilo de Paulo – dizem – não é estático; é dinâmico e vivo, por

isso sujeito as mudanças. Quanto a teologia diferente em umas e outras cartas, tais autores sustentavam que é explicável dada à finalidade pastoral por que Paulo escreve; e quanto a organização eclesiástica, Paulo – nas Pastorais – apenas desenvolve e explicita melhor conceitos que já propusera brevemente em outras Cartas (Fl. 1,1= bispos e diáconos; 1Ts 5,12; 1Cor. 16,16). Dado que a vida interna da Igreja se modificava, crescia a Comunidade, São Paulo – sem esquecer o caráter pneumático da Igreja como ele ensinava – estabelece as estruturas para uma organização da Comunidade. Quanto a vida de Paulo – afirmam esses autores que os Atos não pretendem fornecer uma biografia completa do Apóstolo. A tradição diz que ele foi até a Espanha, como ele mesmo o desejava (Rom 15,24.28). Se isso for verdade, aconteceu depois do seu primeiro cativeiro. Nesse tempo escreveu então as pastorais.
Diante de todos os argumentos pró e contra a autoria paulina das Pastorais, a critica católica é unânime em aceitá-la (Cf. S. ZEDDA, em Messagio della salvezza, vol.7 p.678). Lembra ainda S. Zedda um Decreto da Pontifícia Comissão Bíblica de 12 de junho de 1913 (cf. EB 407-410) que declara ser posição católica a aceitação da autoria paulina das Pastorais.
Nossa opinião, seguindo muitos autores modernos é a de que as Pastorais têm alguma inspiração paulina, mas não são paulinas. As dificuldades que tais Cartas apresentam sob o aspecto histórico e teológico parecem suficientes para se negar a autoria paulina delas. A tradição católica faz muito malabarismo.
A hipótese de J.M.GONZÁLEZ RUIZ (op.cit.p.230) parece bem viável: Timóteo e Tito certamente sobreviveram muito a morte de Paulo. Um e outro aguardavam alguns textos do Apóstolo. Na velhice comentam essas lembranças e textos com suas Comunidades. Esses comentários foram recolhidos pela Comunidade efesina e cretense e colocados no elenco dos livros sagrados, como Cartas de Paulo a Timóteo e a Tito. A geração posterior a Paulo faz uma leitura dele, ou uma releitura. Tal re-leitura são as Pastorais. Teriam sido escritas em 67, depois da morte do Apóstolo (que provavelmente
foi martirizado entre 64-65).



3. CONTEÚDO TEOLÓGICO DAS CARTAS PAULINAS


Depois de vistos o contexto histórico e a cronologia das Cartas Paulinas, é importante uma análise embora breve, do conteúdo de cada uma delas. Metodologicamente veremos os três grupos: o das Grandes Cartas, o das Cartas do cativeiro, e o das Cartas Pastorais.
A) AS GRANDES CARTAS
São consideradas grandes Cartas: 1º e 2º Coríntios Gálatas e Romanos. A essas ajuntamos, não como grandes Cartas, mas como primeiras Cartas as duas aos Tessalonicenses.

a)    1ª Tessalonicenses

O conteúdo doutrinal dessa Carta está em 4,13-5,11. Tudo o mais é orientação, conselhos, defesas de ponto de vista, que Paulo transmite à comunidade.
No trecho de 4,13-5,11 ele trata da escatologia, partindo das colocações feitas pelos tessalonicenses. Tinham eles duvidas acerca da vinda do Senhor. julgavam-na iminente; acreditavam que os mortos não participariam desse acontecimento. (Os tessalonicenses – como gregos que eram não tinham idéias definidas sobre a ressurreição cristã. Era algo difícil para eles entenderem, uma vez que segundo a filosofia grega há uma distinção profunda entre matéria e espírito. O homem é matéria e espírito. A morte destrói a matéria; o espírito deve voltar para a região dos deuses. Após a morte, o espírito continua a viver uma vida diminuída, sombria, triste, numa região chamada Hades. Depois de sucessiva reencarnações é que volta definitivamente para a região dos deuses, dos quais é uma fagulha, cintila. A ressurreição que Paulo pregava para eles tessalonicenses, era entendida por eles (gregos) como uma retomada do corpo pelo espírito, para viver para sempre no além (que para eles era o Hades: lugar tenebroso, sombrio, triste). Então , ressuscitar era um mal negócio. Viver por aqui era melhor.
Perguntavam os tessalonicenses a Paulo o que aconteceria com seus mortos, diante da vinda do Senhor e da Ressurreição.

São Paulo responde: se temos fé em Jesus Cristo e na sua ressurreição, devemos acreditar que todos os mortos ressuscitarão (4,14); na vinda Dele, todos nós, os vivos e mortos seremos tomados por Deus. Os mortos ressuscitarão por primeiro e nós os vivos seremos arrebatados para ir junto ao Senhor (4,15-18).
Por esse texto percebemos que Paulo acreditava que a Parusia estava iminente, pois ele se considera vivo por ocasião da vinda do Senhor (4,15). Toda via não nem muita certeza, por isso aconselha a vigilância e preparação para receber o Senhor quando Ele vier (5,1-2).
Para descrever a Parusia, Paulo usa do esquema da escatologia bíblico judaica:
Escatologia Judaica
Escatologia Paulina
ORDEM DE DEUS
“Quando for dado o sinal...”
MOVIMENTO DO ARCANJO MIGUEL
“A voz do arcanjo...”
SOM DA TROMBETA FINAL
“Ao som da trombeta...”
RESSURREIÇÃO DOS MORTOS
“Os que morreram em Cristo ressuscitarão”
ASSUNÇÃO DOS VIVOS
“Nós os vivos... seremos arrebatados”
MARCHA PARA A TERRA DEFINITIVA, NOVO MUNDO DOS RESSUSCITADOS
“Iremos ao encontro do Senhor nos ares, nuvens...” (4, 16-17)

Em 5,1-3, Paulo recomenda que a Comunidade esteja preparada para Parusia (“Dia do Senhor”), pois ninguém sabe ao certo o tempo e a hora exata que acontecerá. Virá o Senhor como vêm os ladrões; quando menos espera. Quando a gente acha que está tudo bem, tudo em paz e segurança, aí é que pode acontecer o Dia do Senhor. Os fiéis devem, pois permanecer em estado de alerta, unidos a Cristo na fé, na esperança e caridade.
A escatologia da lº Ts.  é um eco da escatologia de Jesus (Mt.243.28; Mc13,3-23; Lc.24,5-4). São Paulo relata um dado tradicional do ensinamento de Jesus. Da porém sua interpretação pessoal sobre o tempo e o modo. O dado importante é que, Paulo quer mostrar o triunfo de Cristo na História.

 

b)   2.ª Tessalonicenses

A autenticidade da Carta era (é) discutida. O motivo é a contradição que parece existir na Carta sobre a Parusia – em relação à 1º Ts ., bem como o vocabulário desta Carta. Mas não existem argumentos comprobatórios. Hoje de admitida à autoria paulina desta carta. Nessa. 2º Carta ele re­toma o tema da Parusia e corrige sua posição sobre o tempo dela. A primeira carta alarmara os tessalonicenses, pois deixava entender que a Parusia estava próxima. Nessa 2º Carta Paulo corrige sua posição dizendo que a Parusia não está tão próxima assim, pois ela só _acontecera depois de certos sinais que a precederão: “a apostasia” (2,3) e a "manifestação do ímpio” está impedida por um "obstáculo que o detém” (2,6). Na vinda do Senhor o ímpio será destruído e serão julgados todos os que se deixaram seduzir por ele (Cf.texto).
Os três conceitos: apostasia, ímpio, (adversário) e o detentor têm dado muito trabalho aos exegetas de todos os tempos. Muitas suposições e hipóteses foram levantadas para se historicizar cada um desses personagens ou explicar esses conceitos. O "detentor" seria p.ex. o Império Romano, o Arcanjo S. Miguel etc.; o adversário, ímpio seria um personagem que apareceria pelo fim do mundo e que seria a síntese de toda a maldade dos perseguidores da Igreja de Cristo. Seria o Anticristo (Cf. Gonzáles- Ruiz, op.cit. p.54).
A apostasia aparece claramente como uma referencia ao abandono do Evangelho, da fé, que caracterizara o fim do mundo (Lc18,8).
Os exegetas discutem, porém, os outros dois conceitos: o detentor (obstáculo) e o ímpio (Anticristo).
No grego, o detentor vem caracterizado como masculino (ho Ká.téchon v. 7) e como neutro (tó katéchon - , v.6). Como masculino, parece bem definido quem seria esse obstáculo. A Comunidade parece saber de que ou de quem se trata. Mas o neutro é indefinido: aquilo que o detém (V.6). Dizem os intérpretes que o neutro se refere á apostasia


que ainda não se manifestou. É a não apostasia (ou a fidelidade) aquilo que detém o Anticristo estará aberto.
Quer-nos parecer que S.Paulo fala de um Anticristo como individuo (2Ts.2,3-4) e também como uma força coletiva de maldade já agindo no mundo (2Ts.2,7). Paulo não via ­bem essa questão da Parusia ainda. A Comunidade também não. Hoje em dia (de modo geral) se entende como Anticristo a força, do mal que age no mundo (pessoas, esquemas, Sistemas...) e que tenta esvaziar o homem; entende-se como obstáculo (detentor, aquilo que; o detém) a força evangélica, o bem, que impedem a ação do mal. Quando cessarem a pregação do Evangelho e o testemunho dos bons, então o mal não terá obstáculo; agira livremente.  

c)    Gálatas

Os temas teológicos dessa carta são básicos para toda a teologia paulina.
Iniciando a Carta, Paulo faz a defesa de seu ministério apostólico. Ele tem consciência de sua autoridade e missão. Uma missão que ele reconhece ter recebido de Deus e não dos homens, é a qual ele é fiel, apesar das dificuldades que tem encontrado (1,11-24). O que ele prega não é mais que o puro Evangelho.  Há convergência entre a sua pregação e a do evangelho, pois são uma e mesma pregação. Por isso os gálatas não devem suspeitar de sua pregação, mas daquelas que contradizem a sua (1,6-10). O que ele prega constitui o "meu evan­gelho" (Rom.2,16) como ele o diz: Esse evangelho outro não é senão o de Cristo Jesus.
Além da identidade do seu evangelho com o de Cristo, outro tema da Carta e a cristologia. Não vem plenamente explicitada (o que fará em outras Cartas), mas vem nos seus traços básicos: Cristo é Filho de Deus enviado pelo Pai com uma missão salvífica no mundo (1,3-5); Jesus realiza em si as promessas feitas a Abraão (3,8-18); com sua morte anu­la os pecados (1,4) e comunica a vida de Filho de Deus, res­suscitado.
A soteriologia é bem explícita na Carta: o homem se insere na salvação de Cristo mediante a adesão a ­Ele pela fé (2,15ss); a vida do cristão

é, pelo batismo, a mesma vida de Cristo (3,26-27). O homem é, por si, fraco e pecador. É carne. Mas tem em si o dom salvífico do Espírito que se torna nele um principio operativo que o movimenta e dirige; é o Espírito a suprema Lei da Nova Aliança.
A Justificação é outro tema importante na Carta. Paulo mostra a gratuidade da justificação, mediante a fé em Jesus Cristo - independentemente das obras da Lei. Abraão foi justificado pela fé em Deus e não pela observância da Lei (que lhe é posterior...) (cap.3).
Aborda o tema da filiação divina do cristão por causa da fé em Cristo (4,1-31). Essa vida de filhos de Deus, livres e não escravos, e aquela que Deus prometeu a Abraão (4,21-31). O cristão goza da liberdade dada pelo Es­pírito que o leva a praticar a caridade e a viver coerente­mente com a vida nova de filho de Deus (5,1-6.10).
Esses temas (Lei, obras da Lei, justificação e Fé) são básicos nessa Carta e no pensamento paulino. São retomados e aprofundados depois na carta aos Romanos.[2]
É considerada como a carta mais importante de Paulo e de todos os demais escritos neo-testamentários. É um Tratado de Teologia.
         Em 1,1-17 ensina ele que a fé que liberta é mais ortopráxis do que ortodoxia. Deus se revela a todos os homens. Os "âmbitos fechados" da revelação divina (Judaísmo e Cristianismo) não detêm o monopólio da presença de Deus, qual ultrapassa qualquer instituição eclesial.
“A Justiça de Deus se revela da fé para fé - conforme está escrito: o justo vive para a fé" (1,17) como ele diz, mostra exatamente isso: Deus oferece a salvação (=Justiça) a todos e de modos diversos. “Da fé para fé” isto é desde a fé incipiente e obscura no homem que encontra Deus na contemplarão de suas obras (1,20) até a Fé iluminada e plena daqueles que acolhem a mensagem de Jesus e a Ele aderem. O homem religioso que se encontra fora do âmbito judaico- cristão pode ter e (tem) uma atitude de fé também.

Capítulos 1-3
De modos diversos os mundos pagão e judeu são lugares da manifestação de Deus ao homem. Mas não os únicos e nem definitivos. A definitiva revelação se dará em Cristo e no Espírito.
Paulo usa três termos para designar essa manifestação de Deus:
- Phanerósis = manifestação
- Apokálipsis  = revelação
-Kata sárka = encarnação
O grau de intensidade é claro, segundo Paulo: manifestação (phanerósis) aos pagãos; revelação (apokálipsis) aos judeus e Encarnação (katá sárka) na nova economia.
Os pagãos - Paulo discute as conseqüências que deveriam ser tiradas desse conhecimento de Deus pelos pagãos: o homem "natural" podia realizar uma caminhada para Deus, embora imperfeitamente. Mas, mantendo "a verdade prisioneira da injustiça" (1,18) (isto é, podendo tirar conclusões éticas para a vida pessoal desse conhecimento de Deus) fizeram dessa verdade (que conheceram) um motivo de injustiça (= prevaricação). Por isso são responsáveis, aqueles que podendo ensiná-los  (mestres, gnósticos) não o fazem. Pessoalmente o pagão pode salvar-se mediante essa manifestação de Deus na natureza e na vida.  Através da fé natural nesse Deus que se manifesta.
Os judeus - Possuem eles já uma revelação desse Deus escrita nos livros sagrados. Esse conhecimento de Deus era um motivo de orgulho nacional. Eles, judeus, era o povo escolhido desse Deus e gabavam, gloriavam-se do seu Deus. Como os pagãos também prevaricavam. Até pior. Os pagãos conheciam a Deus apenas através da natureza; o judeu através da revelação.  São então mais culpados. A falta Deus de coerência e de testemunho impediam até os outros de acreditarem (cf. 2,21-22.24)~
         Paulo denunciava os dois mundos religiosos: o natural e o judeu. Os lideres de ambos os mundos desviavam os homens, que poderiam por si (e pela revelação) viver coerentemente com aquilo que acreditavam.
         Coloca Jesus Cristo como a plena revelação de Deus, e a oferta universal de reconciliação (kapporeth 3,24-31). Pela sua morte e ressurreição o homem deixa de procurar por si a salvação Essa é dada por Deus mediante a oferta de Jesus. A revelação de Jesus é para todos: Judeus e pagãos; é universal. É pela fé nele que pela que o homem pode agora ser justificado.
Capítulos 4-8
Abraão é o exemplo dessa fé; o homem que se reconhece indigente e vazio, apóia-se em Deus. Quando ele fez esse ato de fé em Deus, ele não era “judeu” pois não fora circuncidado. Por isso seu ato de fé tem muito mais valor. Ele é para S. Paulo do cristão, o tipo. Crê, apóia-se em Deus. È justificado por essa adesão, por essa fé.
 No cap. 5 Paulo fala do resultado da justificação do homem que crê em Cristo: de pecador, o homem passa a salvação, que se inicia aqui e se completara definitivamente um dia. A situação do cristão é de esperança: já está reconciliado com Deus mas ainda não superou todos os impedimentos para uma salvação definitiva, como o pecado, a morte. A morte e ressurreição de Jesus Cristo dão ao homem a certeza de que ele poderá vencer a morte também.
Nesse cap. 5 Paulo fala ainda do chamado "pecado original” (5,12-21). É um trecho bastante complicado. “As interpretações, não só são diversas, mas também difíceis e técnicas”. Talvez São Paulo não quisesse dizer nada do que lhe atribuem hoje tantos comentários e comentaristas... Afinal ele falava para o povo.
Poderíamos simplesmente observar que as expressões "pecado" e "morte" em Paulo (e na Bíblia) não tem o sentido que a teologia posterior lhes deu. O pecado não é meramente um ato moral livremente realizado e totalmente imputável a - cada pessoa. Existe um pecado objetivo que é a atmosfera contaminada de mal onde vivemos, independentemente de nossa vontade. A morte não e também o mero desenlace biológico, mas e considerada aqui por Paulo como esse "mistério" que domina a natureza humana.  Morrer é uma condição humana; mesmo sem pecado o homem  morreria, passaria  (“uma tranqüila passagem" porém.) Paulo fala nesse texto

que a gente só pode entender esse mistério da morte com o dom da graça de Deus por meio de Jesus Cristo. Ele morrendo deu-nos o sentido : a morte não pode ser encarada como frustração, fracasso, apenas. Mas ela tem um germe de vida, de ressurreição. Nesse texto de Paulo a morte não tem nada a ver com o pecado. Paulo esta fazendo aqui um midrash: parte de uma narração bíblica: pecado de Adão. Sobre isso constrói sua mensagem que é exatamente o contrário do pecado: é vida. Adão – ( = homem) é pecador; Jesus (= novo homem) é salvador.
 Paulo simplesmente está mostrando que "na história humana existe um clima contaminado na ordem moral: nascemos em um mundo envolvido pelo pecado .• Esta estrutura de pecado, esta tendência ao pecado, não se devem a forças superiores ao homem; nada mais são do que a soma dos pecados individuais que vão deixando essa camada de poluição na atmosfera. Cristo veio dissipar essa poluição atmosférica da humanidade" (González-Ruiz, op. cit. p. 146).
São Paulo elaborou essa reflexão no estilo midrashico. - E na influência de seu pensamento construiu frases, elaborou umas idéias, retomou outras, e deixou esse texto, que tem apenas a finalidade de mostrar o aspecto positivo da ressurreição de Jesus Cristo sobre a vida do cristão, mais do que pesquisar sobre  o pecado, conseqüências do pecado, morte.
No cap. 6 São Paulo conclui esse pensamento. È pelo Batismo que o cristão  entra na atmosfera purificada de Cristo e se incorpora à luta pela vida e não pela morte. Nessa luta o pecado ainda leva o cristão à tensão: solicita-o para a morte, quando o batismo o chama a vida. O cristão é um ser capacitado por Jesus Cristo pelo Batismo, para lutar eficazmente contra pecado original (= estrutural) em que todos nascemos. Tem o cristão a força da Ressurreição  para renovar o ambiente pesado da História humana. Ele é um novo Adão, novo homem, gerador da vida e não da morte como o outro Adão.
No cap. 7 Paulo mostra que a Lei, apesar de santa, justa e boa (7,12) não podia por si realizar esse ideal humano de superar a negatividade e capacitar o homem para lutar pela vida. A Lei porém, e boa, santa, pois era


um projeto de Deus para a realização do homem. Não levou o homem a essa realização porque de um lado o homem e carne, isso é um ser até então (antes de Cristo Jesus) entregue às suas próprias forças e potencialidades; e doutro lado a Lei não podia dar a plenitude que o homem exige, pois essa só foi possível pela dínamis do Espírito Santo. A Lei era a pedagoga. Indicava o caminho da realização humana e para ele conduzia. Diante da Lei o homem sentia o dilema: o projeto de Deus que o chamava para rea1izar-se seguindo a sua vontade (de Deus) e a dificuldade em realizar tal projeto porque ele, homem, era carne (basar), isto é, sujeito as suas forças e precariedades.  (7,15-25). Esse dilema e resolvido pela graça de Cristo. Paulo o diz no cap.8. A nova 1ei é a 1ei de Cristo do Espírito, da vida. Essa, tem a força, comunica-a ao homem, capacitando-o a realizar-se, dando-lhe o sentido da vida.
Capítulos 9-11
Nesses capítulos Paulo debate um tema polêmico- para os judeus: a eleição de todos os povos. Israel foi uma preparação do Povo de Deus do NT Paulo deixa-se aqui envolver pela emotividade do tema, já que ele era judeu de um lado, e doutro  era o Apóstolo dos gentios. Preocupa-se com o seu povo: "quisera ser eu mesmo anátema ..." (9,3), com isso significando- que a semelhança de Cristo que morreu por todos ("fazendo-se anátema, maldição, por nós" GI.3,13. ele também estava disposto morrer pelo seu povo para salvá-lo ou liberta-lo.  Mas reconhece  que o Judaísmo, embora detentor das promessas divinas, já tinha perdido seu significado e papel religioso. Estava fora do plano da salvação.
A partir disso Paulo expõe o seu evangelho: Jesus não é monopólio dos judeus, nem dos cristãos, mas de todos os homens. É abertura do universalismo salvífico.
Capítulos 12-16
Nesses capítulos estão as exortações paulinas sobre a vida de comunidade; a caridade e o bom relacionamento entre os irmãos (12). No capo 13 fala da submissão à autoridade; não no sentido de servilismo ou de cega obediência, como pode parecer no texto (ler 13,1-10) •. Uma leitura

critica do texto mostra que para Paulo a autoridade deve ser obedecida enquanto representa o senhorio único e absoluto de Cristo. Na medida em que a autoridade se despe da representação do poder de Cristo que é serviço, se reveste dos "poderes demoníacos". No NT essa idéia aparece mais vezes, principalmente no Apocalipse, onde o Estado aparece como inimigo dos cristãos exatamente por se pensar que o Estado era a encarnação desse poderes demoníacos. O Cristianismo, em Paulo, inaugura uma ética crítica diante do Estado.
Finalizando a Carta, Paulo f ala da caridade fraterna, da mútua convivência e faz recomendações especiais.
Síntese - Fazendo um resumo podemos dizer que a Carta aos Romanos trabalha os seguintes conceitos teológicos fundamentais:
- O Problema da Justificação: o homem por si não pode observar a Lei e conformar-se à vontade de Deus. A Lei não pode dar a justificação. Só em Cristo o homem alcança a justiça e se torna amigo de Deus.
- A Lei: A Lei antiga não dava forças para o homem cumpri-la. Até piorava o estado do homem, mostrando-lhe o que devia fazer e não fornecendo os meios. Com Jesus Cristo cai o poder dessa Lei. A nova Lei é a do Espírito (8,2) que superando a Lei mosaica (3,31;8,4) se constitui na nova norma de vida.
- O pecado - como transgressão pessoal, esvaziamento, força negativa que atua na historia e polui a vida.
- Cristologia :  Não tanto desenvolvida, como em outras Cartas (p.ex.  Ef., Cl.) Jesus Cristo é apresentado como o Salvador, centro de toda a ação reveladora do Antigo Testamento (1,2-3) e ponto de chegada da Lei (10,4) . É o Filho de Deus enviado ao mundo, tomando forma na carne pecadora (8,3) destruindo o pecado por sua morte (6,6;8,3.10) e conferindo a vida plena ao homem pelo Batismo (6,5). É o antítipo de Adão.
A fé: Veículo de Adesão a pessoa de Jesus Cristo e de compromisso com Ele. A fé advém da escuta da Palavra (1,5;16,20). A fé é manifestada pelo testemunho de vida e na Celebração litúrgica (10,10).
- O Espírito Santo: é o dinamizador da Igreja, Força operativa do NT. Age e opera no homem batizado; faz o homem co-participante da vida divina (8,15-16) . (Cf. Nuova Versione NT. vo1 . 2 p . 459ss).

e)    1.ª Corintios

É uma Carta de conteúdo . Ampla e abrangente. Pode ser dividida em duas partes:
1º - Cap.  1-6 : divisões e escândalos na Comunidade
2º. – Cap. 7-12 solução de problemas da Comunidade.
Capítulos 1-4
Paulo faz análise do problema surgido na Comunidade acerca de lideranças. Aparecem partidos: o de Paulo (fundador da Comunidade); o de Apolo (grande pregador alexandrino enviado lá por Paulo); o de Cefas (Pedro) que mesmo sem ter trabalhado em Corinto gozava de consideração como o chefe; o de Cristo, formado por judeus que tinham conhecido Jesus e queriam valer-se disso, julgando-se superiores aos outros da Comunidade.
Paulo recrimina isso e mostra a necessidade de se viver em comunhão fraterna, pois o fundamento da Comunidade é Deus e não os instrumentos de Deus (3,21-23).
Capítulos 5-6
Trata-o de certos escândalos acontecidos na Comunidade. Sobre o incestuoso (convivia com a madrasta, com grande escândalo para cristãos e pagãos), Paulo determina que a Comunidade o exclua da convivência, porque ele “traz o nome de irmão” (5,11) e vivendo desse modo não pode participar da refeição eucarística.  Essa excomunhão tinha também o efeito medicinal: tentar recuperar o escandaloso (5,5).
No cap. 6. Paulo critica violentamente os cristãos de Corinto que recorriam aos tribunais civis contra os próprios coirmãos. Podiam resolver os problemas no âmbito da própria Comunidade como era facultado pelas leis do Império Paulo aproveita e fala da grande corrupção que havia em Corinto e quer que os cristãos não se deixem envolver por este estado de coisa (6,9ss).


Na segunda parte, ele dá soluções de problemas apresentados pela Comunidade7-l5).
Capítulo 7
Nesse cap. discute o matrimônio e a virgindade. A virgindade é superior ao matrimônio como um carisma especialíssimo que poucos possuem. Por isso os celibatários procurem casar-se se sentem dificuldades para serem continentes (7, 9).
De 7,17-24 trata de passagem da convivência social. O texto não pode ser interpretado como se Paulo estivesse legitimando uma situação discriminatória entre escravos e senhores. O contexto do pensamento paulino é exatamente o contrario. Para Paulo não existe mais separação, discriminação; não há mais diferenças entre judeu e pagão. Não seria atitude- evangélica sugerir que o escravo cristão deva permanecer na escravidão.
O sentido do texto pode ser dado pela palavra Klésis (= vocação). Vocação para Paulo Significa o chamado para viver na Comunidade, na união na caridade. Klésis é também a reunião, a assembléia onde se vive o chamamento divino.  Em Corinto havia muita divisão, de modo tal que uns sentiam-se constrangidos ao freqüentar a Comunidade de outros, por ex. os escravos irem participar numa Comunidade onde a maior parte era de livres; ou Comunidade de pagãos e a dos judeus. Esse modo de agir desgastava muito a Paulo que lutava por uma Comunidade “monocrômica”. Exorta então aqui a que cada um conserve o seu estado e não fique mudando de Comunidade por questões tolas de estados civis, nacionalidades, condições sociais, só porque é minoria nela. A Comunidade deve ser uma só e absorver essas diferenças, superá-las. Na Igreja de Deus não pode haver classes.
Em 7,25-40 o trata do celibato apostólico; não há ordem do Senhor para os ministros guardarem virgindade. Aconselha como uma atitude desprendimento e de abandonar tudo pela causa do Reino.





Capítulos 8-10
Paulo trata aqui da mútua compreensão entre os irmãos, principalmente da parte daqueles que são mais instruídos ou avançados.  Que saibam respeitar e não escandalizar os outros. No cap. 8 fala das carnes sacrificadas aos ídolos. Pode-se se comer de tais carnes, pois os ídolos. Pode- se comer de tais carnes, pois os ídolos nada são! Todavia se isso escandalizar um irmão menos instruído, deve abster. Vale mais o ponto de vista da caridade e da compreensão do que a própria autenticidade e instrução.
No cap.9  Paulo dá pistas da "encarnação sociológica" que esta em todo o NT., isto é, estar junto dos irmãos, fazer-se fraco com os fracos, simples com os simples. Não “para conservá-los na ignorância ou oprimi-los, mas para libertá-los (“ganhá-los todos para Cristo” 9,21-22)” Essa temática da caridade e da compreensão e retomada no cap.10.
Capitulo 11
Feminismo e Machismo
Nesse cap. do v.2 ao v.11 Paulo fala da disciplina que a mulher deve observar na Comunidade. Parece claro que as mulheres começavam a ter voz e igualdade na. Igreja de Corinto. E baseavam-se certamente no conceito paulino sobre a absoluta igualdade de ambos os sexos dentro da nova economia: todos os dons de Deus podem ser recebidos tanto por homens como por mulheres:
"Todos vos que fostes batizados em Cristo,
vos vestistes de Cristo. Não há judeu nem
grego, não há escravo nem livre; não há_
homem nem mulher; pois todos vós sois um
só em Cristo Jesus" (Gl.3,27-28).

Diante da posição das mulheres que na Comunidade certamente assumiam tarefas pra valer e ministérios, Paulo se confunde. Não sabe se proíbe (o que seria contra os seus ensinamentos... ) ou se cala (indo contra os machistas...  que protestavam...) Nesse capítulo então ele parece  retomar as




suas antigas posições de judeu radical (“machista”); censura as mulheres e bloqueia suas atividades impondo condições.
Mas no fim, ele mesmo confessa que está confuso com tudo isso, e que o assunto fica em aberto:
"Se no entanto alguém quiser contestar..
eu digo o seguinte: nós não temos tal
costume, nem tampouco o tem as igrejas de Deus” (11,16).

Sabe-se que muitas mulheres exerciam já nas Comunidades primitivas muitos ministérios que hoje não exercem; p.ex. mulheres “presbíteras” que eram as mestras no bem (Tt.2,3-5); outras atividades: Rm.16,3: Prisca, colaboradora de Paulo: 16,12.15:Trifena e Trifosa (apesar  dos nomes eram quentes nos trabalhos da Comunidade; Fl. 4,2-3: Síntique e Evódia...)
Eucaristia: união ou desunião (11,17-34)
Paulo passa em seguida a falar da Ceia. Faz ligação com o “abuso” disciplinar das mulheres; censura esse "abuso" e diz que também há abuso e desrespeito na celebração da Ceia. Essa não era mais sinal da união da Comunidade mais sinal de desnível social. Cada grupo celebrava sua Ceia, embora estivessem todos reunidos.
Antigamente era proibido pelas leis do Oriente um encontro de pessoas de religiões diferentes para comerem ou beberem juntas. O cristianismo ignorava isso. Os próprios judeus ainda conservavam esse costume (cf. Gl. 2,11-14). Por isso não queriam comer com os gentios convertidos. Foi muita a luta de Paulo contra esses judaizantes.
Por isso, aqui, Paulo critica os Coríntios porque continuavam a fazer da Ceia um sinal de desunião, de separação de classes, onde os ricos levavam vantagens contra os pobres, envergonhando-os com o seu luxo, bons vinhos e pães de primeira... Numa Assembléia assim, onde a Ceia é celebrada como um sinal de unidade embora não o seja de fato nessa situação, tais participantes discriminadores estão celebrando é a própria condenação. Não distinguem o Corpo e Sangue do Senhor, sinais de união, do vinho e pão que


trazem para se fartar e embebedar... Sinais da desunião. Estão comendo o pão da desunião, que é uma condenação. A Ceia é sinal de união. Celebram-
na falsamente pois, a Comunidade expressa sua unidade na Ceia e pela Ceia. Eles (tais grupos discriminatórios) não sabem o que é Comunidade. Ela é de fato e primeiramente Corpo do Senhor. Se não a distinguem assim, não podem celebrar a Ceia!
Capítulos 12-14
Esses capítulos tratam dos dons espirituais, ou carismas. Certamente Paulo esta dando orientações, motivado pelas atitudes e convicções dos próprios Coríntios, que valorizavam certos dons secundários em detrimento de outros mais excelentes. Por ex. a valorização do êxtase - que era para os Coríntios um grande dom, um grande carisma. Paulo mostra-lhes porém que até os pagãos "se arrebatam" diante de ídolos mudos! Portanto, o êxtase é um carisma até irrelevante
A base dos carismas é a fé, da qual tais carismas são sinais. A fé e a adesão ao Evangelho, à consonância de vida com a mensagem de Jesus. Dons sem fé não são autênticos...
 Os dons levam à unidade. Se levarem à desunião, também não são do Espírito, pois todos os carismas procedem de um e mesmo Espírito.
No cap. 12, Paulo desenvolve seu ponto de vista sobre os dons. Ele não faz uma escala de prioridades teológicas entre os dons, mas entre os vários dons que os Coríntios possuíam ele sublinha quais os maiores e mais excelentes.
Segundo Paulo os dons são autênticos quando são colocados a serviços e para o bem da Comunidade. Não existe carisma para beneficio pessoal! Desse modo, o falar línguas ou interpretar línguas não são dons importantes, pois se ninguém entende o que se fala, de nada adianta tal dom... Esse "dom" era mui to apreciado pelos Coríntios (Falar.língua = efusão “carismática” pessoal; emoção, estado de espírito super-excitado, hipersensibilidade extravasada em palavras  incompreensíveis...)



Mas São Paulo enumera alguns carismas que julga importantes naquela Comunidade, e enumera em certa ordem. Lembra, porém, que todos eles devem levar a construção do único Corpo de Cristo que e a Igreja. Lodos
os membros têm funções diversas, mas todas orientadas para o bem do Corpo.
No cap. 13
Ele fala porém, ao máximo dom, máximo carisma que todos devem ter ou almejar: o amor, a caridade. Pode-se ter todos os dons; mas se faltar a caridade, de nada valem tais dons. O amor a Deus e ao próximo tem absoluta primazia na vida cristã. Quando se conseguir tornar-se adulto na fé (= tendo a caridade e o serviço) deixar-se-ão as coisas de criança (= dons que mais aparecem e que nada edificam) (Cap.13,11-12)
No cap. 14
Paulo torna a falar dos carismas de que já falara no cap. 12. E aqui reflete com os Coríntios que os dons que constroem a Comunidade, esses são autênticos e melhores. Critica o apego ao “dom” das línguas (glossolalia) dom que era muito apreciado pelos Coríntios - como se disse. O “falar em línguas” diz ele ironicamente, é um dom muito quente,  pois se refere direto a Deus... Já que só Deus pode entender o que esses carismáticos fa1am... A Comunidade dança... Mas, diz ele, a profecia é um dom que deve ser procurado (e que pelo jeito não tinha “mercado” por lá... ) Profetizar é testemunhar o Evangelho pela palavra e pelo exemplo de vida. Isso edifica a comunidade, pois fala diretamente aos homens...(14,1-4) (Cf. González-Ruiz, op.cit. pp. 62-93)
Capítulo 15
Nesse capitulo aborda o Apóstolo o tema da Ressurreição dos mortos. Tema tão difícil para a compreensão vos Coríntios. Discute a Ressurreição em si, a Ressurreição de Cristo como primícias da ressurreição dos cristãos, e o modo da ressurreição.
(O tema “Ressurreição”  será exposto  mais á frente)

 

f)    2.ª Coríntios

A Carta tem três partes:- cap. 1-7 - cap. 8-9 - cap. 10-13.
Na primeira parte (1-7) Paulo expressa sentimentos muito humanos de emoção, alegria, temor, esperança, defesas e ataques... É uma parte da carta que exprime muito bem a psicologia paulina.
Não se conhecem bem os motivos que levaram Paulo a se expressar assim nessa carta. Sabe-se que entre uma primeira Carta e essa, o escreveu outras, a essa mesma Comunidade. Isso ele o diz na lCor. Muitos acontecimentos então se devem ter desenrolado nesse tempo. Escreveu uma "Carta das lágrimas" para os Coríntios. Posteriormente recebe de Tito noticias boas e alegres sobre a Comunidade. Escreveu então essa Carta, onde se defende de posições assumidas anteriormente perante a Comunidade (1-5) e expressa sua alegria pela mudança (conversão) dos Coríntios (6,11 ss). Alegria que é para ele, co-participação, comunhão, felicidade (Fl. 1,25-26;2,2;4,1)
Na segunda parte dessa Carta (8-9) Paulo faz um pedido em prol da Igreja de Jerusalém, aproveitando a boa vontade, comunhão, alegria, conversão dos Coríntios. È um pedido de ajuda, de repartir bens, com a Comunidade mais pobre de Jerusalém. A Comunidade de ,Jerusalém repartiu com os Coríntios a fé, enviando-lhes o Apóstolo e os pregadores; Corinto agora reparte seus bens com aquela Comunidade. É o que Paulo chama de KOINONIA (comunhão , serviço de mútua ajuda).
Na terceira parte (10-13) Paulo retoma o tom apologético. Defende posições. Isso porque sabia que na Comunidade de Corinto existiam alguns falsos doutores, que ele ironicamente chama de "eminentes apóstolos...” (11,5) e em seguida, de operários fraudulentos, disfarçados de apóstolos (11,13). Certamente seriam os judaizantes, que nunca deixaram de contestar a liberdade de Paulo e tentavam dominar as Comunidades, escravizando-as novamente à dureza da Lei e de ritos... E Paulo pergunta então por que é que os coríntios suportam isso.
Paulo descreve desse modo, nessa carta, o fanático religioso que se impunha sobre a Comunidade e a oprimia arrogantemente, desmerecendo o que até então o Apóstolo fizera, acusando Paulo de ser severo e falar grosso só de longe ...  e nas Cartas, porque quando esta presente e fraco e fala mal (10,1.10).
Daqui, o vigor de sua apologia; e ironicamente diz que se e pra contar papo ele também tem currículo: e também hebreu, israelita, descendente de Abraão, ministro de Cristo, apóstolo que passou por mil perigos e aventuras, tem carismas tão importantes que foi arrebatado até o terceiro céu (= ao máximo arrebatamento ... 11,21-12,6)
O final da Carta e bastante sensível,terno (13,5-10).

B) AS CARTAS DO CATIVEIRO

a) Filipenses

Pequena Carta com quatro capítulos. Não é uma carta teológica como tantas outras o são.
O tema mais importante que Carta aborda é o da Kênosis de Cristo, no capo 2, 6-11.
No cap. 1 Paulo fala de sua situação de prisioneiro por causa de Cristo e defende sua doutrina até então pregada e diz que até se alegra porque muitos invejosos andam pregando para tentar superá-lo.  Assim fazendo, diz, pelo menos eles anunciam a Cristo. (1,18)
No cap.2 está o núcleo de sua Carta: “ninguém se salva se não partir da base” (G. Ruiz, op. cit. p.107). Paulo trata desse nesse capitulo do esvaziamento de Cristo (Kênosis) que sendo Deus, humilhou-se, aniquilou-se incarnando-se. O que vale dizer que a Carta quer sublinhar que toda autoridade deve incarnar-se num serviço  e não no poder, pois o exemplo que Cristo deu é claro, límpido. Paulo fala dessa incarnação no chamado “Hino cristológico” da Carta (2,6-11). A Kênosis que Paulo refere aplica a Jesus Cristo, não significa abdicação a divindade de Jesus. Para ele a kênosis e o próprio ,Jesus de Nazaré, que ao invés de aparecer em glórias e poder na terra, “aniquilou-se";  aniquilou sua glória  despojou-se de tudo e entrou na Historia humana concreta,fazendo-se um de nós. Só depois da incarnação e de toda a sua Historia dentro de nossa História é que Deus o exaltou e o


constituiu Kýrios isto é, Senhor absoluto (= "deu-lhe um nome que está acima de todo nome...”)
É o Senhor Libertador, Redentor. Tornou-se Kyrios a partir de dentro e a partir da base. Desse modo do cristão e do dirigente (autoridade) cristão. 
No cap. 3 retoma um velho tema: polêmica com os falsos doutores, judaizantes, que sempre se opunham a ele e à sua pregação. Paulo mostra que o cristão deve lutar sempre. O cristão não é, faz-se. Descreve essa dinâmica do fazer em 3,8-14. Nos dois últimos vv. ele lembra bem a dinâmica cristã que é alcançar a meta, ou seja a ressurreição escatológica, a vida definitiva.
         No cap. 4 conclui o pensamento exposto no cap. 3: a dinâmica cristã deve envolver todos os valores mundanos, e não se pensar num angelicismo utópico: 
“Ocupai -vos de tudo o que é verdadeiro, nobre,
justo, puro, amável, honroso, virtuoso,
ou de qualquer modo mereça louvor" (4,8)

O cristianismo deve assumir e purificar todos os valores terrenos. Cristianismo é para S.Paulo algo mais que o simples humanismo; assumir tudo o que de bom o humanismo oferece e purificar com a fé aquilo que possa ser anti-evangélico. Por isso a Igreja para Paulo deve inserir-se nos valores do mundo para conhecê-las, aceitá-los ou purifica-los. Não fugir do mundo ou ter medo de enfrentá-lo.
De 4,10-23 Paulo faz as despedidas e saudações.

b) Colossenses


Como se referiu acima, S. Paulo não fundou a Comunidade de Colossos e nunca visitou aquela Comunidade (Cl. 2,1). Foi Epafras, discípulo de Paulo quem fundou essa Comunidade e foi ele quem trouxe para Paulo as noticias que deram origem a essa carta. A fé dos Colossenses estava sendo ameaçada por uma heresia sincretista com acentos cristãos, pagãos e judaicos. Pretendia tal heresia superar com sua doutrina a mensagem cristã,

afirmando que o cristianismo era apenas uma iniciação religiosa, e a salvação só poderia advir dos seres celestiais que não estivessem implicados pessoalmente na história humana - como Jesus Cristo estava. Por isso tais seres celestiais (anjos, forças cósmicas, dominações, potestades do ar...) eram superiores a Cristo.
É contra tais erros que Paulo se bate nessa Carta, sustentando que Cristo não é um Salvador entre muitos, mas é o único O SALVADOR. Sua  ação soteriológica não é restrita a um  grupo mas tem alcance cósmico. Alem do que a salvação que Ele trouxe não é apenas inicial mas traz a possibilidade de alcançar os mais altos graus, porque Cristo e Cabeça dessa Igreja e Dele advém toda força e vitalidade para essa Igreja se plenificar.
A Carta é pequena; tem 4 capítulos. É uma das Cartas do Cativeiro (Éfeso 56-57? Cesaréia 58-60 ? Roma 61 -63 ? ) Hoje grande parte dos estudiosos opta pelo cativeiro romano.
Capitulo 1.
Depois da saudação, oração pelo progresso na fé, Paulo fala da soberania de cristo, salvador de toda a Cristo, salvador de toda a criação. Paulo sempre parte da Ressurreição de Jesus Cristo para anunciar o seu Evangelho .• Aqui também o faz, dizendo que Ele é "o começo, o primogênito de toda a criatura", isto é, que Deus ao criar o homem fazendo-o a sua imagem e semelhança (Gen . l,- 26-27) projetava em Cristo a realização perfeita dessa imagem e semelhança: só Ele realizaria completamente essa semelhança, como homem (Adão) e ressuscitado (sempre vivo). A imagem e semelhança com Deus se dão pela VIDA que é o traço comum entre Deus e o homem; Deus e Vida; o homem é Imagem e semelhança na medida em que, pela vida,  pode se relacionar com Ele. Jesus é o primogênito porque é o Ressuscitado. Primogênito aqui, não tem o sentido de prioridade na criação (= Jesus criado por primeiro) mas sentido de dignidade, preeminência, precedência. Paulo acentua isso dizendo que Ele é a  imagem do Deus invisível (1,15). "Imagem” deve ser tomada aqui no sentido greco-helenista (que influenciou o pensamento bíblico): na imagem participava de modo efetivo do seu arquétipo embora fosse distinto dele; era uma manifestação

visível da coisa e desse modo implicava uma participação substancial ao objeto" do qual era imagem[3].
Nesse Jesus Cristo que é a imagem do Deus vivo , primogênito de todo o criado, está inserido todo o cosmo criado. Todas as criaturas encontram sua plenitude Nele, isto é alcançam à finalidade para a qual foram criadas por Deus. A impossibilidade de plenificar-se como criaturas, torna-se possibilidade em Cristo.Porque Ele e a síntese da vida e salvação de Deus, é o PLÉORAMA (1,19).Nele estão todas as coisas. Por isso Ele é superior a quaisquer forças: Tronos, dominações, principados e Potestades. Ele é o Senhor cósmico (Pleroma). Daí, não há motivo de se temer o poder das "forças celestiais" (Tronos ...) pois quaisquer que elas sejam, e estão sujeitas ao Cristo Senhor, que é a cabeça desse Corpo cósmico.
Esse senhorio de Cristo deve ser mantido pelos cristãos, devem levar avante a obra pleromênica de Cristo. É tarefa necessária e dura. A isso Paulo chama de "suprir o que faltou  paixão de Cristo" (1,24). A tarefa do cristão, como o diz Gonzáles-Ruiz, o serviço pastoral não é um itinerário triunfalista, percorrido em sede gestatória, mas uma série ininterrupta de lutas dolorosas em favor da humanidade para edificar assim o Cristo cósmico (op.cit. p.191).
Capitulo 2
 São Paulo tira algumas conclusões daquilo que propusera antes: Se Cristo é o Senhor absoluto não devem os crentes aderir a filosofias falazes e vãs, fundadas em tradições humanas (2,6-10), e perder tempo com observâncias de prescrições alimentares (2,16.21) e nem preocupar-se com luas novas ou sábados.Tudo isso e ideologia mundana elementos do mundo, ídolos. Tudo isso esta superado em Cristo, que arrastou todos esses poderes mundanos em cortejo triunfal (2,15) (= é o grande Vencedor). Se Cristo dominou os elementos deste mundo, por que se preocupar com imposições s feitas em nome desses elementos?



Capítulo 3

Paulo leva para o campo moral as conclusões que o crente deve tirar desse senhorio de Cristo, que e Vida. Se Ele é vida, Senhor, o crente não deve ser morte e escravo. Sujeitar-se as exigências do corpo e da carne é comprometer o Espírito. Repete sua posição já assumida em Rm.8,13 (“se pelo Espírito mortificardes as obras da carne, vivereis") e Gl5,24 ("Os que são de Cristo Jesus crucificaram a carne com as paixões e concupiscência”). O homem velho deve morrer para homem novo em Cristo” .
Paulo enumera alguns pecados que mais atraiam os colossenses: abusos sexuais e sede de lucro. Os primeiros profanam o templo de Deus que é o corpo e os segundos são ídolos,trocando Deus pelo dinheiro.
Conclui dizendo que se respeitando mutuamente, ajudando-se mutuamente, mortificando o homem velho, construirão a unidade na Comunidade, onde não haverá discriminação mas somente Cristo, que será tudo em todos (3,11) . Em 3,18-24 parece, todavia, que ele contradiz seu programa de indiscriminacão humana. Fala que as mulheres devem submeter-se aos seus maridos e os escravos aos seus senhores, bem como os filhos aos pais. Isso é para Paulo um dado ocasional, uma vez que como já dissemos a sociedade de então não permitida ainda uma abertura para a igual de direitos . A meta de Paulo é a igualdade de todos (3,11 e Gl.3,28); enquanto ela não puder ser alcançada devem-se usar as fórmulas de compromissos sociais de modo cristão, enquanto se luta por uma igualdade. Deve-se  notar que Paulo diz aqui "como convém no Senhor", isto  é, essas submissões não podem ser exigidas arbitrariamente, absolutamente, dominadoramente, mas têm um limite: o Senhor. Por isso os cristãos devem devagar aproximar-se do ideal do Senhor que é a liberdade de todos e direitos iguais para todos[4].

 

c) Efésios

Essa Carta, como se referiu, apresenta alguns problemas críticos: destinatário, tempo, autoria.Deixando esses ,particulares, ficamos com a opinião mais comum de que a carta aos Efésios é uma CIRCULAR dirigida por Paulo, como esclarecimento, as 
comunidade que enfrentavam um mesmo problema: a falsa doutrina da supremacia das forças cósmicas sobre o Cristo Senhor. Nessa Carta Paulo retoma as linhas de Colossenses e as desenvolve.
Capítulo 1
Recapitula Paulo o que ensinara aos Colossenses: supremacia universal do senhorio de Cristo. E passa para o tema da carta que é essencialmente eclesiológico.
A Igreja é um grupo projetado por Deus, uma atmosfera sagrada, o Novo povo eleito. A Igreja é a escolhida antes da criação do mundo para ser santa e imaculada. É a Igreja o espaço predestinado por Deus onde os homens se convertem em filhos adotivos de Deus. A "predestinação" (proorísas emás = predestinavit nos) a que se refere Paulo, não é pois uma interferência na liberdade pessoal e uma arbitrariedade de Deus mas uma oportunidade e que Ele dá para que todos sejam de fato seus filhos adotivos na Igreja; por gratuidade, beneplácito de Deus.
Para que acontecesse essa adoção divina, Deus resgatou os homens (vv.7-9). Não realizou um resgate histórico, de uma potencia opressora, como no Êxodo. È  uma libertação (redenção, resgate= lýtrosis) não geográfica, mas libertação interior do pecado. A Igreja é o lugar onde Deus quer libertar toda a humanidade. É  a Igreja o lugar onde Deus empreenderá a sua obra salvífica. Isso e um MISTÉRIO (vv.9-l0). O mistério é que Deus quer salvar a todos e não um só povo. Como e isso possível, não o sabemos. Só a fé o percebe. Cristo é o ponto de união, de salvação de todos os povos, de todo o cosmo. A Igreja é o lugar desse encontro, o lugar onde Cristo exerce as funções de Cabeça. É Nele que herdamos a salvação que Deus prometeu.
A igreja, é nesse hino introdutório, um projeto de Deus, muito mais amplo que a sua concretização histórica, estrutural.  È uma Igreja sem fronteiras, cósmica. A Igreja institucional é um aspecto dessa Igreja cósmica. Para a Salvação nessa Igreja, fomos todos chamados, predestinados não por méritos nosso, mas pela graça e pelo poder de Deus. O poder de Deus foi manifestado na Ressurreição, Deus o tornou também superior a todas as forças que possam impedir a realização da Salvação. Todas essas forças potestades do ar, do céu, em que acreditavam os colossenses, efésios e outros, foram submetida por Deus e colocada aos pés do Cristo Ressuscitado, que é a Cabeça da Igreja. (Na Carta aos Colossenses, Paulo coloca o Cristo como Cabeça do Cosmo; aqui na Carta aos Efésios, Cristo é a Cabeça da Igreja- que é o seu Corpo. Corpo físico, formado por toda a humanidade salva por Ele). 
No capítulo 2 aborda o tema do pecado que se opõe à filiação divina. Não fala do pecado original em si e nem do pecado como conotação moral de erro, desvio; mas para ele, aqui em outras Cartas, o pecado é um ambiente maléfico onde o homem nasce e se desenvolve; uma espécie de hamartiosfera como diz G.RUIZ (op.cit.p.206). Vivendo nesse ambiente, somos facilmente arrastados ao pecado pessoal, subjetivo, que nos faz filhos da vida, da Ressurreição. Gratuitamente.
Nos vv. 12-22 Paulo tira uma conclusão teológica de importância a: se todos fomos gratuitamente feitos filhos de Deus, filhos da Ressurreição, não pode haver mais discriminação; não há  mais circuncidado incurcidado, gentio ou escolhido; agora  com sua morte  Cristo fez de todos os povos um só povo, derrubando as separações e aproximando todos pelo seu sangue (v.13). No cristianismo não há os de dentro e os de fora, ou os escolhidos e os gentios; "mas todos são cidadãos dos santos e membros da família de Deus” (v.19). O nacionalismo religioso é anticristão.  
No capitulo 3      desenvolve o tema do mistério cristão. Para ele o mistério é algo que está escondido em Deus e do que se tem conhecido mediante a revelação. E ele teve a revelação do mistério: não existe mais monopólio de Deus em favor de um povo de uma cultura, de uma tradição histórica. Esse segredo foi agora revelado aos seus santos apóstolos e

profetas (v5); e a ele Paulo, o menor, foi confiada a tarefa de anunciar aos gentios essa incalculável e insondável; é um amor absoluto de Cristo por todos, e que Paulo não sabe traduzir; por isso usa palavras vagas: largura, comprimento, altura, profundidade. Não diz do que (v.18).
No capitulo 4 desenvolve o tema do "viver esse mistério de Cristo”. Se tal mistério foi nos revelado (somos todos filhos de Deus e amados por Deus) devemos então "andar de modo digno dessa vocação (v.1).Uma primeira exigência é a unidade na comunidade, pois há  um só Deus, um só Senhor, uma só fé e um só Batismo. Deve então haver um só corpo. Para a constituição desse corpo Ele concedeu os dons mais diversos aos Fiéis. Dons vários  que devem levar a unidade e aperfeiçoamento (vv.l 1-13). Os vv. 8-9 são de tradução e interpretação muito difíceis. Nos vários textos há diferenças. No TM e nos LXX o sujeito é Moisés. Na Carta aos Efésios São Paulo faz uma aplicação desse salmo (68,18) à obra e pessoa de Cristo: Ele veio do céu a terra e voltou a terra ao céu depois de cumprir uma missão: vencer o pecado e salvar o homem.
Depois de mostrar qual o tipo de vida que o cristão deve evitar (17-19) Paulo descreve as exigências da vida nova (4,25-5-7) Fala claramente dos problemas reais Comunidade (ladrões, fofoqueiros, blasfemadores, mentirosos ... ) e mostra que a Vida nova em Cristo exige uma conversão; deixar esse tipo – antigo de vida. A celebração da unidade (Eucaristia) requer essa mudança. Paulo faz aqui um ato penitencial para Comunidade. Ser coerentes; a fé deve bater com a vi ,e vice-versa.
Em 5,8-14 coloca a antítese luz/treva para designar as condutas cristã/pagã. As obras do cristão devem ser claras; o que é , é; não ser como os pagãos que ao vicio chamam  virtude e até o diviniza, nos seus templos (Afrodite...). Na conduta cristã deve haver coerência e honestidade:virtude é virtude, vício é vício. Fazer o vício passar por virtudes é enganar e querer permanecer no mal. É o pecado contra o Espírito Santo (Mt.12,32).
Em 5,15-20 reflete sobre o desenvolvimento da História da Salvação. Esta se encontra inserida nos acontecimentos históricos. Os


acontecimentos (kaiori) são maus (v.16),i.é dominados pelos poderes infernais; todavia dentro desses acontecimentos é que revela a salvação. O

cristão tem a tarefa de lutar contra a maldade que há na História para purificá-la e leva-la a ser veiculo de salvação. A isso, Paulo chama de “conduta de sábios e não de tolos” (v.15). Em tantos acontecimentos maus, há sempre a aparição de elementos novos, positivos( kaiori) que levam a salvação. Interessante notar que Paulo usa nesse trecho (v.16) o verbo exagorádsein que significa.,primeiramente,comprar uma mercadoria  no mercado depois de se procurar muito. Assim o cristão: dentre os tantos acontecimentos perversos, perceber aqueles 8 kairoi  que levam à salvação; ou por outras palavras: ler no acontecimento aquilo que Deus quer dizer.
Finalizando o cap. 5, Paulo reflete sobre o matrimonio cristão; é um  mistério, um sacramento.
Aparentemente a colocação de Paulo parece discriminatória e repressiva, exigindo a submissão  de uns para com outro, da mulher ao marido e dos filhos aos pais.
Para nós hoje, essa atitude é inaceitável. E parece mesmo contraditória tal afirmação em Paulo, que em outras passagens defende a liberdade e a igualdade cristãs. 
Todavia, devemos lembrar que Paulo está falando para uma sociedade bem diversa da nossa e construída em outros modelos, para a qual seria inconcebível uma igualdade direitos entre todos. Ainda é bom notar que Paulo não está defende o ponto de vista cristão de igualdade. Por isso diz que a submissão de uns para com outros deve ser feita “no temor de Cristo” (v.21), isto é, agir como Cristo agiu como Cristo agiu; Ele sendo Deus humilhou-se, esvaziou-se, serviu.
“As mulheres devem estar submissas aos maridos como ao Senhor" (v.22). É a mesma idéia exposta em Cl. 3,18-24, isto é há um limite na submissão; há uma hierarquia social convencional que é aceita porém, todo exagero, dominação, ultrapassa o ideal cristão que é a igualdade (Cl.3,11). O limite é o Senhor. O Senhor é liberdade e igualdade.


Ainda Paulo acrescenta que os maridos devem amar suas mulheres "como Cristo amou a Igreja" (v.25). E o modo como Cristo amou foi doando-se, amando, e morrendo por ela. Quem ama, doa-se e morre pela pessoa amada, não explora não submete, não domina. Esse é o sentido da “submissão” em Paulo. Quer da mulher ao marido, do escravo ao senhor e dos filhos aos pais.
   Conclui Paulo dizendo que o matrimônio é mistério. Isto é algo que procede de deus de forma gratuita e transcendente (G.RUIZ, op.cit. p.219). A unidade matrimonial vem de Deus.
A Carta termina com o capitulo 6. De 6,10-20, Pauto utiliza uma  linguagem bélica de seu tempo: armadura, capacete, couraça, pés calçados, -bem como imagens gnósticas e vetero-testamentária: Principados, Autoridades, Dominações, Forças do mal. Isso tudo para mostrar que o anuncio do Evangelho exige luta, esforço, dedicação, rupturas. O pregador anunciara o evangelho dentro de um clima hostil do mundo. E porque o Evangelho rompe estruturas, o pregador será ainda mais combatido e hostilizado. 

d) Filêmon


Como se disse acima o escrito não é propriamente uma carta, mas um bilhete de recomendação. Paulo o escreve provavelmente entre o ano 61-63, por ocasião do seu cativeiro em Roma (1ºCativeiro se aceitarem dois). O Bilhete é dirigido a Filêmon, um amigo seu de Colossos, em cuja casa Paulo fazia reuniões de Comunidade. O Bilhete é de recomendação a Filêmon sobre o escravo dele, Onésimo, que fugira de Colossos para Roma. Em Roma, procurou Paulo, que o recebeu, instruiu e batizou. Devolveu-o ao seu “senhor” legal, como exigia e mandava a legislação de então.
No Bilhete renova sua doutrina, seu ponto de vista, sobre a escravidão:  receber bem o escravo, porque na nova ordem instaurada por Jesus , não pode haver mais escravidão entre os homens, pois são todos os filhos do mesmo Pai. A única escravidão possível é ao Senhor Jesus.



C) AS CARTAS PASTORAIS


Já colocamos mais acima e brevemente o problema da 12 autenticidade paulina das Pastorais, Para a nossa breve análise aqui, consideraremos essas Cartas como deutero-paulinas, i.é uma elaboração posterior do evangelho paulino, antes pregado e já escrito. O Evangelho paulino é que inspira tais Cartas em muitos pontos; não em toda a teologia eclesiológica dessas Cartas e nem em toda práxis que elas apresentam. Tais Cartas devem ser obras da Comunidade primitiva, através dos ensinamentos colhidos de Timóteo e Tito; ou obra de algum escritor da segunda ou terceira  geração cristã, que usou o nome de Paulo e trabalhou o evangelho paulino para fazer frente a problemas e necessidades de suas Comunidades.

No capitulo 1 o autor salienta um elemento importante a eclesiologia paulina: o ministério. No caso, o ministério de direção   Tal ministério procede do Senhor (1,12) nota o autor, não é pelo fato de alguém estar exercendo um ministério de origem divina, que ele se torna intocável, puro, santo. É pecador como os outros e deve ter consciência disso. È o que o autor diz (como se fosse Paulo): foi blasfemos perseguidor, violento (1,13). É uma confissão exemplar para os dirigentes da Igreja. Um ato penitencial claro e real, que deveria orientar a todos os que dirigem a Comunidade. Não apenas esconderem atrás da "Comédia ritual" como chama G.RUIZ op.cit.p.232. Aos insossos atos penitenciais anônimos que rezam "peccavi nimis cogitatione”, verbo opere et omissione" . Reconhecer a Igreja a suas verdadeiras culpas. Tanto os do"vértice” não se reconhecer também pecadora e serviçal, não terá condições para dialogar com a base e sofrerá sempre a pressão de baixo para cima.
No capitulo 2 são abordados dois temas: a oração pelas autoridades e o comportamento das mulheres na Comunidade. 


Orar pelas autoridades tem o sentido de mostrar que as autoridades são limitadas e não absolutas e divinas, como propunham as leis romanas,. O autor pede que se reze  pelas autoridades e não à autoridade. Elas são dependentes de Deus e são tanto mais autoridades quanto mais servem. È uma oração critica . Na medida em que servem, as autoridades deixarão espaço para que todos os súditos possam viver em paz e tranqüilidade (vv.1-8)
Dos vv. 9-15 o autor fala da presença das mulheres na Comunidade. É um trecho evidentemente discriminatório;baseado na ideologia anti-feminista vetero-testamentária e cultura discriminatória daquele tempo. O autor exclui as mulheres de toda a  participação  na Comunidade baseando-se numa popular e pessoal interpretação bíblica... (São Paulo mesmo não diz isso. Cf. Gl. 3,28 e Cl.3,9-11)
Com referencia a discriminação do AT sobre a mulher, cf. por ex. Num.5,11-30; Ex. 20, 17; Ex. 21, 7-11 etc.
Com referencia a cultura antiga os textos de autores são muitos amplos. Lembro apenas um INDRO MONATELLI, História de Roma, pp.64 (IBRASA, 1957), onde encontre outras coisa diz que o perigo para a mulher começa no dia dos nascimento: o pai é quem decidia se ela devia viver ou morrer.
Os homens traziam os nomes de gens, o nome individual e cognome da família (p.ex. Marco Túlio Emílio). As mulheres não tinham nome individual, só o da gens (i.é o do tronco donde descendiam...) O marido podia matar a mulher. Esta estava sempre sujeita ao homem: pai, marido, irmão, filho mais velho ou de um homem tutor se ficava viúva... Nas refeições o homem comia reclinado nos divãs... A mulher não podia, mas sim num banquinho rústico.
A distração que podia ter era tecer roupas para o marido e filhos. Não podia ir ao Circo, teatro, jogos. Sem trato nenhum, as mulheres romanas eram feiosas, peludas e baixotinhas...

No capitulo 3,1-13 trata o autor dos chamados da hierarquia eclesiástica. Fala dos bispos (epíscopos) e dos diáconos. Todavia é bom lembrar que epíscopos na literatura grega e na Bíblia não tem o sentido que damos ao bispo hoje. Eram “responsáveis”, administradores  guardas da Comunidade.


Episcopos e anciãos (presbíteros) são sinônimos na Igreja primitiva. O texto fala mais é das qualidades que deve ter um responsável pela comunidade e deixa entender que o Bispo (administrador...) era escolhido pela Comunidade. [esse tema foi tratado na Unidade sobre os Ministérios. Cf.3º Parte desse trabalho].
Do v.14 ao 16 o autor mostra que toda a eclesiologia neotestamentária  está centrada na cristologia, em Jesus Cristo, que é o mistério da piedade. Centrada em Jesus Cristo é a Igreja coluna da verdade, não de uma verdade filosófica abstrata, mas de uma verdade  que é testemunho de Jesus Cristo e de autenticidade.
 O mistério que é Jesus Cristo é descrito por um hino cristológico (v.16): revelado por Deus na carne como homem, anterior porém a toda outra manifestação histórica de Deus (=contemplando pelos anjos), anunciado como salvador a todos os povos, acreditado por todas as Comunidades de então, ressuscitado e tornado Senhor, Kyrios.
No capitulo 4 e salientado o aspecto carismático da Igreja. O ministério de orientação Comunidade e conferido a Timóteo na reunião da Comunidade Carismática (v.14). o ministro é alguém da Comunidade carismática (v.14). O ministro é alguém da Comunidade. Aqui entram os elementos: institucionalização e carisma. A instituição deve proceder do carisma. Não pode haver uma institucionalização de autoridade arbitrariamente. Isso seria domínio, poder; não direção, serviço. A autoridade nasce do carisma de dirigir.
Por outro lado um carisma, que compete e destrói a organização, não é carisma. É arbitrariedade.
O autor conclui o capitulo recomendado a Timóteo que “olhe por si”. Cuidar de si também. Não pensar que como chefe apenas corrigir os outros. Primeiramente ter autocrítica, e depois velar pelos outros.
No capitulo 5 é tratado o ministério eclesial das viúvas (3,10) e o modo de agir dos presbíteros (17.24).
Havia problemas nas Comunidades, com as viúvas. Algumas necessitadas, outras, não. Algumas, dignas de trabalhar na Comunidade, e


outras que apareceriam por lá para arranjar rolo... (“queimar-se...casar” dizia Paulo cf. 1Cor.7,8-9). Aqui, o autor recomenda a Timóteo que saiba escolhe-las para os ministérios.
 Encerrando a Carta o autor fala do Capítulo 6, sobre o modo de proceder com os escravos. Um texto que pode ser mal entendido – como já o foi.
Encerrando a Carta o autor fala Capitulo 6 sobre o modo de proceder com os escravos. Um texto pode ser mal entendido - como já o foi.
Não se pode dizer que dentro da cultura daquele tempo, o autor estaria aconselhando a fidelidade dos escravos aos seus senhores. Isso seria anti-evangélico. Como já falou acima, o ponto de vista paulino, evangélico, é exatamente o contrário. Já dissera Paulo em Cl.3,9-11 em Gl. 3,28 que em Cristo não há nem escravos nem livres.  Todos são iguais. A meta cristã é que não exista divisões de classes, senhores e escravos; mas sim uma fraternidade. Era a utopia cristã dentro de um Estado escravocrata. Na carta a Timóteo o autor já conhece o movimento de libertação dos escravos cristãos, que querem sacudir o jugo, exatamente porque sabem que em Cristo não há diferenças. Então, no trecho aqui, o autor recomenda calma. Dentro das estruturas de então uma libertação repentina convulsionaria a sociedade. Parece ser essa a intenção do autor.
No final dessa Capitulo dá ainda o autor, linhas para se distinguir o verdadeiro doutor falso, ou o verdadeiro catequista do falso catequista. Claramente aparece que o doutor, o catequista era “pago” pela Comunidade... O autor recomenda que não se aproveite da piedade como fonte de lucro... A cobiça reflete ele – é a raiz de todos os males e já levou muitos a perderem a fé.

b) 2º TIMÓTEO

 No primeiro capitulo dessa  Carta é lembrada a imposição das mãos como um “dom” de Deus. Desse rito falou já o autor em 1ºTim. 4,14. T


Tal rito, pelo que se conclui dessas citações, era realizado pelo grupo dos anciãos (Presbíteros), do qual Paulo participava (1,6).
Fala o autor da necessidade de testemunhar a fé sem medo, sem se envergonhar. Parece que a Comunidade estava amedrontada com as perseguições, com a prisão de Paulo (1,7ss).  A Carta insiste na necessidade e importância do profetismo evangélico. O autor lembra que ele (Paulo?) não se envergonhava do Evangelho, guardava a fé e tinha certa de que Deus e conservaria o "depósito", que nada é demais é do que a Fé no Senhor ressuscitado.
O capítulo 2 fala do sentido do sofrimento (2,1-13). Quem dá sentido ao sofrimento é o Senhor Jesus. Ele sofreu, mas ressuscitou. O sentido do sofrimento e a Ressurreição. A ressurreição começa aqui, na vida de cada dia, escondida no próprio sofrimento. Jesus Cristo é pois o único ponto de referencia para o crente, e é Ele que deve ter a primazia absoluta na vida do cristão. Tudo o mais é periférico, conversas vãs, perda de tempo (Editorial de Jornal de Sumaré): O importante é a fé no Senhor Jesus. O pregador (14-26) deve partir dessa experiência de fé no Senhor, para anunciá-lo, e não de uma sabedoria humana ou mesmo de sua autoridade e poder. Toda a teologia que se possa fazer, deve estar alicerçada no Cristo, na Cristologia (cf. G.RUIZ, op. cit. p.243-244).
Os capítulos 3-4 tratam da convivência social à luz do Evangelho (3) e da prudência pastoral (4). O Evangelho não resolve os problemas de ordem pública; ele é sim o sinal da contradição na vida e o critério para julgar o agir do homem. Por outro lado, o pastor deve de fato, estar disposto a anunciar a Palavra sempre, “a tempo e contratempo" (4,2),vigiar sobre si e sobre a doutrina (lTm. 4,16), manter a serenidade e a prudência pastorais.

c) TITO

 A Carta é endereçada a Tito, chefe na Igreja Primitiva.
A saudação inicial é a mais longa de todas as vezes que trazem o nome de Paulo. Também o titulo "Servo de Deus” não é usado em nenhuma das Cartas paulinas.
A Carta trata no capitulo primeiro do estabelecimento de presbíteros nas cidades. Os termos “presbíteros” e "episcopos'" se referem nas Pastorais às mesmas pessoas – como vimos, e que não exerciam as funções que exercem hoje os presbíteros e os bispos que aqui aparecem não são o fundamento da “ordem presbiteral e episcopal” como as entendemos hoje (sobre isso cf. a 3º Parte desse Trabalho, que trata dos ministérios).
 No capitulo 2 o autor lembra que a Comunidade cristã não é um lugar de santos e puros só . Por isso os participantes devem ser instruídos não na sã doutrina. Tarefa dos presbíteros e bispos. Eles devem sustentar a fé e manter a conduta da Comunidade através das instruções e exortações. A Comunidade deve ter boa fama e preparar-se assim para a vinda futura do Senhor na Parusia.
No capitulo 3 o autor fala do relacionamento e do e do trato cristão com as autoridades. É algo que tem semelhança com o cap. 13 da Carta paulina aos Romanos. Não é o cristianismo que deve as formas alternativas para o Governo na sociedade. O cristão deve ser respeitoso com a autoridade. Isso não significa que deva ser submisso a tudo, omisso, servil. O autor notara já a importância de uma atitude critica frente à autoridade. Isso não significa que deva ser submisso a tudo, omisso, servil. O autor notara já a importância de uma atitude critica frente à autoridade (1Tm.2); e Paulo no cap. 13 da Carta aos Romanos diz que a autoridade deve ser obedecida – como referimos – enquanto ela apresenta o senhorio único e absoluto de Cristo. Na medida em que autoridade se despe da representação do poder de Cristo que é serviço, reveste-se de “poderes demoníacos”, mundanos, contra os quais cristãos deve voltar sua critica. Paulo defende a atitude profética do cristão diante dos compromissos com as realidades humanas, temporais de um lado; e doutro, mostra que não é tarefa da Comunidade religiosa assumir um poder civil. È o que diz também aqui o autor da Carta a Tito.





 


II PARTE

LINHAS DA TEOLOGIA PAULINA


1.  O EVANGELHO DE PAULO


A. palavra "Evangelho" significa a "Boa-Nova de  Jesus Cristo” (Euanghélio: Eu = Bom, boa; anghélein = proclamar anunciar). S.Paulo usa muitíssimas vezes essa palavra nos seus escritos e até se apropria dela para anunciar o seu Evangelho. A expressão “meu evangelho” ocorre muitas vezes nos seus escritos (Cf. pex. Rm.2,16; 16,25; 2Cor. 4,3; 11,7; Gl.1,11 etc). O termo “evangelho” ele usa 54 vezes nas suas Cartas e 6 vezes nas Pastorais.
O significado dessa palavra em Paulo não é o mesmo que damos aos Evangelistas. Paulo não se refere a uma compilação dos ditos e feitos de Jesus como fizeram os sinóticos e  nem a uma elaboração teológica sobre as mensagens de Jesus como a fez São João. Isso não significa que o Evangelho dele seja anuncio de outra “novidade”. Ele mesmo diz  que o Evangelho de Jesus Cristo é um só: “De fato, não há dois evangelistas está na forma de anuncio. Os evangelistas anunciam Jesus, numa forma de história e teologia; Paulo anuncia o próprio Jesus. Para ele o Evangelho é Jesus. 
         Paulo chama ao evangelho de “meu evangelho” porque é a semelhança dos profetas do AT tinha a consciência de ter sido vocacionado, destinado, a pregar a mensagem cristã desde o seio da própria mãe (Gl.1,15; Rm.1;1Cor.1,17). A esta pregação dedicou toda a própria vida, não só como uma missão mas como uma obrigação.
Por “evangelho” Paulo entende o conteúdo de sua pregação. Proclama antes de qualquer coisa o Senhor Jesus Cristo, o KYRIOS, Senhor ressuscitado e senhor de todos os homens:
“De fato, não nos pregamos a nós mesmos, mas a Jesus Cristo, o Senhor” (2Cor.4,5)
O Jesus Cristo que prega é aquele que morreu pelos pecados; aquele nascido da estirpe de Davi, i.é, o mesmo Jesus do querigma da Igreja. Portanto seu Evangelho da Igreja (Gl.1,16).
Caracteristicamente paulina é a concepção de que esse Senhor Jesus, não é apenas alguém que morreu e nos salvou e em quem devemos crer, mas é Alguém que se torna Deus dýnamis Theou i.é, é a força de Deus, que dá sentido a história, que dá força ao homem para caminhar e realmente o salva.
Essa dýnamis Theou, Deus a concede a todos. Não só a um povo escolhido, mas agora a todo o crente. É isso outra característica do evangelho paulino. A ele, Paulo, Deus confiou essa missão de anunciar Jesus para todos os povos:
“Aprouve revelar em mim o seu Filho, a fim de que eu anunciasse entre os gentios” (Gl 1,16).
Para ele, pois, não há diferença mais entre os povos. Para todos Cristo Senhor Ressuscitado é a força de Deus. (Rm.10,12).
Outro aspecto característico de “evangelho” de Paulo é que ele chama de “mistério”. Não no sentido de mistério da iniqüidade de que falara na 2Tess. 2,7, mas no sentido de plano de salvação que se realiza em Cristo Jesus.
Esse plano da salvação foi concebido pelo Pai desde toda a eternidade (1Cor.2,7); agora se realiza em Jesus Cristo, foi revelado aos cristãos pelos apóstolos e profetas da Nova Aliança. Este plano inclui a salvação de todos os homens, pois todos, judeus e gentios foram chamados para participar da “inauxaurível riqueza do mistério de Cristo” (Cl.4,3). Através de Cristo, a salvação chega a todos os homens. Ele é o salvador de todo o universo. Todo o universo encontra nele sentido e salvação (Sentido do Cristo cósmico das Cartas do cativeiro: Cl e Ef.).
Esse “mistério” paulino é cristocêntrico: é o próprio Cristo, Sabedoria de Deus (1Cor.2,7). Embora revelado aos homens, esse mistério continua em certa obscuridade. Nunca poderemos conhecê-lo inteiramente. Isso será possível somente no fim dos tempos, no éschaton.


2. O TEMPO DA SALVAÇÃO


São Paulo fala nos seus escritos, da salvação que Deus realizou. Fala  de uma salvação presente, já realizada por Jesus e também de uma salvação futura, definitiva: “Eis agora o tempo da Salvação” (2Cor . 6,2); “... já é hora de vos levantardes do sono. A nossa salvação está mais próxima do que quando abraçamos a fé” (Rm. 13,11).
A salvação é para São Paulo a participação do homem no Reino de Deus. Jesus veio para abrir essa possibilidade. Veio a terra para mostrar que Deus quer que todo o homem participe de seu Reino. Um Reino que não acontecerá apenas, mas que acontece. Sua morte foi uma prova de que Ele lutou até o fim em defesa de um ideal de justiça e amor. Foi o preço pago para tentar,instalar o novo tipo de vida que Deus propunha ao homem.  Não morreu para pagar divida, mas para abrir crédito, para mostrar que é possível o Reino, construir o Reino, entrar na salvação que Deus quis e quer para todos.
Então São Paulo se pergunta: esse Reino, essa salvação já são realidades presentes? Isto é, os homens, já se abriram à iniciativa de Deus de faze-Ias participar de sua vida, ou essa possibilidade só acontecera um dia num julgamento final?
Responde de dois modos, ou com duas formas:
A salvação é já uma realidade presente (2Cor. 6,2) mas que tende  a consumar-se (Rm.13,11).
a) Salvação presente
Longe de ser uma realidade estática, a salvação presente é São Paulo uma realidade dinâmica. È uma ativação aqui, da salvação escatológica.
A salvação que Jesus trouxe, é já ativa nesse mundo.  Assim ele diz:
"Agora já não há nenhuma condenação para os que estão em Cristo Jesus" (Rm.3,21; 5,11;8,1;Cl.l,26). O tempo presente é designado como "plenitude do tempo” na qual Deus enviou o seu Filho (Gl 4,4). O tempo presente é para os cristãos o “fim dos tempos” (1Cor.10,11). "Vos fostes


justificados no nome do Senhor Jesus Cristo" (l Cor.6,11) ;" Na esperança fomos salvos" (Rm. 8,24); “ Foi para a liberdade que Cristo nos libertou”(Gl.5,1).
Segundo Paulo, a salvação já esta toda aqui ; é presença na História. Mas não é uma salvação completa, senão uma irrupção definitiva. É a salvação presente uma historização da futura; ativação histórica da salvação escatológica.
Nesse sentido parece-nos que Paulo usa a expressão "Reino de Deus" (Basileia tou Theou).  Usa-a 14 vezes nos seus  escritos, tendo de um lado o sentido escatológico de realização Plano de Deus e doutro o sentido de Reino, salvação, construídos a partir daqui.
São Paulo elabora essa concepção de salvação presente mas embrionária, a partir de dois conceitos:
um vetero-testamentário a esperança escatológica de libertação salvação, expressa pelo judaísmo de sua época: virá o Salvador de Israel;  
outro neotestamentário: a fé na ressurreição de Jesus Cristo, que significava para ele e para a Comunidade primitiva que Deus já realizara a salvação em Jesus Cristo, ressuscitando-o. Sua ressurreição era o sinal da presença ativa de Deus no mundo, iniciando já aqui essa salvação.
Desses dois conceitos é que resultou sua doutrina aparentemente contraditória de expectativa de salvação futura e de fé na presença, já aqui, dessa salvação futura, escatológica. 
Sua linguagem mostra muito bem que a salvação tem um tempo aqui, precário, de lutas; e outro tempo, escatológico, definitivo, de glória. Fala do tempo presente como "este século” (eon) ao qual não nos devemos conformar (Rm.12,2), e que é uma ameaça para o cristão (1Cor.1,20;3,l8). Esse tempo presente é tempo de sofrimento (Rm.8,18). Nesse tempo presente se localiza os "elementos do mundo", príncipes do mundo, Satanás, que impedem o germinar do Reino:




"Falamos de uma sabedoria que não é deste mundo e nem dos príncipes deste século, que perecem" (lCor.2,6);
“quando éramos meninos estávamos subjugados pelos elementos do mundo"(Gl.4,3.9);
"Se estais mortos com Cristo para os elementos deste mundo, porque e que ainda vos submeteis a essas prescrições como se vivêsseis no mundo?” (Cl2,20)

No mesmo sentido fala em l Cor. 3,19;5,10, e 7,31 onde afirma que "a aparência deste mundo passa".
Ele vê, como o judaísmo apocalíptico (que espera uma salvação) que o tempo presente é uma parte deste século, alienado de Deus, aonde o “deus deste chegou os entendimentos dos incrédulos para impedir que neles brilhasse a luz do Evangelho” (2Cor.4,4), e por isso esse tempo é um tempo perverso. (Gl.1,4)
Em contraposição a esse “tempo perverso”, século alienado de Deus, ele coloca o Reino de Deus, que será uma conquista, um premio para aqueles que não deixaram envolver pelo século perverso, pelas obras da carne. (Cf. Gl.5,19-21).
Esse Reino será a “revelação do Senhor” (1Cor.1,7; 2Tes.1,7); “glória futura” (Rm8,18). Para dar-nos esse Reino (salvação) foi que Jesus morreu:
“Jesus Cristo entregou-se a si mesmo pelos nossos pecados para nos livrar deste mundo perverso, segundo a vontade de nosso Deus e Pai” (Gl.1,4).
A morte de Jesus é uma afirmação de que Deus não planejara que vivêssemos segundo o mundo, mas segundo a sua vida. O mundo não aceita, não quer viver a vida de Deus. Por isso é assassino daqueles que querem viver como Jesus. São Paulo então conclui: “Não vos conformeis com este século” (Rm 12,2).
Então poderíamos perguntar: onde é que está a salvação no mundo tão perverso? Onde essa salvação presente?
São Paulo não está absolutamente contrapondo-se ás realidades terrestres como coisas perversas, más. Isso seria uma espécie de


maniqueísmo paulino... Pelo contrário, Paulo tem toda uma teologia das realidades terrestres, vendo nelas a revelação de Deus:
De fato, o que se pode conhecer de Deus, está claro neles mesmos (pagãos), pois Deus lhes revelou. Desde a criação do mundo, o invisível de Deus, o eterno poder e a divindade, se tornam visíveis á inteligência...” (Rm.1,19-20).
“Com efeito, o mundo criado aguarda ansiosamente a manifestação dos filhos de Deus. Pois as criaturas foram sujeitas á vaidade, não voluntariamente, mas pela vontade daquele que as sujeitou, na esperança de serem também elas libertadas do cativeiro da corrupção para participarem da liberdade gloriosa dos filhos de Deus” (Rm.8,19-21).

Na Carta aos Coríntios (1Cor.15,25ss) ele diz que todas as coisas serão submetidas a Cristo e que Cristo as submeterá ao Pai, a fim de que Deus seja tudo em todos; e na Carta aos Efésios, mostra a dimensão cósmica da Igreja, corpo de Cristo, que envolverá todo o universo, tornando-o participante da ação redentora de Jesus.
Para São Paulo as criaturas não são as “realidades perversas” mas sim “revelação de Deus”.
São realidades perversas as forças do mal, os elementos negativos que impedem o desenvolvimento da salvação de Deus aqui. Essas forças negativas, potencial do mal, príncipes do mundo, elementos do mundo, se manifestam nas criaturas. Submetem-nas à vaidade. (Rm.8,20).
Aqui é que ele coloca então a salvação de Deus. Isto é a força positiva da ressurreição de Cristo que também se vai manifestar no cristão, pelo cristão, e que deverá abranger toda a realidade criada, para libertá-la da corrupção e poder participar da glória, isto é, da salvação que Jesus Cristo trouxe. Ou por outras palavras: re-entrarem no plano universal de salvação de Deus.
Nesse sentido é que São Paulo que a salvação já é presente. Está atuante no cristão e deve levá-lo a envolver com essa salvação toda a criatura até chegar o momento da plenificação, ou salvação definitiva, escatológica. (Cf. p. cap.1 da explic. Sobre Col.).
Nesse século “perverso” (Gl.1,4) já está presente a força libertadora de Cristo.; já está presente a salvação. É deste velho homem que


nascerá a nova criação. Esta nova criação está a formar-se. O homem está salvo, mas ainda não definitivamente. A nova criação acontecerá. Por enquanto neste mundo o homem se coloca numa luta dialética com elementos do mundo. Vive no mundo, com os elementos do mundo, mas ser do mundo. É a antítese que Paulo designa como espírito/carne. Os cristãos se acham envolvidos nessa luta durante toda a sua vida. Todos os dias são chamados a testemunhar a salvação que receberam no Batismo; são testados para não se conformarem com este século; são chamados a colocar elementos de positividade (bem, amor, justiça, fraternidade...) dentro do velho mundo, secular negativo. Esse tipo de confronto contínuo é que Paulo designa como “signo da cruz”: “Nós pregamos a Cristo crucificado, escândalo para os judeus e loucura para os pagãos” (1Cor.1,23).
É o duro testemunho cristão não aceito pelo mundo. É a Cívitas Dei contra a Cívitas hominis.
Para Paulo não existe trégua neste mundo. O confronto entre o século perverso e a cidade de Deus é permanente. E nesse confronto não parece haver perspectiva de vitória aqui. Aqui o cristão viverá sob o signo da cruz, isto é, da luta, do sofrimento. Como no apocalipse, para Paulo, os vencedores são os que morrem, os que são tentados, os oprimidos, os fiéis. Os fiéis são considerados como “ovelhas destinadas ao matadouro” (Rm.8,36).
Avaliada sob critérios humanos, a salvação parece paradoxal: que salvação é essa que se conforma sem ser “ovelhas destinadas ao matadouro” oprimida, derrotada?
Na concepção teológica de Paulo a coisa não é vista assim. Para ele o elemento escatológico, definitivo irrompe já sobre a terra. As dimensões do histórico e do escatológico não são separáveis e distanciadas. A salvação escatológica tem seu lugar no hoje, aqui na História, na Igreja, na vida cristã. Não é um elemento trans-histórico; é uma força que transforma o mundo, de velho em novo; uma força que se incarna no terreno. O terreno o corporal, é a esfera da revelação do escatológico. Paulo não é um espiritualista, jogando a


salvação para a Parusia, sujeitando-se por enquanto a sofrer sob o poder do mal. O que ele constata é que essa salvação futura, definitiva, é bloqueada aqui; o cristão para anunciá-la e vive-la deve carregar uma cruz. Aderir ao espírito do mundo é passar para o velho eon, é ser inimigo da Cruz, é deixar de ser discípulo de Cristo crucificado.
Para o cristão parece difícil entender como pode ser ele salvação num mundo que não quer ser salvo, que é radicalmente contra a salvação.
Paulo responde a isso mostrando o exemplo de Abraão. Ele recebeu a promessa de ter descendentes e terras. Mas a realidade era outra. Ele era velho e estrangeiro; sua mulher velha, cansada. Por isso é compreensível o sorriso de mofa de Sara (Gn.18,22). Mas em Deus o  maravilhoso está aí: fazer o ser do não ser, a esperança da desesperança.
A dúvida acompanha a fé. Do mesmo modo os horizontes da criação e da parusia são as dimensões de fé. A fé numa salvação definitiva tem base um ser humano que parece negar a salvação. E todo o empenho cristão está em tornar atos (atuar), visibilizar aquela salvação futura trazida já por Jesus Cristo e presente no mundo, na Igreja.
Para São Paulo o presente é marcado já pela força morte e Ressurreição de Jesus, que deram início aqui à ação escatológica de Deus. Aqui, na Igreja, pela ação do cristão é que irrompe o senhorio escatológico de Cristo. Apesar de permanecer ainda o eon perverso e apesar de não ter ainda aparecido o Cristo da glória, todavia a sua ação salvífica é percebida, sentida no mundo, nos acontecimentos. Deus construíra a salvação definitiva através da História. A História não é então para Paulo uma repetição de acontecimentos, mas novidades constantes (kaiori) com que Deus tece a salvação por meio de Jesus Cristo, pois “Dele, por meio Dele e por Ele são todas as coisas”. (Rm.11,36).
b)   A plenitude final 
Se por um lado Paulo fala da presença da salvação aqui, incoativa, por outro ensina que necessariamente essa salvação vai completar-se no fim dos tempos. Então será ela a salvação definitiva, escatológica. Será


o reino de Deus construído, concluído. O cristão deve passar pelas vicissitudes da vida testemunhando a salvação, para assim ser “considerado digno do Reino de Deus” (2Ts. 1,5).
Num primeiro momento de reflexão São Paulo acredita que diante da perversidade do mundo presente, a ação salvífica final de Deus deverá acontecer em breve. Isso está claro nas Cartas aos Tessalonicenses – como vimos. São as cartas mais antigas, e aí está dito que a Parusia está próximo: “nós os vivos seremos arrebatados...” (1Ts. 4,17). Parece claro que ele espera a Parusia, a conclusão final da História, a plenitude final mais breve.
Nas cartas posteriores reformula porém seu pensamento. Estende para tempo incerto a conclusão final da História a plenitude final (haverá sinais: apostasia, manifestação do ímpio, obstáculo que o detém   2Ts.2,3-6).
Nas Cartas aos Gálatas, Coríntios, Colossenses, ele trata da vinda do Senhor, da aparição do Senhor, da futura ressurreição, mas não fala da proximidade temporal desses acontecimentos escatológicos:
- “Vós sereis a nossa glória no Dia de Nosso Senhor Jesus Cristo” (2Cor.1,14). Não diz quando é o dia.
- “Aquele que ressuscitou Jesus Cristo também nos há de ressuscitar e nos fará aparecer Diante Dele Convosco” (2Cor. 4,14). Não diz quando...
- “Não nos cansemos de fazer o bem, pois a SEU TEMPO colheremos, se não tivermos desfalecido”. (Gl.6,9).
- “Quando Cristo que é a vossa vida APARECER, então também vós aparecereis com Ele revestidos de sua glória” (Cl.3,4)

Paulo deixa claro que haverá uma plenitude salvífica final. Num primeiro momento pensou-a iminente; depois, preferiu não datá-la. Permaneceu porém sua convicção de que um dia o Senhor viria em glória para completar a obra da salvação que iniciara. Para ele o tempo presente é dominado ainda pelos “poderes do mundo”, os quais, embora vencidos pelo poder do maior que foi a Ressurreição de Jesus, todavia não foram aniquilados; de tal forma então “nem a morte, nem o presente nem o futuro,


nem as potestades, nem a altura, nem a profundidade, nem qualquer outra criatura poderá separar-nos do amor de Deus que está em Cristo Jesus Nosso Senhor” (Rm.8,38-39).
Essa totalidade de poder por parte de Deus e a conseqüente eliminação dos poderes adversos a Deus, constitui para Paulo a consumação da salvação. Essa consumação, ou essa plenitude final, ele a caracteriza com uma fórmula: “estar com Cristo”. Isto é, entrar definitivamente por meio de Cristo em comunhão infindável, infinita, com o Pai, o qual nos criou para a comunhão consigo; “fiel é Deus pelo qual fostes chamados à comunhão de seu Filho Jesus Cristo Nosso Senhor’ (1Cor.1,9).
Essa plenitude final será a “redenção do cativeiro da corrupção para a glória da liberdade dos filhos de Deus” (Rm8,21). Então “a glória há - de manifestar-se sobre nós” (Rm.8,18). Para tal haverá a “redenção do corpo” (Rm8,23), isto é, acontecerá definitiva e nova criação: “os mortos ressuscitarão incorruptíveis e nós seremos transformados” (1Cor. 15,52.

3. O EVENTO CRISTO

 A cristologia em São Paulo se desenvolve em dois aspectos igualmente importantes: o cristológico propriamente dito e o soteriológico.
No primeiro, Paulo elabora sua concepção sobre a pessoa de Jesus Cristo, e no segundo  explica o que vem a ser a salvação trazida por Jesus.
a)           Cristologia
Na carta aos Romanos, Paulo faz uma síntese do seu pensamento sobre a pessoa de Jesus:
Paulo, servo de Jesus Cristo chamado a ser  apostolo, escolhido para o Evangelho  de Deus, que pelos profetas havia prometido nas Santas Escrituras, acerca de Seu Filho, nascido da descendência de Davi segundo a carne, constituído Filho de Deus, poderoso segundo o Espírito de santidade a partir da Ressurreição dos mortos, Jesus Cristo nosso Senhor...(Rm.1,1-4).



Não querer que São Paulo com esse texto provar ou pelo menos afirmar os dois aspectos importantes do evento Jesus: sua humanidade e sua divindade, como às vezes se tem entendido. Quer sim afirmar que Jesus é um evento histórico, aconteceu aqui, mas que não se limitou à terrenidade senão ainda que Ele foi exaltado e entronizado como Filho de Deus. Ou por outras palavras : O Filho de Deus viveu na nossa História, foi um evento histórico. É esse sentido de suas palavras: “segundo a carne, nascido da descendência de Davi” = historicidade de Jesus; e “poderoso segundo o Espírito de santidade, constituído Filho de Deus” = entronizado.
Essa concepção paulina de um Jesus, evento histórico, e entronizado como Filho de Deus é ainda sublinhada na Carta aos Filipenses:
“Tende em vós os mesmos sentimentos que teve o Cristo Jesus: Ele, subsistindo na condição de Deus, não pretendeu reter  para si ser igual a Deus. Mas aniquilou-se a si mesmo, assumindo  a condição de servo por solidarismo com os homens. E, apresentando –se como simples homem, humilhou-se , feito obediente até a morte da cruz. Pelo que também Deus o exaltou e lhe deu o Nome que está sobre todo o nome. Para que ao nome de Jesus se dobre to o joelho de quanto há no céu, na terra, nos abismos. E toda a língua confesse que Jesus Cristo é o Senhor, para a Glória de Deus Pai” (2,5-11). Transparece aqui também que Paulo relata a História de Jesus. Não faz uma teologia especulativa sobre a natureza de Cristo, mas está interessado no fato de que aquele que embora subsistindo em forma de Deus, não recusou entrar na história  do homem e assumi-la,e que por esse fato merece a veneração de todo o criado.
Para São Paulo a história de Jesus, ou o evento Jesus em três etapas: a pré-existência, a temporalidade e a pós-existência.
Pré-existência: “Ele estava junto de Deus, subsistia na condição de Deus” (Fl.2,6) “enviou Deus seu Filho.” (Gl.4,4);
Temporalidade: “nascido da descendência de Davi, segundo a carne” (Rm.1,3) “nascido de mulher”. (Gl.4,4);
Pós-existência: “... Deus exaltou e lhe deu o nome... Jesus Cristo é o Kyrios para a glória do Pai” (Fl.2,11).



a) O Homem Jesus
São Paulo fala especificamente do Jesus terreno, de sua temporalidade; a não ser de passagem, como vimos (Descendente de Davi.). Nem mesmo usa muito o nome “Jesus” e nem “Cristo”. Nas poucas vezes que usa o nome “Jesus” é para designar o Jesus terreno, como por exemplo: “Se cremos que Jesus morreu e ressuscitou” (1 Tes.4,14); ou ainda o Jesus Ressuscitado: “... para aguardardes dos céus o seu Filho, a quem Ele Ressuscitou dentre os mortos, Jesus” (1Tess.1,10).
Também o nome de “Cristo” é pouco usado. Paulo sabia que esse era o titulo judaico para o salvador. Mas o usa nesse sentido só uma vez: “... deles descendente o Cristo, segundo a carne” Rm.9,5. Nas demais vezes usa o nome “Cristo” como um nome próprio- sem dar lhe especifico conteúdo teológico. Nem mesmo o nome de “Jesus” tem carga teológica especifica em Paulo. O nome “Jesus” para Paulo não designa o “pré-existente”, o Filho de Deus, mas o homem terreno Jesus, que entrou na nossa história foi concreticidade; esse Jesus terreno foi o ressuscitado por Deus.
Cada etapa do evento Jesus, Paulo a caracteriza especificamente com um nome. “Jesus”, no caso designa a terrenidade, a temporalidade do Filho de Deus.
Por outro lado o nome “Cristo” não é aplicado a temporalidade de Jesus. Na comunidade primitiva esse titulo designa uma confissão de fé. Cristo significa o Ungido, o Jesus terreno, o Filho de Deus, o Senhor, o Ressuscitado. Para São Paulo não tem esses significados. Como se disse, para ele o nome de “Cristo” é um nome próprio para designar o Jesus terreno. Não envolve conceito teológico especifico. Ele não iguala Cristo a Deus. Pelo contrário, diz que Cristo é a “imagem de Deus”:
“O deus deste eon cegou as inteligências impedir que neles brilhasse a luz do Evangelho, onde resplandece a glória de Cristo é a imagem de Deus” ( 2 Cor. 4,4)


Também em Cl. 1,14 diz que “Ele é a imagem do Deus invisível, o primogênito de toda a criação”.
São Paulo aplica a Cristo uma designação com que o judaísmo de seu tempo caracteriza o Ungido: Ele seria a “SABEDORIA DE DEUS”. Essa “sabedoria de Deus” seria um “reflexo da luz eterna, um espelho imaculado de ação divina e uma imagem de benignidade” (Sabedoria de Salomão, 7,26). Segundo São Paulo, Cristo é isso. É epifania dessa luz, é essa imagem, é essa sabedoria. Para ele o próprio Deus se faz visível em Cristo. Cristo é então a imagem do Pai, não o Pai. Por meio do Filho de Deus, o próprio Deus se encontra conosco. Por isso ele nunca chama a Cristo de “Deus”. Isso se pode ver claramente em 1Cor: “Tudo vos pertence, mas vós sois de Cristo e Cristo é de Deus” (3,23); “Pois bem: quero que saibas que a cabeça da mulher é o homem, e a cabeça de Cristo é Deus”. (11,3).
O vocábulo “Deus” ele o emprega somente para o Pai. Na sua teologia, Cristo é o eleito de Deus e que veio para realizar o Plano do Pai. Ele realiza uma tarefa para o Pai. Mas não é alguém que veio apenas para realizar uma missão. Ele é também “de condição divina” (Fl.2,6; em morphê Theou hyparchon).
Cristo é para São Paulo aquele que sendo de condição divina, realiza uma tarefa para o Pai, para a glória do Pai, de tal modo que quando tal glória for alcançada na Parusia também Ele se sujeitará “Aquele que lhe sujeitou todas as coisas, afim de que Deus seja tudo em todos” (1Cor.15,28).
Não se pode dizer que São Paulo está negando a divindade de Cristo. Vimos seu testemunho em FL.2,6ss. O que ele faz em seus escritos quando fala de Cristo, é anunciar que a salvação foi realizada por Deus por meio do homem  Jesus Cristo e de sua ressurreição. Não está fazendo especulação alguma sobre o Cristo celestial. O seu pensamento cristológico tem outros aspectos que se completam – como veremos em seguida.





b)           O filho do homem
É uma caracterização que Jesus fazia a si mesmo, para mostrar que Ele era o anunciado o esperado. Tal designativo aparece 82 vezes nos Evangelhos (Mt.29;Mc14; Lc26 e Jo.13).
É uma caracterização que Jesus fazia a si mesmo, para mostrar que Ele era o anunciado o esperado. Tal designativo aparece 82 vezes nos Evangelhos (Mt.29; Mc.14; Lc 26 e Jo.13).
A Comunidade primitiva também usava essa expressão para designar, nas confissões de fé, o Cristo – o enviado celestial, o homem esperado. São Paulo nunca a usa. Isso não significa que ele rejeita o seu sentido ou o seu conteúdo. Não a usa por que escrevia para a comunidade gentílico-cristãs, principalmente gregas. A expressão para os gregos, podia ser mal entendida, num sentido só- concreto e único – e não também simbólico como para os judeus.  Para os judeus a expressão era sinônimo de “homem”, membro da raça humana; posteriormente na Apocalíptica, passa a ser símbolo do Ser misterioso que mora junto de Deus, que possui os dons celestes e é o único revelador da Salvação, que dará no fim dos tempos. Então julgara os povos (Livro de Enoc, por ex. ).
Para a comunidade primitiva, como se disse a expressão significa que Jesus Cristo era o homem esperado, anunciado, o homem vindouro, o Messias. Se São Paulo não usa a expressão, mostra porém nos seus escritos, que Jesus Cristo é de fato esse esperado, o homem vindouro, o definitivo.
Em Rm. 5,12-19 contrapõe o ato pecaminoso de um homem (o 1ºAdão) com a obediência do outro homem (o 2º Adão). O texto deixa claro que Jesus não é apenas um homem, mas sim “O Homem” esperado. Em 1Cor. 15,22 ele contrapõe ainda a humanidade pertencente a Adão à humanidade pertencente a Cristo:
“Assim todos morrem em Adão, assim também todos serão vivificados em Cristo”.
Nessa mesma Carta há ainda outras afirmações de igual peso (Cf1Cor.15,45.47-49).
Fica claro que a Adão, o primeiro homem, terreno, é contraposto Jesus Cristo como o último e definitivo Adão o segundo, o celestial.


É bom também fazer notar que essa idéia da Comunidade primitiva e de São Paulo sobre o “homem vindouro”, o homem celestial, sofreu influencia da tradição judaico-apocalíptica e também do mito do Oriente próximo sobre o homem primordial, um ser que abrangia em si a totalidade dos homens, ou ainda, o ser que abrangia a totalidade dos redimidos, por ser ele o primeiro homem (Urmensch).
O judaísmo-apocalíptico acatou essa concepção dando-lhe porém nova feição, uma feição escatológica: o homem total, o homem que abrange em si todas as esperanças, virá no fim dos tempos. São Paulo e o cristianismo helenista assimilaram a idéia do homem celestial veio mas voltará; Ele é o portador da salvação, e os cristãos estão unidos a Ele e participarão um dia de sua glória. Porque os cristãos estão unidos a Ele, participam também de sua vitória sobre a morte e de sua vida no Espírito. Nesse sentido é que ele diz: “Trataremos a imagem do (homem) celestial” (1Cor.15-49).

Filho de Deus. É um conceito usado por São Paulo. Mas esse conceito que designa a sua pré-existência , e também pouco freqüente nos escritos paulinos. Mas tem ênfase quando usado.
É certo que no uso deste conceito, Paulo não está influenciado pelos conceitos pagãos de geração física de um filho da divindade. O titulo em si é muito conhecido na história do Oriente próximo, e tem vários significados. Os faraós do Egito, por. ex. , eram chamados “filhos de deus”, por se crer que provinham do deus  Sol – Râ. Também na Assíria e na Babilônia há referências a essa expressão quando se fala dos reis. O mundo greco-romano também conhece tal expressão: divi filius ou Theou huíós, como era chamado o imperador romano. Ainda os heróis míticos greco-romanos eram chamados “filhos dos deuses”, ou ainda “deuses homens” (theoi andrés).

São Paulo poderia ter conhecido disso, pois conhecia a civilização greco-romana. O conhecimento porém não influenciou seu pensamento. Para ele “filho de Deus” significa algo muito mais profundo e teologicamente incomparável ao conceito até então conhecido. Mesmo porque o A.T. fazia outras referencias sobre essa expressão. No livro de (1,6;2,1;38,7), em Daniel (3,25) e no Gênesis (6,2) o título é dado aos anjos. Os outros livros bíblicos atribuem o titulo ao Povo de Israel (por ex. Ex.4,22; Deut. 14,1; Os. 2,1;11, 1; Is. 1,2;30,1; Jer. 3,22; Sab.2,16). O Salmo 2,7 o atribui a Messias.
A idéia de “Filho de Deus” no mundo judaico era a de uma escolha divina para uma determinada missão e uma obediência que corresponde aquela vocação.
A expressão usada por São Paulo não é algo especifico dele, mas é colhida na comunidade primitiva. As cartas trazem essa formulação que ele recebera da Igreja primitiva. Ele expressa com essa formulação que ele recebera da Igreja primitiva. Ele expressa com essa fórmula o conceito de que de fato Jesus Cristo é o Filho de Deus, mesmo antes de nascer como homem. Não foi gerado aqui como um filho de Deus, mas é Filho de Deus desde sempre. Como homem permaneceu também o Filho de Deus. Assim ele diz: “... fomos reconciliados com Deus pela morte de seu Filho...” (Rm.5,10); “ Eu vivo, mas já não sou eu, é Cristo que vive em mim. Minha vida presente na carne, eu a vivo pela fé no Filho de Deus, que me amou e entregou por mim” (Gl.2,20.
Na Carta aos romanos diz ainda que pela ressurreição dentre os mortos, o Filho de Deus “foi constituído Filho de Deus, poderoso segundo o Espírito de santidade... (Rm.1,4). E como o Filho de Deus, poderoso, é que tomou posse do poder divino que tinha (1Cor.15,25.28).
Os cristãos serão transportados para o “Reino do seu amor” (Cl.1,13). E o Filho aparecerá um dia; enquanto isso os cristãos devem aguardar essa vinda (1Ts.1,10) para assim se tornarem “conforme a imagem de seu Filho” (Rm.8,29).
Para São Paulo o titulo de Filho de Deus abrange toda a história de Jesus, dá pré-existência à Parusia. Para ele a expressão “Filho de Deus” quer mostrar que Deus age por meio de Jesus, o Filho: Deus envia o Filho

reconcilia-se com o homem por meio do Filho ; entroniza- o como poderoso Filho de Deus, transfere os cristãos para o Reino do Filho, envia o espírito do seu Filho aos corações, e faz os fiéis esperarem pelo Filho no fim dos tempos (cf. Rm8,3; Gl.4,4; Rm5,1;1,4; Gl.1,16; Cl.1,13;Gl.4,6;1Ts.1,10). O Filho é o meio de ação do Pai na Comunidade: “Aquele que não poupou o próprio Filho , mas o entregou por todos nós...” (Rm.8,32); “Mas Deus prova o seu amor para conosco pelo fato de ter Cristo morrido por nós... Se nós, ainda inimigos, fomos reconciliados por Deus pela morte de seu Filho, muito mais agora, já reconciliados, seremos salvos por sua vida” (Rm.5,8).
Isso para São Paulo não significa que Jesus foi apenas um instrumento de Salvação nas mãos de Deus Pai, sem vontade própria nenhuma. Pelo contrário, o Filho participa voluntariamente da obra da salvação, completa a obra do Pai. Nesse sentido ele diz que o Filho obedece à vontade do Pai. Para participar da obra de salvação, para completar a obra do Pai, ele quis voluntariamente aniquilar-se, esvaziar-se, tornar-se obediente (Fl.2,7ss). Essa participação de salvação de Jesus é contraposta à ação de Adão. Este não quis participar e completar a obra do criador. Foi a desobediência. Jesus foi o obediente, isto é, aquele que voluntariamente se entregou para salvar (Gl.2,20).
Essa filiação divina não é explorada especulativamente por Paulo – como se disse. Ele teve de  Cristo uma intuição e revelação como Salvador, Filho de Deus. Na elaboração de sua teologia são importantes esses aspectos de intuição teológica de Paulo e de iluminação pela fé. Embora na explicitação de sua doutrina ele tenha se valido de um conceito que podia ser ambiguamente entendido: Filho de Deus. a expressão “Filho de Deus” era uma expressão mítica de um lado; e doutro, para ele, era a designação de uma  nova e grande realidade de fé que queria transmitir aos cristãos; a salvação vem de Deus; porém, o eterno Filho de Deus, que vem de Deus, que retorna a Deus, é quem  realiza essa salvação. Por isso o falar mítico da preexistência do Filho de Deus, expressa para Paulo outra realidade; expressa a fé na ação redentora de Deus no homem Jesus. O conceito “Filho de Deus” é em Paulo, expressão de fé e não resultado de uma curiosidade especulativa.


São Paulo fala pouco do “Homem Jesus” (temporalidade) e do “Filho de Deus” (pré-existência), fala muito, porém de Jesus como KYRÍOS, como o SENHOR (pós-existência). É o titulo por excelência que ele dá a Jesus em seus escritos.
O termo é conhecido no mundo greco-romano. Nos textos religiosos orientais da Ásia menor, da Síria, do Egito, deuses e deusas eram chamados kyríos e kyrías. Era também um título do Imperador romano, que designava não só seu poder político e jurídico, mas tinha conotações de divindade.
A comunidade primitiva palestina assimilou esse nome e o transferiu para Jesus nas suas liturgias. Paulo recebe o nome da Comunidade. Assim ele deixa entender quando diz na Carta aos Colossenses: “Vivei, pois, em Cristo Jesus, o Senhor, assim o recebestes” (Cl.2,6) (parelábete = recebe por tradição).
Escrevendo aos gregos – como a 1Cor. ele conserva o termo aramaico usado pelas Comunidades: MARANA THA (1Cor.16,22), que é uma prece escatológica, que pode ser traduzida: “Ó Senhor nosso, vem!” (Assim parece também no Ap.22,20). Como prece escatológica usada nas primitivas comunidades eucarísticas, Marana tha é anterior a Paulo.
Nas comunidades da Palestina o termo aramaico que traduzia o grego KYRIOS era MÂRÊ. Normalmente era aplicado a Deus (= MAR´ I = Meu Senhor). ou também MAR´AN (= Nosso Senhor). Os Evangelhos sugerem que tal titulo já era dado a Jesus: “Nem todo aqueles que me dizem: Senhor, Senhor...” (Mt.7,21; Lc.6,36). O termo já adquirira nas comunidades primitivas um uso absoluto em contexto religioso.
Os judeus usavam ainda para Deus a palavra hebraica ´a DONAI (= meu Senhor, ou Meus Senhores). Adonai substituía o nome YHWH (= Javé) na liturgia e na leitura das Escrituras, pois os judeus não pronunciam esse nome. Todavia na tradução dos LXX a palavra Javé foi traduzida por KYRIOS , ou o HÓ KYRIOS, e não se deu maior atenção a ´aDonai. Isso significa que


para os judeus do século III a. C. a substituição de Javé por KYRIOS já era uso comum.
O equivalente a ´adonai em aramaico é MÂR´Î (= meu Senhor).Por isso se entende que tal título (mâr´î) era dado a Jesus (cuja língua era aramaica). Depois que Jesus se tornou objeto de culto cristão, a saudação comum para Jesus era “Mâr´^e) era KYRIOS.
Para os gentios a palavra Kyrios  lembrava os deuses e os poderosos. Com os LXX designavam Javé com essa palavra, São Paulo faz então dela, a palavra chave de sua pregação cristológica.
O que significa para Paulo?
Para São Paulo o termo kýrios exprime o domínio a atual de Jesus sobre os homens, como Ressuscitado, e sua influencia  na vida cotidiana dos cristãos.
KYRIOS não significa para Paulo um Jesus terrestre e nem mesmo um Jesus escatológico. Designa única e exclusivamente o Senhor Ressuscitado. É aquele que dinamiza, que dá vida a Igreja. Esse significado Paulo o aprendeu da própria Bíblia grega que traduz Javé por Kyrios. Javé no A.T. , era aquele que fazia ser o seu povo, aquele que dava a vida contínua. Assim é também Jesus para Paulo. Ele é o Javé do N.T., isto é Aquele que dá a vida nova, Aquele que plenifica, Aquele que faz o ser. Então atribui a Jesus esse titulo como titulo majestático e expressivo de sua condição de Ressuscitado, Senhor dos vivos e dos mortos (Rm.14,9: At.4,12). Exatamente porque Paulo entendeu juntamente com a comunidade primitiva que JESUS é igual a JAVÉ, é que ele pôde dizer que Jesus tem um nome que está acima de todo e qualquer nome, pois Ele é Deus (Fl.2,6-11). O nome segundo os antigos designavam o ser da pessoa, sua essência. Dar nome significa dominar a pessoa ter posse sobre ela ou sobre a coisa. Em Jesus o nome absoluto, KYRIOS, JAVÉ, designa para Paulo a supremacia, o absoluto em Jesus, como Deus e como o Ressuscitado.
Títulos como Pai, Filho, são relativos, sugerem distinção e mesmo subordinação... KYRIOS não;dá tanto a Javé como a Jesus do domínio


da criação e o direito de adoração. Por isso Paulo quase não usa os termos Pai, Filho. Usa mais “Deus Pai” e Kyrios, para designar Deus Pai e Jesus Cristo respectivamente. Na carta aos Filipenses, São Paulo diz de Jesus  o mesmo que Isaías diz de Javé: “Juro por mim mesmo: Da minha boca sai verdade, palavra que não volta atrás: Para mim se dobrará todo o joelho, e toda língua jurará dizendo: Só no Senhor encontro êxito e poder...” (Is.45,23); “Para que ao nome de Jesus se dobre todo joelho, de quantos há no céu, na terra, nos abismos. E toda língua confesse que Jesus Cristo é o Senhor...” (Fl.2,10).
Esse Jesus, a Comunidade o confessava como “O Ressuscitado” pelo Pai e assim constituído KYRIOS, Senhor: “Todo Israel saiba, portanto, com a maior certeza que este Jesus, por vós crucificado, Deus o constituiu Senhor e Cristo” (At.2,36).
Ressuscitado, Jesus recebeu do Pai a DINAMIS, a força de comunicar a todos a santidade a ressurreição. Por isso é Ele o Senhor dos vivos e dos mortos (Rm.14,9). Esse Senhor, o Kyrios, esta em contato permanente com a sua Comunidade, a Igreja. Ele venceu os principados e as Potestades (=forças negativas) e comunicou aos seus, a positividade de sua Ressurreição. As cartas do cativeiro mostram esse caráter cósmico do Kýrios feito Senhor de tudo, e promovendo a unidade total da Igreja cósmica, quando então haverá “um só Senhor” (Ef.4,5;2,21).
Além de promover a unidade da Igreja e influenciar na vida da Comunidade, o Senhor, Kyríos, entra em relacionamento com cada um dos fiéis. É um relacionamento pessoal. Paulo chama de DOULÍA, servidão. No sentido de servo de Kyríos. É um relacionamento não de tirania, escravidão, mas de liberdade: quanto mais o cristão se unir ao Kyrios , tanto mais o Senhor também será, tanto mais vencedor será de si, das forças negativas; será livre. (Cf. Gl.1,10; Rm.1,11; 1Cor.7,22 e Gl.4,7).






4. ESBOÇO DA ECLESIOLOGIA DA IGREJA


a)    Conceitos da Igreja
A eclesiologia da Igreja paulina é definida e profunda. São Paulo usa, porém, de uma série de expressões para caracterizar a Igreja e mostrar a profundidade e o vigor do seu pensamento.
A Igreja é: 
- Plantação (1Cor.3,6-9)
- Construção (1Cor. 3,10-16; Rm.15-20; 2Cor.6,16; cf. ainda as fórmulas em 1Cor.14,12.26; 2 Cor.12,19 e Rm.15,2).
- Esposa (2 Cor.11,2ss.; Ef.5,222-23).

- Corpo (1Cor.12,12-27; Rm.12,4-5; Cl.1,24;2,17; Ef.1,23; 4,12; Col.1,18;2,19;Ef.4,16;5,23; 1Cor.10,17). 
São Paulo retoma do Antigo Testamento esse conceito de Igreja como Povo de Deus reunido e organismo vivo (1Ts. 1,1; 2 Ts. 1,1), mas faz também distinção entre a Igreja e o povo de Deus vetero-testamentário, quando escreve aos tessalonicenses e Gálatas por ex. e diz:
“vós vos tornastes imitadores das Igrejas de Deus que estão na Judéia, em Cristo Jesus” (1Ts.2,14),
“não eram conhecidas das Igrejas da Judéia que estavam em Cristo” Gl.1,22
A Igreja é então para ele, Povo reunido, Povo de Deus, mas em Cristo Jesus.
O que entende Paulo por “Povo de Deus reunido” ou Eclésia tou Theou”.
Para ele, a Igreja é o novo Povo de Deus, convocado por Deus, que reunido em Cristo, continua o povo de Deus do A.T. não é só Israel. Mas é uma Igreja aberta, sem fronteiras, pois em Cristo ela se tornou o lugar dos hebreus e dos gentios. É a dimensão universal da salvação. Nasceu porém do Povo eleito, do antigo Israel. Por isso Israel é a oliveira nobre na qual foram


enxertados os brotos selvagens (Rm.11, 17ss). A Igreja não procedeu, não tem raízes num Israel. Por isso Israel é a oliveira nobre na qual foram enxertados os brotos selvagens (Rm.11,17ss). A Igreja não procede, não tem raízes num Israel terreno, da carne, da circuncisão; mas no Israel do Espírito, da promessa (Rm9,6ss.; 1Cor.10,18), Israel de Deus (Gl.6,16). É desse Israel que a Igreja é a continuadora. E nessa Igreja, novo povo de Deus em Cristo. têm lugar todo os homens. Ele desenvolve esse sentido eclesiológico universal na Carta aos Romanos (9,11). Com isso ele mostra que Israel  foi infiel a Deus; Israel impediu que a Palavra de Deus produzisse efeito (9,6), e pergunta: “Deus por acaso rejeitou seu povo?” (11,1). Responde que Deus não abandonou Israel. O povo hebreu é ainda a oliveira nobre, mas nesse tronco serão enxertados outros brotos. Assim o novo povo de Deus será em Cristo um povo Universal e último. A Igreja é então o complemento de Israel, e o definitivo povo. É com esse novo e definitivo povo que Deus fará a nova Aliança (Jer.31,31ss) por meio de sangue de Cristo.
O novo povo de Deus, reunido em Cristo, embora congregando homens de todas as raças e do mundo todo, é todavia um só povo. Cada comunidade particular é uma expressão concreta da unidade da Igreja.
A palavra “Eclésia” para Paulo tem esse primeiro aspecto de designar a comunidade particular, como também a comunidade cristã doméstica (comunidade de base). Por ex. 1Cor.10,32: a Igreja de que fala aí é a Igreja Particular de Corinto; como também em 11,22. Em Rm.16,5, “igreja de sua casa” designa a comunidade doméstica, do lar, pequena Igreja de Deus. Isso também é lembrado em 1Cor.16,19; CL.4,15 e Fl.2. Todas essas Igrejas domésticas e mais as Igrejas de base (comunidade domésticas de base) constituem aquilo que ele chama de “Igreja de Deus em Corinto... Éfeso, Colossos etc...”). Desse modo são endereçadas as suas Cartas a essas Igrejas particulares, por ex. “A Igreja de Deus que está em Corinto” (1Cor.1,2 e 2Cor.1,1); o mesmo endereço ele usa para as demais igrejas da Tessalônica, Roma e outras. Todas elas reunidas, constituem a única IGREJA DE DEUS, a verdadeira ECLESIA TOU THEOU. As Igrejas particulares são partes essenciais da única Igreja de Deus; é para Paulo sumamente contraditório pensar que a Ecclesia toi Theou possa estar dividida em pequenas comunidades independentes. Todas, numa unidade, formam a única Igreja de Deus.
Além desse primeiro aspecto,  a palavra “Ecclesia” tem no pensamento de Paulo outro sentido, que completa o primeiro: Essa Ecclesía é Santa. É uma Reunião Santa. Não é uma reunião, convocação qualquer. Isso não é Igreja.
Para os gregos o sentido de uma reunião dos cidadãos da polis que tinham direito a votos era chamada de Ecclesía. Reuniam-se para decidir propostas da Comunidade (leis, política etc). Essa reunião (ecclesía) começa com orações e ofertas aos deuses da cidade. São Paulo ao usar essa palavra tem em mente a idéia grega de reunião, convocação (= ecclesía) mas dá a ela nova impostação, um novo significado: é uma assembléia (ecclésia) SANTA E SOLENE. Os destinatários de suas cartas (gregos) sabiam distinguir muito bem essa ecclésia de que ele falava, da ecclésia comum da polis. Percebiam o jogo das palavras de Paulo. Sabiam que ele dava a palavra não só o sentido de “ato de reunir”, mas principalmente os sentido de “reunir para que unidos celebrassem publicamente o serviço divino”. A Ecclésia de Paulo é Ecclesía tou Theou, isto é CONVOCADA POR DEUS, a partir da Fé. Não é uma synagoghê, isto é, uma reunião geral, indefinida. A palavra synagoghê, (reunião) tem sentidos diversos: é ato de reunir pessoas como também coisas. Só no século II a.C é que começa a designar exclusivamente a reunião regular, às vezes com refeição. Mais tarde passa a significar o lugar ou edifício da reunião. Por isso o N.T. não usa esse termo com sentido teológico, mas só para designar o edifício. (Cf.DIZ.DEI CONCETTI BIBLICI DEL NT. Col.261-263).
Essa Ecclésia que se reúne para a solene liturgia é para Paulo uma Ecclésia santa, e os seus membros são também santos. Isso a diferencia essencialmente deda Ecclesía dos gregos.
Paulo sublinha esse aspecto diferenciador, que é a santidade dela e de seus membros, quando escreve – por ex. aos Coríntios:
“A Igreja de Deus que está em Corinto, aos santificados em Cristo Jesus, chamados à santidade (1Cor.1,2)”.  Também aos Romanos: “a

todos os amados de Deus que estais em Roma, chamados á santidade” (Rm.1,7).
Esses termos são traduzíveis propriamente assim: “aos membros da santa assembléia solene”. Em grego se diz: kletói ághioi. Os kletoi aghiói são membros da Kleté ághia. E Kleté Ághía (hh’ é a tradução do hebraico MIKRA´ QODESH( קדש מקרא), termo que indica no A.T. a reunião solene do povo santo de Deus, reunido aos sábados e nos dias festivos para a liturgia solene e divina (Ex.12,16; Lev.23,3ss. ; Nm.28,25).
Então, quando Paulo chama de santos os membros da Ecclésia ele entende que esse povo é o povo santo, eleito e convocado para a santa assembléia solene. O povo, pelo fato de pertencer à Igreja de Deus já é santo. Mesmo os pagãos, uma vez agregados à Ecclésia, são também santos. Eles tornam-se “concidadãos dos santos” (Ef.2,12.19).
Para São Paulo a Ecclésia tou Theou, é o povo de Deus, convocado por Deus, reunido, santo, universal e único.
São Paulo caracteriza essa Igreja santa com várias expressões próprias. Chama-a: plantação, construção, Esposa e Corpo de Cristo.
-  Plantação
É uma alegoria conhecida no A.T. Israel é a plantação de Deus, é a sua vinha. (Is.5,1-7; Jr.2,21;12-10; Jl.1,7; Sl.80,9.15 etc). No N.T. também aparece essa alegoria (Mc.12; Mt.20;21). São Paulo compara a comunidade, a Igreja, a uma plantação: “Eu plantei, Apolo regou e Deus deu o crescimento” (1Cor.3,6-9). A Igreja é o campo de Deus (Theou gheórghiojn) e os homens são os trabalhadores de Deus. A Comunidade de Corinto é também vinha de Deus, porém é uma parte da imensa plantação de Deus, que é a Igreja universal.
Também na Carta aos romanos ele diz que os gentios fazem parte dessa plantação de Deus.
Eles não são a oliveira, mas os ramos enxertados. De agora em diante gentios e judeus foram uma única e forte oliveira, que é a Igreja de Deus (Rm.11,17-24).


-  Construção
Outra metáfora empregada por Paulo. Tem base no AT. Também. Por ex. a descrição da construção do Templo em EZ.40.
Na mesma Carta aos Cor. (1Cor.3,10-15) São Paulo compara com a Igreja a uma construção, onde Jesus Cristo é o fundamento, o alicerce. È pois a Igreja uma construção santa (cf. Também. 1Pe.2,5). Essa metáfora aparece em vários escritos paulinos (1Cor.3,9; Ef.2,21; 2Cor.6,16; Rm.9,32,33).
-  Esposa
Essa alegria é usada por São Paulo em 2Cor.11,2 e Ef.5,22-32. Tem raízes também no AT. Foi uma imagem muito querida pelos profetas (Jr.2,2;14,17;18,13; Lm.2,13; Os.1-3; Is. 49,18;54,1;61,10;62,4). Deus é o esposo, e o povo sua esposa. Entre Deus o seu povo foi feita uma aliança de amor e um juramento de fidelidade. O povo deve servir ao Senhor Deus, e o Senhor abençoara a dirigirá seu povo. Essas expressões dos profetas são figuradas.
São Paulo fala da Igreja, esposa de Cristo, não no sentido mítico do hierós gamos (matrimonio divino entre um ser divino e uma criatura humana. cf.por ex. Gn.6,3ss) Para evitar essa idéia, tão comum naquele tempo, Paulo evita citar nas suas cartas essas passagens dos profetas, ao referir-se á Igreja, Esposa de Cristo.
A passagem mais clara de Paulo sobre a Igreja, Esposa de Cristo está em Ef.5,22ss.
Essa imagem já fora preparada em 2Cor.11,2ss. Aí é a comunidade é a de Corinto que é apresentada como Esposa de Cristo, e Cristo, esposo dessa comunidade; em Ef.5,22s é a Igreja Universal que é apresentada como a Esposa de Cristo. Mais importante na Carta aos Efésios é que aí é o próprio Cristo que apresenta a Igreja como sua esposa (v.27), enquanto na carta aos Coríntios é Paulo quem apresenta a igreja local a Cristo como esposa.
O que Paulo quer exprimir com essa imagem?


Mostrar o íntimo relacionamento entre a Igreja de Cristo. Um relacionamento feito  de amor absoluto e de doação. Assim é que a prova de amor maior que Jesus demonstrou pela sua Igreja foi morrendo por ela, “entregando-se por ela”. Essa santificação a Igreja a recebe mediante o batismo (“pelo batismo de água e palavra de vida”). A santificação da Igreja se fundamenta na oferta que Cristo fez de sua vida por ela e se atua mediante o batismo.
Usando a expressão “Esposa de Cristo”, São Paulo quer mostrar que tanto a comunidade particular, como a Comunidade universal estão unidas a Cristo como a cabeça ao corpo. Não pode haver desunião, desarmonia com a Comunidade, pois todos são um só corpo.
Dessa metáfora, Paulo faz depois uma analogia sobre o casamento. Assim como a Igreja está unida intimamente e definitivamente a Cristo, do mesmo modo a mulher deve estar unida a Cristo, do mesmo modo a mulher deve estar – unida ao marido; como  Cristo amou a Igreja morrendo por ela, o marido deve amar a esposa de tal forma que até possa morrer – por ela. Como há união total entre Cristo e a Igreja, assim deve ser a família cristã.
-  Corpo de Cristo
Esse teologúmenon é a maior contribuição paulina para construir a Igreja do NT. É um conceito tipicamente paulino, muito expressivo e que indica o relacionamento entre a Igreja e Cristo. A Igreja é para Paulo o “Corpo de Cristo” (Soma tou Christou). Os textos com que Paulo caracteriza assim a Igreja são vários. De modo especial encontram-se nas cartas aos Coríntios e aos Romanos – de um lado; e doutro, nas Cartas aos Colossenses e Efésios. A perspectiva de Paulo é diversa também: é uma nas cartas aos Cor. e Rom. E outra nas cartas aos Col. E Ef.
No primeiro grupo (Cor. e Rm) esse termo (Soma tou Christou) designa a Comunidade particular, local. A Igreja é corpo em relação aos membros que a compõem, isto é, é corpo, dado ao relacionamento dos membros entre si. É UM CORPO DE CRISTO. Não é considerada em relação a Cristo. O corpo aqui é a comunidade dos crentes. Esses como partes é que o

constituem. A Igreja, corpo de Cristo, é nessas cartas a estrutura social. Os cristãos precedem a Igreja que é o seu conjunto. A Igreja é nessas cartas uma esfera limitada. Os membros, inter-relacionam-se  como os membros de um corpo; há uma interdependência entre eles, uma ajuda mútua, uma solidariedade. Paulo chama isso de “ajuda na caridade” (Rm.12,3ss.; 1Cor.12,12-31).
No segundo grupo (Ef. E Col.) o conceito de Igreja, Corpo de Cristo (Soma Tou Christou) é estendido a Igreja Universal. Nessas cartas não se fala apenas que a Igreja é corpo de Cristo (como nas Cartas aos Cor., e Rom.) mas ainda que CRISTO É A CABEÇA DA IGREJA, seu corpo (EF.1,22ss. 4,156; 5,23,30;Col.1,18.24;2,19).
Nesses casos todos mostra-se o relacionamento de Cristo com a Igreja ( e não só dos membros entre si com a Igreja (e não só dos membros entre si como no primeiro grupo). A Igreja é o corpo de Cristo. Como para São Paulo o homem é  corpo e não está apenas no corpo, assim também Cristo em relação à Igreja. No corpo de Cristo que é a Igreja, está todo o Cristo. Ou por outras palavras: esse Corpo de Cristo (Igreja) é o próprio Cristo.
Mas como o homem tem também a sua individualidade, seu eu, que não se resume no corpo, também Cristo em relação à Igreja: Ele não é separável da Igreja, mas também não é identificado com ela. Cristo e a Igreja são a mesma coisa.  Ela é CORPO DE CRISTO (é nesse corpo que está Jesus Cristo, assim como o meu EU não se identifica com o meu corpo, mas está no corpo). A Igreja é Cristo no seu Corpo. Se não se pode dizer que são identificáveis, são, todavia intimamente unidos e interdependentes. Por isso Paulo diz que o Cristo é o CABEÇA DA IGREJA. É o sinal dessa unidade incindível.
Se a Igreja é o Corpo de Cristo, por que São Paulo distingues Corpo e Cabeça?
Evidentemente não se pode dizer que há separação. Toda a Igreja é Cristo, como Cristo todo está na Igreja. São Paulo diz que Cristo é o cabeça da Igreja porque a semelhança do corpo humano, se desenvolve-se em

dependência da cabeça, também a Igreja se desenvolve-se em dependência de Jesus Cristo, de quem recebe coesão e harmonia. Dizendo que Cristo é o cabeça da Igreja, Paulo quer demonstrar a proeminência de Jesus Cristo: ele é o fundamento, origem fim, de toda a dinâmica desse corpo. Ele, como cabeça, tem nesse corpo uma hegemonia, como cabeça num corpo. É aqui que São Paulo encontra a fonte da vida da Igreja: é em Cristo, por Cristo, com Cristo que a Igreja caminha. Ele é de fato “o principio” (Cl.1,18).
Note-se que São Paulo não diz que Jesus é o cabeça do Corpo (a não ser em Col.1,18), mas diz que é o Cabeça da Igreja. Há como que uma separação ou distinção entre Cristo e a Igreja. Assim fazendo, diz Kaesemann (op.cit.p.128). Paulo quer significar que Jesus como cabeça é o ressuscitado o glorificado, entronizado; aquele que tem o domínio do mundo, o que é também o Senhor da Igreja. A Igreja não é independentemente autônoma, mas sujeita à ação do Kyrios. Ela é o âmbito, a esfera onde o Cristo exaltado demonstra que é o Kyrios, o Senhor. A Igreja é o Corpo de Cristo e também campo de seu domínio.
Essa é uma perspectiva da Carta aos Efésios principalmente. A Igreja é o corpo de Cristo mas também “o complemento daquele que preenche tudo em todos” (Ef.1,23). Isso significa que a Igreja é o meio pelo qual Jesus Cristo, Kyrios, Cabeça, abrange tudo, dimensiona tudo. Ou ainda: é pela ação da sua Igreja que Cristo vai envolvendo todo o cosmo e fazendo-o participante de sua ressurreição e sujeitando-o a si como Kyrios. É o aspecto cósmico , universal da Igreja. São Paulo contrapõe- como vimos- o Cristo às forças cósmicas e as potencias em que acreditavam principalmente os colossenses, e salienta que Jesus, como cabeça, como Kyrios, detém a supremacia sobre elas. Na Carta aos Efésios amplia esse horizonte. Cristo não é só kyrios das potencias, mas de todo o cosmo. Ele é o PLEORAMA, plenitude, aquele que tudo contém. Mas essa plenitude vai sendo alcançada a medida que a Igreja, seu Corpo, vai avançando e envolvendo todo o criado. É a ação “pleromênica” da Igreja. Quando tudo foi alcançado, então o cosmo foi cristificado, a obra de Deus completada.


Essa ação cristificante é exercida pela força do espírito, mas também e igualmente pela ação e compromisso cristãos ( ou do cristão) no mundo. É desse modo que os cristãos “COMPLETAM O QUE FALTOU À PAIXÃO DE CRISTO”. (Cl.1,24).
Resumindo: nas Grandes Cartas (Rm. E Cor.), a Igreja é o Corpo de Cristo como comunidade local, que deve viver unida e constituir-se uma comunidade de santos. Nas cartas do Cativeiro
(Cl. E Ef.), a Igreja é Corpo de Cristo como comunidade cósmica, da qual Cristo é o Cabeça, o Chefe. O Kyrios. A Igreja, Corpo de Cristo no sentido cósmico só existiria quando Deus, pela ação do Espírito do cristão, for tudo em todos (1Cor.15,28). Essa Igreja cósmica, universal, tem suas raízes, porém, nas igrejas locais particulares. E pelas comunidades locais, particulares é que a Igreja cósmica vai-se realizando ou cristificando o mundo.  
O conceito Igreja, corpo de Cristo, designa para São Paulo a íntima relação de Jesus com a Igreja, a origem em Cristo de todas as dínamis da Igreja, o fundamento de toda a comunidade particular, a dependência da Igreja de Cristo (a Cristo) e a força missionária que deve levar a comunidade particular a uma ação pleromênica. Igreja, Corpo de Cristo, é conceito vivo, de organismo vivo, atuante, de membros interdependentes, que se ajudam, trabalham, atuam, como membros desse Corpo e como Corpo de Cristo, aceitando-se e vivendo na caridade. (Rm12,3ss; 1Cor.12,14ss. e Ef.4,1ss).
b)   O universalismo eclesial paulino
O judaísmo tinha consciência de ser o Povo de Deus de modo exclusivo. Somente os judeus constituíam  a herança de Abraão; somente eles eram os filhos da promessa.
É dentro dessa perspectiva que Paulo, formado na teologia judaica, definida o ponto de vista de seu povo contra o cristianismo surgia:
“É na minha nação, excedia em judaísmo a muitos da minha idade, sendo extremamente zeloso de  tradições dos meus pais” (Gl.1,14).
Depois de sua vocação à fé cristã, porém, ele toma nova direção. Compreendeu pela fé em Jesus Cristo que os horizontes da eleição de Deus,  


não são exclusivamente, mas amplos, universais. Deus chama à salvação todos os povos e não só um povo.
Convicto de ser essa descoberta uma inspiração de Deus, não vacilou em levar aos gentios essa novidade, esse evangelho:
“Mas quando aprove àquele que me reservou desde o seio de minha mãe e me chamou por sua graça, para revelar seu Filho em minha pessoa, a fim de que o tornasse conhecido entre os pagãos, imediatamente parti para Arábia, sem recorrer a nenhum conselho humano, sem ir a Jerusalém, ver o que antes de mim eram apóstolos. Da Arábia voltei a Damasco” (Gl.1,15-17).
Essa tomada de posição Paulo é quase uma ruptura com a mentalidade exclusiva de seu povo. Paulo percebe-se vocacionado para anunciar o evangelho entre os gentios por uma revelação de Deus, e comunica aos apóstolos essa sua vocação (Gl.2,2).
Paulo questiona primeiramente o sentido exclusivista judaico, de Povo de Deus. Não é pelo simples fato de serem filhos de Abraão, que os israelitas são de fato Povo de Deus. O que conta não é a descendência carnal; o que vale é a acolhida das promessas, é fazer as obras de Abraão. Por isso é que diz São Paulo em Romanos 9,6-12 que a realidade de um verdadeiro israelita no sentido religioso (=filho de Abraão), não coincide necessariamente com a realidade de israelita em sentido étnico (=ter nascido em Israel). E demonstra isso com dois exemplos: Abraão teve dois filhos. Mas só um (Isaac) é que foi herdeiro das promessas; também Isaac teve dois filhos (e que foram gêmeos), mas só um Jacó foi o herdeiro.
Portanto, é verdadeiro filho de Abraão, é filho da promessa, todo aquele que vive a fé de Abraão, é filho da promessa, todo aquele que vive a fé de Abraão (Cf. Gl. 3,6-7),  e não aquele que apenas nasceu no povo de Deus e não vive a fé do Povo de Deus. Todo aquele que ama a Deus é um chamado, vocacionado de Deus.
Mostra São Paulo que no AT. Deus já anunciara isso por meio de Oséias (1,10;2.25): “Chamarei meu Povo ao que não era meu povo e Amada à que não era amada” (Rm.9,25).


Por que Deus chamará os outros povos? Por que Israel foi infiel e Deus é fiel. Deus prometeu uma herança a Abraão. Essa herança é Jesus Cristo. E Jesus veio. Israel foi infiel e não acolheu a PROMESSA de Deus, rejeitando Jesus Cristo. Mas a promessa de Deus não esvaziou-se por isso; pelo contrário, encontrou maior acolhida no meio dos outros povos. Esses povos é que constituem  agora o verdadeiro e novo Israel de Deus, o novo e verdadeiro Povo de Deus:
“Os pagãos que não procuravam a justiça, alcançaram uma justiça, isto é, a justiça pela fé;  ao passo que Israel esforçando-se por seguir uma Lei de justiça, não a alcançou” (Rm.9,30-31), isto é os pagãos que não procuravam seguir a Lei alcançaram pela Fé a justiça verdadeira que é Jesus Cristo, enquanto Israel que esforçando-se para seguir apenas exteriormente a Lei (obras) não alcançou a justiça, isto é, a Promessa de Deus que foi Jesus Cristo.
Isso, diz São Paulo, não significa que Deus rejeitou o “seu” povo, pois ele mesmo – Paulo- é judeu e pertence ao novo Povo. Depois lembra o convite bíblico de “resto de Israel”; no meio do povo que se afasta de Deus – como na atual situação sempre permanece um “resto fiel”. É deste “Resto” que nascerá o novo povo, o novo Israel cristão (Rm.9,27-28;10,1-6). Esse “resto” é que conservará o tronco, as raízes de oliveira nobre na qual serão enxertados os brotos silvestres ou selvagens (Rm11,7ss).
Concluindo, ele diz, que a partir de agora – pela fé e pela adesão a Jesus Cristo, o Povo de Deus são todos os homens; a Igreja de Jesus Cristo é universal, e todos os homens constituem a herança da Abraão (Gl. 3,28-29).
Depois de ter redimensionado o conceito de Povo de Deus, Paulo defende os direitos  iguais dos gentios nesse novo Povo. É de notar que os próprios judeu-cristãos faziam ainda ressalvas à participação total dos gentios na nova Comunidade.
Paulo sublinha e argumenta que a nova Igreja Universal, o Batismo identifica e dá iguais direitos a todos. Mesmo os judeus, que eram circuncidados (como sinal de pertença ao povo de Deus) foram eles também recebidos no Novo Povo por meio da fé e do Batismo. Todos os gentios,

chamados a pertencer a esse povo, fazem agora parte da filiação espiritual de Abraão, pois aderiram a Jesus Cristo pela fé. E Jesus é a promessa de Deus a Abraão. Não é mais a circuncisão o sinal de adesão e de pertença ao Povo de Deus, mas a fé em Jesus Cristo e o Batismo.
Se todos têm a mesma fé e o mesmo Batismo, são todos iguais:
“Já não são judeu nem grego,  nem escravo, nem livre, nem homem, nem mulher, pois todos vós sois um em Cristo Jesus” (Gl.3,28).
Os gentios não devem circuncidar-se para pertencer ao Povo de Deus, e nem sujeitar-se à Lei mosaica.
Essa foi uma tarefa árdua e polêmica para Paulo, ao defender a liberdade dos gentios na Igreja (Cf.At.15 e GL. 2,11-21).
Paulo faz a defesa dos gentios na Carta aos Gálatas e depois em Rm.9-11. E seu argumento final foi que não podia haver mais diferença alguma entre os cristãos, “porque todos pecaram e todos estavam privados da glória de Deus. Mas agora são gratuitamente justificados pela graça, pela redenção em Jesus Cristo” (Rm. 3,23-24).
Dessa maneira os pagãos são irmãos dos judeus com todos os direitos; os judeus não podem rejeitá-los por não serem circuncidados. E também os cristãos gentios não devem rejeitar o velho Israel (por ter recusado Jesus Cristo), mas ter caridade com os judeu-cristãos que ainda têm raízes de velhos costumes comida, bebida, purificações etc...
Desse modo Paulo não só defende a igualdade na Igreja de Deus mas promove a caridade e a  concórdia que devem existir no meio cristão.
Essa união entre judeus e pagãos que formam a Igreja Universal é aprofundada na Carta aos Efésios. Aí ela, a Igreja, é chamada de “MISTÉRIO” de Cristo:
“Mistério de Cristo que em outras gerações não foi manifestado aos homens de maneira como agora tem sido revelado pelo Espírito aos seus santos apóstolos e profetas” (Ef.3,4-5).

E esse mistério é manifestado por Paulo:
“Os pagãos são também herdeiros conosco e membros de um mesmo corpo, co-participantes das promessas em Cristo Jesus...” (Ef.3,6).


Esse é o mistério da Sabedoria de Deus. A Sabedoria de Deus prometeu e realizou a salvação de todos por meio de Cristo, formando assim um só povo de todos os povos. Ele une a todos, realiza a comum-união porque é o sinal de Deus, o SACRAMENTO DO PAI.  

ADENDO:

a)    Cristo, Sacramento do Pai


Tertuliano dizia que toda alma humana é fundamentalmente cristã. Há uma Igreja anônima, anterior à Igreja institucional. Santo Ambrósio acrescenta que a realidade toda esta repleta de Cristo e da Ecclesia” (In.Ps.XLII, 7: PL14,1144). Santo Agostinho mostra por sua vez que a religião que conhecemos professamos na Igreja hoje, é tão antiga como o mundo. (Cf. SCHELLEBEECKX, op.cit.p.13). E recentemente o Concilio Vaticano II descreveu a Igreja de Deus como uma Igreja sem fronteiras: “Sacramento ou sinal e instrumento da intima união com Deus e da unidade de todo o gênero humano” (LG1). Mesmo os povos que ainda não receberam o Evangelho se ordenam por diversos modos ao Povo de Deus (LG16) e também eles detêm elementos de santificação e de verdade (LG8).
Tudo isso, desde os Santos Padres até o Vaticano II quer sublinhar que é sensível a presença de uma Igreja sacramental, velada, anônima na vida de toda humanidade. Essa Igreja sacramental é o sinal da graça de Deus no meio dos homens.
Porém, o sentimento religioso humano, vago, postulava por uma concreticidade que fosse à História uma expressão daquele Deus invisível, de sua graça, desse “Deus abs conditus”.
O paganismo procurou dar uma forma exterior a essa expectativa interior. Criou os seus mitos seus mistérios, nos quais Santo Tomás vê também elementos sobrenaturais, pois tais mitos e mistérios expressam a sacramentalidade humana geral, que ele chama pré-cristã, pois ela contém germes da salvação universal que Deus quis.

Toda essa expectativa, anseio, esperanças, propostas de paganismo constituíram-se um esboço da verdadeira Igreja de Deus, na qual por meio de Jesus Cristo, Deus realizaria essa utopia humana.
Deus anunciou na sinceridade da fé dos povos pagãos e prefigurou depois no Povo de Israel não foi uma imagem ou figura perfeita da Igreja de Deus, pois foi repetidamente infiel a Deus. A revelação de todo o AT. Prepara porém, o advento daquele que se chama a concretização da presença de Deus entre os homens, e que satisfaria assim os anseios e expectativas da humanidade: JESUS CRISTO. Ele se torna então, o SINAL, ou o Sacramento primordial: no Cristo terrestre o homem se encontra agora com Deus.
Jesus Cristo, “uma pessoa em duas naturezas” é a historização encarnada de Deus: Deus é pessoalmente homem e este homem é pessoalmente Deus – como diz Santo Tomás.
A encarnação de Jesus Cristo supera a forma antiga de relacionamento de Deus com o homem: Deus não se manifesta apenas como transcendente (acima do homem) ou imanente ( no homem), mas sobre tudo transparente (através do homem Jesus Cristo). É o que já dizia Paulo em Ef.  4,6:
“Há um só Deus e Pai de todos,
                     que está acima de todos (epi pánton)
                     atua por meio de todos  (dia  pánton)   
                     e se encontra em todos   (en pánton).

É uma terceira dimensão: a transparência que completa o binômio transcendência -imanência. Jesus Cristo traduz na sua incarnação um novo modo de ser, que é o sacramental. Como o sacramento não pertence ao além, nem só ao “aquém” transcendência ou imanência) mas ultrapassa essa antítese e constitui uma realidade sintética onde a transcendência e a imanência se exprime numa transparência: sua divindade incarnada. Jesus Cristo é então o ponto de encontro do homem com Deus. Ele não é só Deus, mas homem também. Não é apenas homem, mas Deus também. Por ser igualmente homem e Deus, Jesus Cristo é então a transparência mais perfeita manifestando o divino no humano. Ele é então o


sacramento por Excelência, ou o maior e mais eminente sinal já constitui o próprio significado. Ele não significa outra realidade: Ele é a realidade significada. Ele é a máxima comunicação de Deus; é um acontecimento escatológico, definitivo. É o SACRAMENTO DE DEUS, pois exprime a comunhão (comum-união) de Deus e o homem. (Cf.tb.L.BOFF, “O pensar sacramental: sua estrutura e articulação”, em REB 35 (1975) p.515-541)

b)   Igreja, sacramento de Cristo

Jesus Cristo, sacramento maior de Deus, é visibilizado, tornando ainda transparente pela Igreja e na Igreja.
Como Cristo é o sacramento da comum-união de Deus e do homem, ela a Igreja, é o sinal e o instrumento da comum-união de vida com Deus e da unidade do gênero humano (LG.1 Ad. Gentes 1-5) . Esse ser sacramental da Igreja baseia-se no seu intimo relacionamento com Cristo. Um  relacionamento tão intimo e tão profundo que ela como Sacramento de Cristo torna-se no mundo a visibilização permanente dele.
Esse modo concreto e sacramental de a Igreja “ser Cristo” é já expresso na Tradição cristã que vê em cada ação da Igreja uma ação de Cristo: “Cristo oferece agora o sacrifício através do ministério dos sacerdotes, o mesmo que outrora se ofereceu a si  mesmo na cruz” (Conc. de Trento, Sessão XXII, DS 1743); sempre que alguém batiza, é o próprio Cristo quem batiza” (Santo Agostinho, Tract. CXXIV in IOh. EV.,CCL,36,57).
As ações da Igreja, sendo ações de Cristo, fazem da Igreja, o sacramento total. Assim a consideram os Padres da Igreja antiga: “a realidade toda está repleta de Cristo e repleta da Igreja”, dizia Santo Ambrósio (In Os XLIII, 7: PL 14,1144). E Santo Atanásio escreveu: “Todas as criaturas visíveis e as que podemos conhecer pelo espírito foram criadas primeiramente para prefigurar a imagem da Igreja e de Cristo, seu esposo” (IN. Hexaem, I.PG 89,854).
A Igreja, como sacramento total de Cristo, é por sua vez a transparência divino-humana que absorve os traços do terreno, do


“mundano”, tendo suas raízes no divino, e se torna a diáfana, a transparência de Deus do Universo.
Todos esses conceitos estão já expressos no NT. Quem os expressou de forma densa, concisa, viva e profunda foi São Paulo, quando designou a Igreja como Corpo de Cristo. É a expressão real, viva, concreta do intimo relacionamento de Cristo com a Igreja, de Cristo com os fiéis, e dos fiéis entre si e de Cristo com o mundo.
É desse modo de ser da Igreja, essa vida intima da Igreja-Cristo, que expressa a sacramentalidade da Igreja.
A sacramentalidade vem a ser propriamente a manifestação da vida de amor, do intimo relacionamento de Cristo com a Igreja, e de perfeita koinonia dos membros da Igreja entre si, mediante a dínamis do Espírito , que perpassa e envolve a todos.
A Carta aos Efésios mostra com realismo e clareza esse manifestar sacramental. A idéia básica dessa sacramentalidade é a união, a unidade dessa comunidade. Não se pode dizer que somos de Cristo ou o Corpo de Cristo, se não somos unidos.
A mesma Carta aos Efésios mostra ainda que essa unidade tem origem em Cristo; é a partir dele que formamos um corpo unido, coeso, pois Ele é a cabeça (1,22-23); é por Ele que a Comunidade mantém a unidade, e é alimentada (4,15-16); e é Nele principalmente que fomos inseridos para formarmos o Corpo eclesial. Por isso a fórmula “en Christô” (ou equivalente) é característica dessa Carta, onde parece mais de vinte vezes. É Nele, no Cristo, na unidade da comunidade, que manifestamos a Igreja ou nos manifestamos como Igreja.
A glória de Deus (1,6.14) perpassando a Comunidade pela dínamis de seu Espírito (1,19;3,20) é que garante a união na caridade. E concretamente essa sacramentalidade se demonstra pelo amor mutuo amor fraterno, que partindo do Cristo, pelo Espírito, torna os cristãos mais irmãos.
Sem a caridade fraterna, faltará a glória de Deus, a força do Espírito; faltará Cristo, e por conseguinte, não haverá Igreja, pois a  


sacramentalidade tem a sua base no amor trinitário do Pai, por Cristo, no Espírito Santo, que se difunde e envolve a Comunidade.
O ponto de partida dessa sacramentalidade é o batismo. A ceia é sua expressão máxima. (Cf. M.S. “A Sacramentalidade da Igreja como Corpo de Cristo, segundo a Carta aos Efésios”> Tese de Licença, (Roma, 1979 p.43-62).

5. OBRA SALVÍFICA DE CRISTO.

 O HOMEM SEGUNDO  PAULO


O homem é objeto da Salvação realizada por Cristo. O homem participa da Salvação ou da redenção de Cristo mediante a fé e o batismo. Essa salvação consiste concretamente na reconciliação do homem com Deus, no perdão dos pecados e justificação.
a) Reconciliação
É o efeito principal da paixão, morte e Ressurreição de Jesus. Restabelece o estado de paz e união entre o homem e Deus.
São Paulo designa esse estado com o termo karalághe= reconciliação (de Katalásso= fazer as pazes depois de uma guerra). Indica o retorno do homem à felicidade com Deus na intimidade de Deus, depois de um estado de afastamento pelo pecado.
Essa idéia de reconciliação é desenvolvida de modo especial em 2Cor.5,18-20; RM.5,10-11; Cl.1,20-21 e Ef.2,16.
Pela graça de Cristo o homem pecador tem acesso à presença de Deus Pai. Cristo torna-se nossa paz à presença de Deus Pai. Cristo torna-se "nossa paz" (Ef.2,14), desfez inimizades, separações: "derrubou os muros de separação" entre judeus e gregos, como aquele que existia no templo (Cf. Ef.2,14). Dos povos fez surgir um novo Povo, novo homem. Por meio Dele temos a paz com Deus (rm.5,1). Foi por meio de Cristo que o Pai realizou essa reconciliação. Reconciliados por meio de Cristo teremos a participação da vida de Deus (=glória) (Rm.5,10-11).


b) Expiação (perdão) dos pecados
Paulo afirma que Jesus morreu por nossos pecados (1Cor.15,3) e que por meio dele é que "temos a remissão dos nossos pecados" (Cl.1,14; Ef.1,7).
Nos seus escritos, detalha o que vem a ser essa remissão dos pecados. Uma expressão que usa é expiação ou propiciação.: "Deus o destinou para o sacrifício de expiação dos pecados mediante a fé em seu sangue" (Rm.3,25).

A palavra usada é hilastérion (em hebraico Kapporêt), substantivo que mostra que Jesus é o instrumento de expiação. Hilastérion é propiciação ou expiação. Vem do verbo hilaskômai, expiar. Muito usado no sentido de "purificar pecados", expiar pecados (Cf. Sl.65,4; Sir.5,6)  e também no sentido de realizar ritos expiatórios, para purificar lugares ou coisa (Lev. 16,16.20.33; Ez.43,20-26 etc).
Cristão é então hilastérion, um hilastérion, ou o instrumento de expiação da ira do Pai.
Não se deve pensar que a ira de Deus foi aplacada com a morte de Cristo. Essa "ira de Deus" é uma idéia escatológica que quer designar a "reação" de Deus no "Dia de Javé", dia do julgamento final (Cf.1Ts.1,10 ou Rm.5,9). "Ira", significa aqui o estado de indisposição ou inimizade que existia entre Deus e o homem por causa do pecado. Esse estado de inimizade (ira) é abolido pela morte de Cristo que foi o instrumento da reconciliação (i,é, levou os homens a se sentirem novamente filhos de Deus. Deus os quer salvar a todos).
São Paulo pode ter tirado essa idéia da palavra hebraica kapporêt que designava a placa de ouro que cobria a Arca da Aliança (Ex.25,17-22). Essa placa era chamada kapoorêt ou hilastérion = propiciatório. No dia da festa judaica da expiação (Yôm Kippur) o sumo sacerdote entrava no Santuário com o sangue dos animais sacrificados e com ele aspergia essa placa (kappôret, hilastérion), expiando com esse rito os seus pecados e os de todo Israel. (Cf. Lv. 16,2.11-17).


A Arca da Aliança era o sinal da presença de Deus no templo (Sekiná). Era a “Glória de Deus” no meio do seu povo.
Como São Paulo usa a mesma terminologia “glória de Deus” (Rm.3,23) e “propiciatório” (3,25), podemos dizer que ele, partindo do costume judaico da Festa de Yôm Kippur esta fazendo uma transposição e aplicação nova: a cruz de Cristo é o novo propiciatório, e o dia da morte de Jesus é o dia máximo da Expiação cristã. Cristo é o novo propiciatório aspergido pelo seu próprio sangue, que traz o perdão de Deus ao homem. Então, o kapporêt do AT é figura do Cristo Crucificado. 
A expiação, propiciação pelos nossos pecados é feita mediante o sangue de Cristo. É o que diz São Paulo em Rm.3,25. Às vezes nos perguntamos por que Deus exige o sangue. Temos um sentimento de repulsa ao pensar que Deus é um Deus que exige sangue para pacificar-se! Matar para salvar, parece um gesto desumano, repulsivo, primitivo, inconcebível, para um Deus que é “amor”, Pai.
São Paulo insiste que é pelo sangue que Cristo nos remiu; diz ainda o autor de Hebreus 9,22 que “sem sangue não há redenção” O que quer dizer Paulo e esse texto?
Essa expiação “pelo sangue” é uma idéia rabínica. “Sem sangue não há redenção” – dizia o ditado rabínico. Os rabinos diziam isso porque no AT. os ritos de expiação eram feitos mediante o sacrifício de animais, cujo sangue era aspergido no propiciatório da Arca (Lv. 8,15.19.24; 9,15-16;16,19 etc). Não era o sangue que aplacava Javé, e nem a morte era necessária para pagar a divida com Deus. Acreditavam os judeus que a vida estava no sangue. Ofertando o sangue do animal, estavam ofertando a Deus, simbolicamente, a própria vida, e assim criam-se purificados de seus pecados. O sangue purificava não só a pessoa que ofertava, mas também todos os objetos e pessoas que fossem por ele aspergidos. O Levítico (17,11) dizia que o sangue purifica os pecados.
Isso de imolar animais, oferecer sangue, tem também um fundo cultural. As culturas primitivas ofereciam inicialmente até pessoas às divindades. Os judeus substituíram esse costume bárbaro e morrendo pelo  


sacrifício de animais. (Os cartagineses por ex. ofereciam sacrifícios humanos). Para os deuses menores, tratava-se de cabras ou vacas. Quando porém, era preciso pacificar ou tornar propício Baal-Haman, recorriam às crianças. Estas eram colocadas entre os braços da grande estatua de bronze que o representava; deixavas que as mesmas caíssem de lá no fogo que se acendera embaixo. No decurso de um dia chegaram a queimar até 300 crianças em meio a grande ruído de tambores e de trombetas destinado a encobrir-lhes os gritos. As mães tinham de assistir à cena sem uma queixa, sem lágrima. Os ricos se haviam habituado a comprar criança junto às famílias pobres, quando instados a oferecer uma para o sacrifício. Quando Agatocles sitiou a cidade... esse hábito foi interditado para não dar discriminação entre os ricos e os pobres” Cf. INDRO MONTANELLI, História de Roma, p.103-104)
Aplicando a Cristo essa expressão (“expiar pelo sangue”) São Paulo quer dizer que Jesus morrendo, o fez voluntariamente e não obrigado como animais. Ofereceu seu sangue, isto é a sua Vida para reconciliar o homem com Deus. Foi uma oferta livre. Deus não quis a morte como redenção, nem o sangue de Cristo como satisfação. Isso é abominável, incompreensível. São Paulo diz isso. Pelo contrário. Diz que Jesus “entregou-se” por nós e pelos nossos pecados (Gl. 1,4;2,20; Ef.5,2.25; Gl.2,20; Rm.8,35-37). O Pai também   recebeu gratuitamente o dom do Filho (nesse sentido Rm.8,32: “não poupou o próprio Filho”). Isto é, o Pai aceita a doação do Filho como gesto amoroso. Não que Cristo morreu na cruz para pagar um divida, como em Cl. 2,14. É mais uma expressão jurídica que teológica. São Paulo diz que a morte de Jesus é um preço exigido pelo Pai, uma satisfação, mas gesto pessoal de amor ao Pai e aos homens (Rm.5,6-8; 8,35-38). A redenção não deixa de ser no final das contas um grande mistério. Para falar dela, Paulo usa tantas metáforas.
A libertação redentora é um dos efeitos da salvação. Pela morte de Jesus os homens alcançam a “gloriosa liberdade dos filhos de Deus” (Rm.8,21). Essa liberdade é a redenção definitiva. São Paulo usa esse termo

tirando-o da instituição social de seu tempo: a alforria de escravos. Fala disso em 1Cor.7,22-23. Os escravos e os livres não devem mudar de condição social, pois eles já foram comprados por um elevado preço (7,2) e se tornaram escravos de Cristo, ou libertos do Senhor.
No tempo de Paulo os escravos compravam ficticiamente sua liberdade e junto a uma divindade. Depositavam no templo o preço da liberdade junto a uma divindade. Depositavam no templo o preço da liberdade e eram considerados como passados à posse da divindade, que o protegeria e guardaria.
São Paulo usa esse costume e faz disso um paralelismo com a morte redentora de Cristo que compra a liberdade do homem por um alto preço. Usa então as expressões “comprar por um elevado preço”, “escravos de Cristo” etc. a diferença, porém entre um modo e outro é que para São Paulo quem paga o preço da liberdade é Cristo e não o escravo (= o pecador), e o preço é real e não fictício como na instituição social grega, onde o preço que o escravo pagava ao deus era simbólico, pois voltava depois o dinheiro para o seu patrão.
Essa “compra por elevado preço” (1Cor.6,20;7,22) tem em São Paulo sentido de libertação e não de uma paga de preço. Por isso ele nunca chama a Jesus de Redentor e nunca fala de resgate, mas chama a Jesus de “nossa redenção” (1Cor.1,30). A liberdade que Jesus conquistou para os cristãos é a liberdade da Lei, do pecado da morte e de si mesmos (Rm.5,8). Tirou a carga da Lei, deu forças para vencer o pecado, sua ressurreição dá a vida definitiva  e sua graça dá força para o homem vencer-se a si mesmo e não se escravizar ao pecado.
c)    A justificação
É outra forma de Paulo expressar os efeitos da Salvação de Jesus.
Diz ele: “Jesus... foi ressuscitado para a nossa justificação” (Rm. 4,25).
Esse tema da justificação (dikáiosis) é apresentado só em Rm. 4,25; 5,18; o verbo justificar (dikâio) aparece 15  vezes em Romanos e em 8 Gálatas. Em Rm.3,21-30 elabora São Paulo esse tema; ainda aparece essa

temática em Rm.4,5-8, Gl2,15ss e em Fl. 3,8ss. O termo tem raiz no AT de modo especial na palavra Sedaqah, que significa o equilíbrio que se deve ter em relação a uma norma de comportamento. Justo, para o AT., é quem de fato está de acordo com uma norma, uma lei. Há justiça forense quando a norma é jurídica; há justiça propriamente dita quando a norma procede de Deus, é lei divina.
Aplicando ao NT tal conceito de São Paulo parte do principio que o homem por si mesmo é frontalmente contrário a Lei (Rm.3,20) e essa não pode dar forças. O homem não consegue praticar aquilo que Deus quer. Por isso a justificação não pode provir da Lei (Rm.2,13;3,21;4,6). Se alguém procura por si mesmo essa justificação, e procura alcança-la pela própria ação, entra num beco sem saída (Rm.10,3). Essa situação dramática é uma herança que o homem traz do pecado de Adão e acrescenta os próprios pecados.
Numa situação tal é possível apenas o intervenho de Deus (Rm.3,5). Essa intervenção salvífica é fruto só da bondade divina (Rm.3,24;5,21) e realizada por Cristo (Rm 5,15-21). Com  a fé em Cristo e adesão à sua mensagem de salvação , e aceitação de sua pessoa  (Rm.3,24; 3,26;3,28) é que o homem é justificado; recebe uma herança nova, uma afinidade ontológica com Cristo (Rm6,5) uma nova vida no Espírito (8,10), e assim terá condições de observar a nova Lei que é a Lei do Espírito (8,14). A justificação se desenvolverá até alcançar sua perfeição escatológica (8,11.30). (Cf. Nuova Versione della Bibbia Vol.2. Lettera ai romani,  passim).
Essa justificação era impossível de ser alcançada no AT: “nenhum homem é justo diante de Deus” dizia o salmista (Sl.143,2). A justificação seria trazida por um futuro Redentor dizia o profeta (Is.59,15-20).
São Paulo afirma que essa justificação já chegou pela fé em Jesus Cristo: “... para manifestar a sua justiça no tempo presente, provando que ele é justo e que justifica que tem fé em Jesus” (Rm3.26) e “Justificados pela fé, temos paz com Deus, por meio de Nosso Senhor Jesus Cristo” (Rm.5,1).


Essa justificação exige uma radical transformação do homem por meio de Cristo. Não é apenas uma declaração de que o homem já está justificado, mas sim que esse estado de justiça exige a associação do homem à atividade salvadora de Cristo, pela incorporação em Cristo e na Igreja pela fé e pelo Batismo. Fé que é adesão, aceitação e compromisso com a pessoa de Jesus.  
Segundo Kümmel (op.cit.223ss) , não se pode dizer que a “justiça de Deus” a todos justificará (Rm.3,21ss). Paulo mostra que é necessária a fé como condição. Mas a fé que não é apenas crer em Jesus, mas como se disse acima é adesão e compromisso com Ele. O judaísmo tardio empregava o conceito “justiça de Deus” num sentido de benigna fidelidade de Deus em preservar a sua Aliança: o homem podia pecar, que Deus garantiria seu direito de salvação. Era uma promessa de Deus salvar o povo...
O que é “Justiça de Deus”?
Paulo u utiliza algumas vezes esse conceito ( Rm 1,17; 3,5.21.25;  10,3;2Cor.5,21). Entende como “justiça de Deus” o modo de Deus agir no presente. Isto é, é o ato de Deus declarar  justo o homem que por si não pode justificar-se. Não é apenas um declarar justo, mas um tornar justo por meio de Cristo, a quem adere o cristão. Declarar justo é apenas uma expressão de sentido jurídico; tornar justo exige a transformação radical do homem através de Cristo, tornando-a essência da experiência cristã. (Cf.tb. j.fitzmyer, op.cit.p.93ss).

5.1 O homem antes de Cristo

 Qual o efeito dessa obra salvífica de Cristo na vida do homem? Como é que participam os homens da redenção trazida por Cristo.
São Paulo faz distinção entre o homem antes de Cristo e o homem depois de Cristo.





1.           O Pecado
Antes de Cristo os homens eram pecadores, que apesar dos esforços para viverem bem, tinham dificuldades em chegar ao reino glorioso (Rm3,23).
O homem antes de Cristo, tinha um meio de conhecer a Deus: era a criação, as coisas criadas, pelas quais Deus se revelava. Se não chegavam ao conhecimento de Deus era por própria culpa (Rm.1,18-23)>
Também os homens, antes de Cristo, tinham como possibilidade de chegar a Deus,  a observância da lei natural (fazer o bem e evitar o mal). Era isso, um modo de observar a Lei mosaica.
Nesse contexto e colocam a também os judeus que tinham uma lei clara e revelada. Não é apenas pelo fato de que terem uma Lei revelada no AT. que os judeus podiam considerar-se justos e salvos: o importante era a observância da Lei. Nem a circuncisão, nem os oráculos de salvação prometidos ao povo poderiam salvá-los, se não houvesse uma adesão pessoal a Lei (Rm.2,1-3.8).
Antes de Cristo, toda a raça humana, judeus e pagãos, estavam sob o poder do pecado, diz Paulo (Rm3,9); encontravam-se numa condição de hostilidade para com Deus (Rm.5,10), e não o honravam  e serviam (Rm.1,8). Sua condição era, pois, de desconhecidos de Deus e servos de satã (Ef.2,2;6,11-12; Cl.1,13) e de certa forma “mortos” (Ef.2,1-5; Cl.2,13).
O pecado de que fala Paulo é a força negativa que dominava o homem. É aquela influencia má que o homem sente e que vai minando-o por dentro, esvaziando, criando ocos, penetrando toda a sua história. Esse pecado (força negativa destruidora), Paulo chama de HAMARTIA. Os atos pecaminosos pessoais, as realizações ou concretizações dessa hamartia, Paulo  chama de hamartêmata (pecados).
O pecado foi introduzido na História do homem pela transgressão do próprio homem (= Adam, Adão), e trouxe como conseqüência a morte (física e espiritual).
Falando do pecado do homem,antes de Cristo, Paulo reflete as idéias do AT sobre pecado e morte: do Gn. 2-3 que fala do pecado de Adão e

Eva e das conseqüências desse pecado para toda a humanidade. Mas essa afirmação de que toda a miséria humana (morte) foi causada em principio por Adão, não é explicita na Bíblia. Só o Eclo. 25,24 fala isso. A Bíblia mostra claro, sim que há no homem uma inclinação para o pecado. Isso a experiência o demonstra, diz o javista. Nunca a Bíblia exprime, como crença, que o pecado é uma herança de Adão e Eva. É do homem.
A literatura judaica intertestamentária é que atribui a morte ao pecado de Adão, em muitas passagens. São Paulo, falando do pecado segue essa tradição. A morte entrou no mundo pelo pecado de Adão (=um homem. “Como por um só homem entrou o pecado no mundo e pelo pecado a morte, assim também a morte passou para todos os homens , porque todos pecaram” (Rm.5,12; cf. 1Cor.15,21-22).
Assim como pelo pecado de um entrou a morte, pela justiça de outro (Cristo) entrou a vida. Paulo faz comparação entre o antítipo (Adão) e o tipo (Cristo).
2. A lei e os espíritos
O homem antes de Cristo era não só um pecador e escravo da morte, mas também um escravo da Lei e das forças (espíritos) deste mundo. Assim diz Paulo por ex. na carta aos gálatas :(GL. 4,8).Escrevendo aos Colossenses e aos Efésios fala ele da subordinação do homem aos principados,potestades,espíritos deste mundo,príncipe das potencias do ar...(Gl 4,9;Cl. 2,20;l,16;                   Ef. 1,21; 2,2; 6,12).
O homem,antes de Cristo,era essencialmente escravo da ditadura dos deuses e dos espíritos em quem acreditavam.É contra esse domínio que Paulo contrapõe - como já vimos- nas cartas aos Cl.e Ef. o domínio absoluto do kyrios,o senhor – Jesus entronizado.Ele é o Maximo vencedor das potestades e espíritos.Por isso os cristãos,por obra do Cristo kyrios,julgarão- todas essas potencias e até os anjos (1cor.6,3)-(=dominarão sobre elas ).
Os homens,antes de cristo,estavam ainda sujeitos á lei.no caso,Paulo se refere á lei mosaica.Assim como o pecado e a morte estão inseridos na história humana,assim também a lei .são os três,senhores da histórias do homem;são os kýrioi dominadores.mas os homens começaram a    


pecar quando apareceu a lei mosaica,que trouxe  “o conhecimento do pecado”(Rm.20).e le reconhecia que alei era boa e até santa (Rm.7,12-16),que vinha de deus (pneuma tikós; 7,14.22.25).destinada a dar a vida ao homem (7,10).por ela podia-se chegar á justiça,fazendo apenas obras da lei.
Contudo essa lei não produzia de fato a justiça,diz Paulo.e cita a própria escritura :”não será justificado nenhum homem diante de Deus”(salmo 143,2) e acrescenta “por virtude das obras da lei.
Contudo essa lei não produzia  de fato a justiça,diz Paulo. E cita a própria escritura:”não será justificado  nenhum homem diante de Deus “(salmo 143,2)e acrescenta “por virtude das obras da lei “(Rm.3,20).
Apesar de terem a Lei, os judeus eram pecadores como os outros (Rm.2,17-24). Isso porque a Lei dava apenas uma norma extrínseca para a conduta do homem e não dava a força, a dínamis interna, graça, para executá-la. Por isso a Lei só multiplicava o pecado (Gl.3,19-20; Rm.5,20). Mandava fazer mas não dava a força necessária para executar. Tornou-se ela então, uma força para o pecado (1Cor.15,56). Além disso, ao proibir tanta coisa, em si indiferentes, dava ao homem oportunidade de pecar.
A Lei servia também de condenação ao homem. Era o parâmetro para julgar as ações do homem. Ela mostrava o que era a transgressão. Isso não existia antes de Moisés (Rm.3,20;5,13;4,15). Daí, diz Paulo, “sem a Lei o pecado estava morto...sem a Lei eu estava vivo, mas com a vinda do preceito o pecado reviveu e fiquei morto”(Rm. 7,8-10).
Pior ainda: a Lei amaldiçoava aqueles que não a cumprissem (G1.3,10citando Dt.27,26). Desse modo, a Lei, antes de ser vida, tornou-se morte para o homem (Rm.7,10),condenação antes (8,1), mistério da morte (2Cor.3,7), letra que mata (2Cor.3,6).
Por que Deus então permitiu isso? Por que deu essa Lei?
São Paulo explica dizendo que primeiramente a Lei era temporária. Era um pedagogo para conduzir a Cristo (Gl.3,23). Depois também, a Lei em si não é culpada . Até que ajuda. O culpado é o próprio homem que é carnal (sárkinos) e “vendido como escravo do pecado”


(Rm.7,14). Embora o homem gostasse de segui-la, no íntimo é o pecado, é o contrário que ele quer...(Rm7,17.23). A culpa está no homem que não quer seguir. A Lei não ajudou também nesse sentido. (A Lei de fato é uma escravidão. Mas se considerarmos a vida religiosa judaica com as dos paises vizinhos do Oriente antigo, a Lei um avanço teológico muito grande e nesse sentido um “pedagogo” para nova Lei...).
Somente Cristo que libertou o homem dessa escravidão. “Foi para que fôssemos livres que Cristo nos libertou” (Gl.5,1); “Vós também morreste para Lei por meio do corpo de Cristo” (Rm.7,4). A inclinação para o pecado foi também dominada libertada pela ação de Cristo: “ Quem me livrará desse corpo de morte ?... O meu eu está agora á serviço da Lei de Deus” (Rm.7,24-25). “De agora em diante, pois, já não há condenação alguma para aqueles que estão em Jesus Cristo . A Lei do espírito da vida em Jesus Cristo te libertou da Lei do pecado e da morte” (Rm.8,1-2): “Já não estais mais sob o regime da Lei, mas da graça” (Rm6,14),pois Cristo é  o termo, o fim da Lei” (Rm.10,4).
O Batismo fez o cristão morrer para Lei, como Cristo morreu pela Lei (Gl.2,19). Jesus nasceu sob a Lei (Gl.4,4)mas sem pecado (2Cor.5,21), sofreu a maldição da Lei (Dt.21,23)mas morrendo venceu a Lei, eliminando-a. (A Lei era escravidão; a morte de Jesus foi libertação dessa escravidão; eliminou-a). A morte  e Ressurreição de Jesus introduziu na história do uma nova forma de vida. Em Cristo há a definitiva libertação (Cf.FITZMYER,op.cit.p.96 ss.).

A salvação trazida por Cristo levou o homem a um novo relacionamento com Deus. É o homem, agora, nova criatura (G1.6,15;2Cor.5,17)pois vive a vida de Cristo,com Cristo.O homem participa dessa nova vida pela fé e pelo batismo que o incorporam no Cristo e na Igreja, e pela Eucaristia que consuma essa incorporação.


     1. A
    Para  São Paulo a fé é a atitude , e experiência, pela qual o homem adere a Cristo e recebe  os efeitos de sua redenção.
   O início de fé é a palavra (audição), e o fim é a adesão definitiva a Cristo. No início : akoé  =ouvir, no fim  hypakon = obedecer.
  A resposta pela fé deve envolver o homem todo (Rm.10,9: crer com coração...) Essa fé em Deus e em Cristo não é apenas a adesão intelectual a verdades, mas compromisso vital e pessoal  do homem  com Deus, com os outros homens seus irmãos e com o mundo. É participar ativamente da tarefa do Kyrios.  A fé leva a submeter-se  totalmente a Deus e a comprometer-se inteiramente com ele (2Ts. 2,13-17; Rm.6,16-17;16,19). É o sentido de hypakoé, obediência, submissão, envolvimento.
  A fé é dom gratuito de Deus como o é a salvação (Ef.2,8). Deus o dá a todos , porque se aproxima de todo o homem.A fé é a aceitação pessoal e livre da oferta de salvação de Deus.A fé é a resposta livre à proposta de Deus. Quem não responder sob o poder de “deus desse eón”(2 Cor. 4,4: Fl. 1,27; 9,26-27; Ef.2,22) ou seja pré-disposto ao pecado.
A justificação para São Paulo vem pela fé (Gl.2,16; Rm.2,20.28; Fl.3,9). Contudo, a fé verdadeira exige o compromisso com Cristo no comportamento e nas obras, por amor (Gl.5,16).
2. O Batismo
É o  rito de iniciação que Paulo recebeu da Comunidade, pelo qual o homem se incorpora em Cristo e na Igreja. É ele quem desenvolve a teologia do Batismo. O Batismo em Cristo torna o homem “filho de Deus pela fé”. (Gl.3,26-27). Fala do rito batismal em Ef. 5,26 quando fala da água do Batismo” e da “palavra”. Era o formula pela qual os cristãos eram batizados, santificados e justificados (cf. 1Cor. 6,11). Os batizados revestiam-se de Cristo; não só pelas vestes brancas que traziam mas principalmente pela nova vida que deviam iniciar.


O batismo, segundo Paulo, identifica o cristão com a morte, sepultura e ressurreição de Cristo:  “Com ele fomos sepultados pelo batismo na morte, para que, assim como Cristo ressuscitou dos mortos pela glória do Pai, assim também andemos em novidade de vida. Pois se estamos inseridos no solidarismo de sua morte, também o seremos no da ressurreição” (Rm.6,4-5).
Não significa isso alusão ao rito de imersãoapenas.
Para Paulo, o cristão morre para lei  e para o pecado (Gl.2,19;Rm.6,6-10), como Cristo morreu; identificado com o Cristo ressuscitado, o cristão participa de uma vida nova, como a ressurreição de Jesus; vida no Espírito (1Cor.6,17;Cl.2,12-13). O cristão para Paulo foi enxertado em Cristo  pela semelhança de morte, sepultamento e ressurreição (Rm .6,5). O cristão morre no batismo para o velho homem novo (Ef.2,15), tornando –se nova criatura (Gl.6,15;2Cor.5,17).
O Batismo constrói a união entre todos os cristãos. Faz de todos um só corpo, uma Comunidade, o Corpo de Cristo (1Cor.12,13;Gl.3,28;Ef.2,15). Pelo Batismo o homem se insere na Comunidade salvífica,pois passa a ser parte do Corpo de Cristo.
Como os israelitas passaram o Mar Vermelho e se tornaram o Israel de  Deus, assim o cristão; pela água do Batismo passa a ser o Novo Israel de Deus (Gl.6,16).
Em São Paulo não há formula batismal. Há uma referencia trinitária em (1Cor.6,11): “Fostes lavados,fostes santificados,fostes justificados em nome do Senhor Jesus Cristo  e pelo Espírito de nosso Deus”.
O Batizado se torna templo do Espírito santo (1Cor.6,19)e filho adotivo do Pai (Gl.4,6;Rm.8,9.14-17).
3.A Eucaristia
Para explicar a íntima união dos cristãos com Cristo, SP usa a expressão “Corpo de Cristo”, mas com outro sentido: corpo eucarístico de Cristo: “O cálice de bênção que benzemos não é ele a comunhão do sangue de Cristo? E o pão que partimos, não é ele a comunhão do corpo de Cristo?”(1Cor.10,16)”.


A Eucaristia é para São Paulo o fundamento da união dos cristãos com Cristo e entre si. Em 1Cor.11,23-25 está a primeira narração da instituição da Eucaristia no NT. É uma tradição independente, embora tenha muitos elementos em comum com os sinóticos. Paulo a recebeu da Comunidade primitiva e a transmite.
Para ele a Eucaristia é a “Ceia do Senhor” (1Cor.11,20), o alinhamento espiritual, a bebida espiritual do novo povo de Deus (1Cor.10,3-4). Nessa Ceia o povo de Deus aparece como a Comunidade da Nova Aliança (11,25). A Comunhão implica união com Cristo e com os irmãos. É uma koinomia no Corpo de Cristo (10,16).
 A Eucaristia para São Paulo é duplamente a fonte da unidade cristã.
Primeiramente é o ato ritual, sacramental, que concretiza a presença de Cristo no meio do seu povo. O pão e o vinho são sinais do corpo e sangue de Cristo (1Cor.11,27-32). Participar indignamente desta refeição torna o cristão culpável do corpo e do sangue de Cristo.
Aqueles que participam dessa Ceia devem ser plenamente unidos, formar verdadeiramente uma Comunidade, onde não exista egoísmo, o individualismo. Participar da Ceia com divisão, cisão, desamor, é não reconhecer o Corpo de Cristo, ou seja a unidade de Comunidade. Celebrar como “unidade” aquilo que de fato é “desunião” é “comer e beber a própria condenação”, pois o “pão que se come e o vinho que se bebe”são sinais de desunião e não mais de unidade.
Em segundo lugar a Eucaristia é a proclamação e recordação da morte sacrifical de Cristo:  “todas as vezes que comerdes este pão e beberdes este vinho,anunciarei a morte do senhor  até  que ele venha ”(1cor.11,26).
Toda vez que se participa da eucaristia anuncia-se uma vez mais a morte de Cristo. Recorda-se,celebra-se,torna-a presente.
Finalmente, para São Paulo, a eucaristia tem um sentido escatológico, porque o anuncio da morte do senhor, deve prosseguir até a parusia. Somente, então, Ele – ressuscitado, kyrios – é que completará com sua volta a salvação daqueles que participaram de sua mesa.






A RESSURREIÇÃO EM SÃO PAULO




São Paulo é um teólogo da ressurreição. Nela ponto máximo do mistério pascal, é que alicerça ele toda a sua teologia.
Paulo é o único dos escritores sacros no Novo Testamento que fala que foi pessoalmente  testemunha  da Ressurreição. É um ponto muito discutido isso, pois não se sabe  bem quando é que ele foi testemunha: no caminho de Damasco? (At. 9,1-19; 22,6-21; 26,12-23); por revelação? (Gal.1,15-17; 1Cor.15,8-9; Fil.3,7-14). São Paulo nunca o disse porém claramente. Pelo menos nos seus escritos. Evoca o acontecimento de que foi “testemunha” por 4 vezes. E tal fato mudou-lhe radicalmente a existência.
Tais textos deixam sempre dificuldades para a interpretação: teve ele uma aparição do Ressuscitado como a tiveram os Onze? Essa “revelação” é diferente das “visões  e revelações” de que ele fala em outras passagens.
Não nos deteremos na análise dos textos e das interpretações. Um trabalho nesse sentido o fizeram X.L – Dufour (op. cit.p.93-133), W. Marxsen (op. cit.p.133-149) e outros.
Para nós o importante é saber o que é ressurreição e o que é ressuscitado para Paulo e a implicância dessa crença na vida cristã.
Para tentar conhecer o pensamento de Paulo, que engloba esses dois “conceitos”  seria muito importante estudar 1Cor.15. Aqui daremos um breve apanho teológico desse capítulo. (Esse tema é trabalhado  mais detalhadamente na minha Apostila sobre 1Cor15, do Curso exegético do prof. U. Vanni. Gregoriana 1979)



a)           Visão geral: Ressurreição segundo São Paulo

Nesse capitulo 15 de 1Cor. Paulo apresenta o “Evangelho” que pregara já aos Coríntios. Tal Evangelho já fora também acolhido por eles; o conteúdo desse Evangelho é a pregação sobre a Ressurreição de Jesus. Paulo já havia anunciado e agora a relembra brevemente, pois os Coríntios têm dúvidas sobre a ressurreição dos mortos: Se vocês acreditam na ressurreição de Cristo como eu já vo-lo anunciei, como poderão duvidar da nossa ressurreição, se Ele é como ressuscitado a primícias dos que dormiram? (Cf.15,20 e Col.1,18).
Paulo alicerçava a veracidade da ressurreição de Jesus no testemunho da Igreja: primeiramente no testemunho de Pedro e Tiago, que eram os mais autorizados chefes da Igreja primitiva. Eles que tinha, visto o Senhor ser sepultado, sabiam-no realmente morto; agora, porém, são testemunhas de que Ele está vivo e no meio deles.
 Mas como o testemunho de só duas pessoas pode ainda ser falho, Paulo acrescenta o testemunho de 500 irmãos. Em bloco quer dizer: A Igreja primitiva confirmava a Ressurreição e acrescentava o seu próprio testemunho, com último. (São Paulo não falava do testemunho das mulheres. Para os Coríntios, testemunho de mulher não tinha valor. Mulher é muito histérica e tem visões facilmente...) .
Colocando o fato da Ressurreição como algo que podia ser provado pelos diversos testemunhos, Paulo discute com aqueles que a negam (v.12).
Muitos dos coríntios (principalmente Himeneu, Alexandre e Fileto – cf 1Tm.1,20 e 2Tm.2,17), ensinam a imortalidade da alma e não criam numa ressurreição. Crer na Ressurreição era algo difícil e excepcional. Tudo isso era conseqüência da filosofia grega que – conforme vimos acima – fazia distinção entre matéria e espírito. A matéria acaba; o espírito volta para a região dos deuses (sôma- sêma). Por isso mesmo os gregos  não aceitaram a pregação de Paulo sobre a Ressurreição no Areópago de Atenas (cf. At.17,22-

34). Admitiam uma sobrevivência menor, diminuída, no além. Uma espécie de seol hebraico, um lugar cópia da vida, mas tenebroso, débil. Só após sucessivas re-encarnações a alma poderia retornar definitivamente ao Uno. Então, a ressurreição era para eles um mau negócio. Era viver para sempre uma vida diminuída do Hades, no além. Era muito melhor ficar por aqui mesmo. (cf. ALLO, Premiére Epietre aux Corinthienes, Paris 1956,p.399).
Contra essa filosofia é que Paulo contrapõe os testemunhos.
A pregação nada mais é do que levar avante a força do Cristo ressuscitado, que é o novo tipo de vida que deve vingar nas comunidades. É daqui que ele, então,  conclui: se Cristo não ressuscitou, nós somos idiotas pregando e testemunhando. Somos falsos testemunhos. Nossa fé é então vazia. Acreditamos em coisa que não existe.
São Paulo juntamente com toda a Igreja primitiva tem consciência de que Cristo ressuscitou. E ressuscitou com seu corpo. Pelo termo “corpo” não entende o apóstolo uma parte do homem todo. Tanto para São Paulo, como para todo judeu, a vida humana é inconcebível sem o corpo. Sem o corpo, o Senhor ressuscitado não poderia ser o Jesus crucificado. Portanto, Paulo não compartilha das idéias materialistas dos judeus de seu tempo sobre ressurreição dos mortos (Mc.12,18-27). O ressuscitado tem um corpo glorioso, isto é, um modo de existir que corresponde à dóxa (glória) perene de Deus (2Cor.3,11; 1Cor.2,8). (Cf.J.Kremer, “São Paulo: a ressurreição de Jesus, razão e protótipo de nossa ressurreição” , em: Conc.60 (1970/10) p.1276.
O conceito de sôma – para Paulo traduz algo de “concreto relacional”. O Cristo ressuscitado tem um sôma, isto é, ele está em contato concreto e relacional conosco. A Igreja é a concreticidade relacional do Cristo ressuscitado. É concreticidade porque está no tempo e no espaço, e é relacional porque se relaciona com os homens.
A ressurreição de Jesus implica, pois em São Paulo uma corporeidade, de acordo com a idéia hebraica e paulina de corpo. O Cristo Ressuscitado está em relacionamento com a humanidade. Se faltasse isso, haveria um Cristo sem corpo, incorpóreo. Se ele está unido aos homens, Ele


fará dos homens como que seu próprio corpo. Se os mortos não pudessem alcançar esse estágio de ressuscitados para viverem sempre relacionados com Cristo, dever-se ia concluir que Cristo não ressuscitara e que não tem nenhuma ligação conosco. Mas diz Paulo – nós demos testemunho de sua ressurreição. Nosso testemunho foi acompanhado e confirmado por Deus. Esse testemunho é o seguinte: Ele ressuscitou e está em relação conosco, pois foi visto.
Se negar a ressurreição dos mortos, apesar de toda concreticidade do ressuscitado e apesar de tantos testemunhos, então o nosso testemunho é falso. E seríamos todos nós dignos de compaixão, pobre desiludidos (v.18), pois acreditamos numa ressurreição que não existiu e nossa vida seria circunscrita apenas ao tempo terreno, “nesta vida”.
Mas há uma vida futura; é uma parte desta nossa vida aqui. Ser homem é ser cristão é para Paulo a mesma coisa. O projeto “homem” e o projeto “cristão” (vida futura) coincidem. Esta vida aqui e a outra são partes de um só e mesmo projeto. Se pois não houvesse a segunda parte do projeto (ressurreição), a primeira não teria sentido.
Ressurreição é então para Paulo uma plenitude da vida.  Não é reanimação, mas vida plenificada. Como Cristo ressuscitado relaciona-se conosco (batismo) nossa vida e a dele se entrelaçam. É a concreticidade relacional. Ressurreição é então uma plenitude de vida numa comunhão de vida.  
Usando o verbo grego no perfeito egherthe =  (Cristo) ressuscitou Paulo sublinha que a ação da ressurreição perdura (sentido do perfeito grego). Não é algo passado e que acabou, mas está em dinâmico desenvolvimento. Cristo ressuscitou e sua ressurreição permanece.
Todos seremos plenamente vivificados pela nossa ressurreição. A ressurreição de Cristo e a nossa são uma e mesma ressurreição. A ressurreição de Cristo e a nossa são uma e mesma ressurreição. Há apenas uma ordem : Ele é o primeiro (primicia) depois nós. Se a Ressurreição é a mesma, há um prolongamento histórico da Ressurreição de Jesus. Essa ação


ressuscitante de Cristo envolve todos os homens, eliminando os inimigos da vida. O último inimigo da vida é a morte. A Ressurreição é a vida total, e como vida total deve ir eliminando os elementos anti-vida, as antíteses (principados, potestades, dominações ... v.24).
Há pois uma presença ressuscitante de Cristo em nossa História. A realidade de Cristo ressuscitado invadem toda a história. A realidade de Cristo ressuscitado invade toda a história, destruindo as antíteses, dinamizando os elementos positivos da História (bem, amor, fraternidade, igualdade... de tal forma que Ele continue ressuscitado historicamente. Essa dupla ação de Jesus: eliminar as antíteses, a anti-vida e dinamizar os elementos positivos é que constitui para Paulo o REINAR COM CRISTO (v.24). É o reto exercício de sua ressurreição que se completará só no fim dos tempos quando Ele tiver submetido tudo e o Reino então concluído. Esse é o ponto terminal; é a correspondência ao plano de Deus. Então Deus será tudo em todos por meio do Cristo glorificado.
(Essa concepção paulina de Ressurreição é sumamente atual. Nessa linha podemos hoje desenvolver o tema da Ressurreição como luta pela plenitude de vida contra as antíteses do mundo. É fundamental para uma teologia da libertação).

b) Idéias teológico-bíblicas de São Paulo nesse capitulo sobre a Ressurreição.

1.  1.Cor.15,1-11

Nesse primeiro trecho, 15,1-11 São Paulo anuncia o querigma pascal. E a verdade que ele anuncia é o próprio conteúdo do querigma: Cristo morto, sepultado e ressuscitado segundo as Escrituras. Essa verdade é a base do querigma.
Seu ponto de partida é a necessidade de os coríntios compreenderem adequadamente a Ressurreição de Cristo.


Para entendê-lo, Paulo dá-lhes duas prescrições: uma: Cristo morreu pelos nossos pecados, segundo as escrituras, foi sepultado e ressuscitou ao terceiro dias, segundo as Escrituras.
A relação que faz entre a ressurreição e as Escrituras não é um sentido de previsão, isto é, que as Escrituras anteviram a Ressurreição de Jesus; mas de algo mais profundo: a Escritura (o Antigo Testamento) tem o seu dinamismo, um dinamismo que alcança seu vértice na Ressurreição de Cristo. Donde, o Antigo-Testamento só é entendido a luz da ressurreição de Jesus, e vice-versa: a ressurreição de Jesus é entendida também a luz do Antigo Testamento.
Isso significa que o movimento que Deus colocou no Antigo Testamento é como um movimento em espiral: tem o seu vértice na Ressurreição de Jesus. Todo Antigo Testamento está em relação com Ele, e toda a riqueza do AT. Encontra-se explicitada na Ressurreição de Jesus. Jesus ressuscitado é o topo, o ponto mais alto da Vida que Deus colocou no AT.
A outra precisão é: esse Cristo ressuscitado “foi visto por Cefas e depois pelos Onze; sem seguida foi visto por mais de quinhentos  irmãos juntamente, dos quais muitos ainda estão vivos e outros já adormeceram; em seguida foi visto por Tiago, em seguida por todos os apóstolos e finalmente por mim como a um abortivo”.
São Paulo coloca nessa segunda precisão que o Cristo morto e ressuscitado é uma experiência também de toda a  comunidade primitiva. Coloca o querigma dentro da experiência de fé da comunidade primitiva. O que ele anuncia, pois, não é uma coisa sua, mas é uma verdade da Igreja primitiva. Toda ela estava envolvida na experiência da Ressurreição do Senhor: Cefas, Tiago, os Onze, os irmãos, ele. È um evento-vida da Comunidade primitiva, a qual enquanto o anunciava, cria e vivia-o.





2.  15,12-34

Num segundo trecho uma outra idéia: a ressurreição de Cristo contém a ressurreição dos cristãos.Na ressurreição dele já está contida,presente a ressurreição dos cristãos.São uma mesma ressurreição.
Paulo desenvolve essa idéia em dois níveis:
a) um nível “emocional”:ele argumenta,reage,afirma a R.e a defende contra aqueles que a negavam.Para ele algo evidente,claro.
b) nível reflexivo e teológico:fala da R. de Cristo e da R. dos cristãos como uma e mesma ressurreição movendo-se numa linha antropológica fala do primeiro e do último Adão).Cristo se inseriu na história humana;assumiu o homem.Segundo Paulo ,Cristo entra na história humana, não tanto pela Encarnação,mas sim pela sua morte e ressurreição.Pela Encarnação Ele se fez apenas homem. E o homem-carne é estático. Pela morte e ressurreição, porém, Ele colocou no homem o dinamismo da vida. A história humana só tem sentido com a presença do ressuscitado que é quem a dinamiza. Este dinamismo é a superação das forças hostis que impedem a vida. Cristo superou-as, pois superou a maior delas: a morte. Todavia na História o homem deve por sua vez lutar também para superar a negatividade, as forças do mal. A força para isso o homem só encontra na ressurreição de Jesus. O homem então atualiza na sua luta a ressurreição de Cristo. É nesse sentido que Paulo fala de um primeiro Adão e de um último Adão (Cristo). O primeiro é esquema de negatividade, estático. Todos somos solidários com esse primeiro Adão pois trazemos todos,em nós,esse mesmo esquema de negatividade. Todavia, com a ressurreição de Jesus nos tornamos solidários também com o último Adão (Cristo), que é vida,dinamismo. É esse dinamismo da ressurreição que faz o homem senhor da História e lhe dá forças para ir vencendo as antíteses até tornar esse mundo recriado. Então Cristo, por sua ressurreição e por meio da força de sua ressurreição que atua no homem, poderá entregar ao pai todas as coisas. Deus será tudo em todos, pois tudo estará então de acordo com o seu plano original de salvação.

Essa participação da ressurreição de Cristo o homem a conquista pelo batismo. O batismo é então vida, como a R. é vida. Batiza-se para a vida, para a dinâmica da ressurreição. Por isso, diz ele, é uma incoerência batizar-se pelos mortos (v.29) como fazem alguns coríntios. Deus é vida, e essa vitalidade de Deus é comunicada ao homem pela ressurreição de Cristo, por meio do batismo. (cf. Rom. 6: o batismo nos coloca na morte e na ressurreição de Cristo, isto é, faz-nos morrer ao pecado, a negatividade, a passividade, a estaticidade, para poder viver o positivo,a vida, a dínamis. Uma vez batizado, o homem entra na esfera da ressurreição de Jesus).

3. 15 .  35-49
Nesse último trecho, Paulo assinala um elemento teológico importante nessa sua reflexão: tudo isso é possível porque Deus é criador e fonte de vida. Se nós exprimimos no dia a dia pelo batismo a ressurreição de Cristo, de tal forma que a nossa vida já é  uma participação da R. de Cristo,conclui-se que R. dele e a nossa são uma e mesma R. Aqui já participamos da R. Dele. Isso é possível diz Paulo, por causa da iniciativa de Deus criador. O projeto do criador foi que o homem fosse vivo para sempre (para S. Paulo, criador é o Deus vivente e fonte de vida. O que Deus faz é sempre vivo,não morto. As suas obras são vida). O projeto de Deus  então para o homem é um projeto de vida. Não pode haver morte. Deus coloca o homem num “habitat” de vida. Tudo é vida. Entre homem e universo há um laço comum: a vida, dom que Deus deu de si.
Se tudo é vida, o universo futuro na Parusia não pode ser morto, não pode conter o germe da morte, mas deverá ser um universo pleno de vida.
Pela R. de Cristo todo esse universo já é envolvido pela vida do ressuscitado. Cristo se relaciona perceptivelmente com todo o criado. Esse relacionamento Ele o faz por meio da igreja. Quando a igreja alcançar o mundo todo com a dinâmica da vida, tiver vencido todas as antíteses, então todo o universo é igreja. Então a igreja cósmica é o corpo de Cristo. (Esse é o


sentido do pleroma (plenitude de Cristo)  em Col. 2,9 e de pleroumenou em
Ef.1,23: o corpo de Cristo vai-se fazendo à medida que a ação da igreja vai abrangendo o cosmos (plerouménou= vai plenificando) (cf mais detalhes para aulas na minha Tese de mestrado, p.43-49).
O projeto de Deus (criou o homem vivo e o quer vivo para sempre num mundo vivo (cosmo-igreja- corpo de Cristo),têm duas fases – diz Paulo. Uma fase histórica, concreta, terrestre. É a fase da semente (v.36 ss). Outra é a fase da transformação. É a fase do reflorir (vv. 37-38). Todavia a semente e o reflorir são fases distintas mas de uma  e mesma vida. E do mesmo modo deve-se entender a vida, criação de Deus. A vida é contínua, homogênea, desde a fase adamítica (terrestre, primeiro Adão,negatividade ) até a fase de ressuscitados (celeste, último Adão, dinamismo ). É uma e mesma vida.
Do mesmo modo que a gente conhece mais a planta pelo seu reflorir do que pela semente que morreu, assim também a vida do homem é mais perceptível quando ele “reflorir”, isto é, como ressuscitado. É a vida definitiva. Essas duas fases ou “duas vidas” se excluem ,isto é, não coincidem. Acaba uma, começa outra; ou melhor ainda: uma é continuação da outra. Quando o homem deixa a fase da vida terrestre (adamítica) começa a fase de vida escatológica (cristológica, definitiva).
Por fase adamítica se entende não só a vida terrestre mas também certa presença da vida cristológica, incoativa. Pois Cristo ressuscitado vive já aqui na terra no homem batizado – como se disse. Mas não em plenitude, em totalidade. Isso só se dará na fase escatológica. Nesse sentido podemos dizer que as “duas vidas” coincidem, pois há uma só linha antropológica, que é a hominidade. Mas chegará o tempo em que o homem terá absorvido pela vida total de Cristo. Isso se dará na ressurreição. Cessará então essa coexistência, pois a fase do homem terrestre (adamítico-cristológica) será absorvida pelo ressuscitado, de forma definitiva completa, espiritual.
Para chegar a essa fase definitiva é preciso um salto qualitativo, que Paulo chama de revestimento, transformação. Não é a morte esse  salto. É a mudança, a passagem, a realização escatológica. Com essa passagem, mudança, serão superados o pecado (que é o vazio provocado no homem), a lei (que é a “causa” do pecado) e a morte (que é a negação da vida). O homem estará plenificado de vida, pela vitória de Cristo sobre o pecado a lei e a morte.
Conclusão: Cristo ressuscitado realiza a sua e a nossa ressurreição.
Cristo ressuscitado não e abstrato. É  algo concreto, pois ele torna presente a ressurreição, atua-a. Paulo ensina nesse capítulo que nós estamos já inseridos na sua ressurreição, de tal forma que no dia a dia estamos ressurgindo em Cristo. Somos ressurgintes nele. E seremos ressuscitados como ele, pois somos os eu corpo. Um corpo que se desenvolve aqui, que está em evolução como o diz Ef. 1,23 .A igreja é esse corpo. E nós somos a igreja. A igreja está em desenvolvimento, em “devenir”, até alcançar a plenitude, que será quando tudo estiver em Cristo e Cristo em Deus. Esse movimento dinâmico da igreja é impulsionado pelo ressuscitado. Como igreja, participamos já, aqui, desse dinamismo da ressurreição de Cristo.
Nesse desenvolvimento há ordem. É o que Paulo chama de tágma, ordem. Essa ordem é constituída em primeiro lugar por Cristo ressuscitado, e depois por nós, ressurgintes em Cristo. A fase do Cristo ressuscitado é a fase final, a de chegada – onde aportaremos também. É a fase do Cristo, Messias realizado, entronizado, Senhor sobre os céus. Desta fase participaremos quando “ele for tudo em todos”,no final. Mas como igreja – já foi dito–nos já estamos envolvidos nesse processo de ressurreição. Ele já, nós depois. E não só nós, como também o mundo todo, o cosmos. É a igreja que por sua ação vai envolvendo o cosmos na dinâmica da ressurreição. É a ação “pleromênica” da igreja. A ressurreição completa, pois, é o desenvolvimento total da história da salvação. A história que chegou a consumação, e o plano de Deus foi realizado. É o reino de Deus, o reino escatológico [5].





7. EM CRISTO (em Christô)


Nas cartas paulinas, a expressão “em cristo” é quase um refrão.com essa expressão Paulo quer sublinhar a função de Jesus Cristo na nova economia. É uma expressão cristológica presente inúmeras vezes nos seus escritos, de modo especial na carta aos efésios. Jesus Cristo é não só o fundamento mas também é o instrumento pelo qual o pai age e faz agir a comunidade cristã.
O Cristo Jesus é o centro de toda a teologia paulina. É o ponto de partida do qual se irradiam todas as demais linhas teológicas do pensamento Paulino. Jesus Cristo é o ponto de coesão, de harmonia. Para Paulo toda parte de Cristo Jesus e tudo para ele converge. Ele é o inicio, o meio e o fim de toda ordem natural e espiritual. Tudo está nele, tudo existe (é)para ele e por ele.
Para se sentir a importância de Jesus Cristo no pensamento Paulino bastaria uma pesquisa lexográfica em suas cartas. Aí aparecem os termos: Senhor 224 vezes; Jesus 220 vezes, e o Cristo 400 vezes. Por isso não é verdade a afirmação de que a base da teologia paulina é a justificação pela fé ou mesmo as antíteses carne/espírito. A justificação nos seus escritos é um tema deveras importante, mas ocasional. É uma controvérsia constante com os judaizantes, mas não é o tema de sua teologia ou de seus escritos. Paulo nunca retorna a esse tema uma vez discutido na ocasião de um ou outra carta. É coisa do momento. Por outro lado, o dualismo psicológico ou a antítese carne/espírito é apenas uma reflexão, fruto de sua conversão e não base de sua doutrina também. É uma reflexão psicológica, filosófica ou antropológica que ele faz e que para ele constitui-se algo da sabedoria humana. Ele não quer contrapor o homem (carne/sarx) a Deus (espírito/Pneuma). Mas sim, que dizer que o fundamento de toda a vida humana e espiritual é mais sólido: é Jesus, o Cristo.



Para ele Jesus, o Cristo é o Ressuscitado. Como já vimos anteriormente, Paulo não se detém apenas nos nomes: Jesus Cristo. Mas sim no significado de Jesus Cristo, que para ele é resumido numa só palavra: Kyrios.
Muitos teólogos têm visto na “Cruz” o ponto mais importante da doutrina cristológica paulina. Seria ele o teólogo e o pregador do Senhor crucificado.
De fato, Paulo prega o Senhor crucificado. Assim ele o diz nas suas Cartas: “Porque os judeus pedem sinais, e os gregos procuram sabedoria, enquanto nós pregamos Cristo crucificado, escândalo para os judeus, loucura para os pagãos, mas poder e sabedoria de Deus para os chamados, quer judeus, quer gregos” (1Cor.1,22-23).
E aos gálatas escreve também: “Os insensatos gálatas! Quem vos encantou? Ante os vossos olhos Jesus Cristo foi apresentado crucificado” (Gl. 3,1).
Não resta duvida ainda que a pregação da Cruz era elemento importante nas primeiras catequeses paulinas. Tinha de fato seu relevo:  “Pois resolvi entre vós não saber coisa alguma, senão Jesus Cristo, e este crucificado” (1Cor. 2,2).
Essas expressões são importantes no pensamento teológico Paulino. Mas devem ser colocados dentro de todo o contexto de sua teologia. Esses dados nada mais significam para Paulo do que datação, localização da redenção; esta aconteceu em determinado tempo e por determinado meio, que foi a cruz. E reconhece que para os seus ouvintes (gregos) essa pregação – que ele faz convictamente não deixa de ser “uma loucura”. Mas para ele, a sabedoria verdadeira é o crucificado.
Esse modo de falar ou de se expressar tem em Paulo ainda a conotação polêmica: o que os gregos julgam loucura, para ele é Sabedoria, pois Deus triunfa sobre a sabedoria do mundo de maneira desconcertante: pela loucura da Cruz.


A idade-mestra cristológica de redenção segundo São Paulo é de fato a morte de Jesus Cristo, mas sempre ligada essencialmente a Ressurreição. São inseparáveis soteriologicamente. Paulo mostra que uma sem a outra é incompleta. E por isso quando Ele transmite o seu Evangelho ele une esses dois dados da fé: morte/ressurreição: “Pois na verdade eu vou transmiti, em primeiro lugar o que eu mesmo recebi: que Cristo morreu pelos nossos pecados, segundo as Escrituras; que foi sepultado; que ressuscitou ao terceiro dia, segundo as Escrituras” (1 Cor. 15,3-4).
O mesmo ele ensinou em Antioquia da Pissidia e em Atenas (cf. At. 13,29-30; 17,34;26,23).
Nunca São Paulo fala da morte, em si, só sem a Ressurreição. Não é a ressurreição um dado glorioso da obra de Jesus Cristo, senão é o fecho com que sela sua obra. A morte de Cristo não é para Paulo algo que tem a finalidade em si mesmo, ou algo pessoal; mas é algo do Plano de Deus “que ressuscitou Jesus tirando-o dos grilhões da morte” (At. 2,24).
A finalidade dessa concepção soteriológica de Paulo é expressar realmente e verdadeiramente um dado teológico essencial da fé: a salvação vem ligada a morte e ressurreição de Cristo.
Mas a isso, Paulo acrescenta um outro dado igualmente importante: o significado e o sentido da morte e Ressurreição de Jesus na vida eclesial. É o aspecto eclesiológico da soteriologia paulina: “Se morremos com Cristo, cremos que também viveremos com Ele”.

Morrer e ressuscitar é um tema profundo em Paulo, e que ele discute na Carta aos romanos (6). A ressurreição de Jesus Cristo é tornada sensível na vida do cristão pela fé e pelo Batismo. O Batismo é para o cristão o sinal da participação na morte e ressurreição de Cristo. O homem se insere no Cristo. Essa união intima que passa a existir agora entre Cristo e o cristão Paulo a expressa então com locuções densas de significados na sua teologia. Afora a figura excepcional de “Igreja, Corpo de Cristo”- de que se falou mais acima. Tanto as locuções preposicionais, quanto a figura de Igreja, Corpo de Cristo têm essa finalidade: mostrar a profunda e íntima vida que existe a partir de agora entre o cristão e o batizado e o Senhor Jesus Cristo.

Quatro preposições ele usa, com sentido teológico, nos seus escritos, para designar essa nova realidade: diá (através, por meio), eis ( para, em), syn (com) e en (em, no).
Diá, (por meio, mediante, por) exprime a mediação de Jesus perante ou no relacionamento com o Pai. Pode significar uma mediação exercida quando na vida terrena ou como Kyrios: “Pois Deus não nos destina à ira, mas a Salvação por (diá) Nosso Senhor Jesus Cristo, que morreu por nós...” (1 Ts. 5,9); “... Jesus Cristo Nosso Senhor, por quem (diá) recebemos a graça...” (Rm. 1,5).
A preposição eis (em, para) tem o sentido de indicar movimento para Cristo. Vem quase sempre unida aos verbos pisteuo (crer) e baptízein (batizar). É a indicação da experiência cristã inicial. Eis Christon significa para Paulo o movimento para a incorporação, adesão.
“Ou ignorais que todos nós, batizados para (eis) Jesus Cristo, fomos batizados na sua morte?!" (Rm. 6,3).
A preposição syn (com) exprime em Paulo a dupla relação: cristão/Cristo. Vem ligada a verbos ou adjetivos que exprimem esse mútuo relacionamento. O cristão co-participa do mistério de Cristo (paixão, morte e ressurreição).
Paulo exprime essa participação com verbos ou locuções construídos com a preposição syn. Por exemplo:
Sympáschein ( = sofrer com)  Rm. 8,17; 1Cor. 12,26
Systaurousthai (= ser crucificado com)  Rm. 6,6; Gl.2,20
Synapothnêskein ( = morrer com) 2Cor. 7,3).
Syntháptesthai ( = ser sepultado com)_ Rm. 6,4; Cl.2,12.
Synegeirein ( = ressuscitar com) Ef. 2,6; Cl. 2,12 e 3,1
Syndoxadzestai ( = ser glorificado com)  Rm. 8,17
Symbasyleuein  (= reinar com)1 Cor. 4,8
Synkthídzein (= assentar-se com) Ef. 2,6
Na forma adjetivada aparece bastante essa preposição também como por exemplo:
Synphytos (= plantado com) Rm. 6,5
Symmétochos ( co-particiapante (Ef. 3,6; 5,7) et.

Interessante notar que São Paulo nunca disse que o cristão nasce com Cristo, é batizado com Cristo, tentado com Cristo... Isso não era importante para Paulo. O importante para ele era a participação do cristão da vida nova de ressuscitado de Jesus, partindo ou passando pelo outro pólo da vida cristã ou da experiência cristã que é o sofrer, morrer. De forma especial Paulo usa syn kyrio (com o senhor) para mostrar esse ponto de chegada da escatologia cristã, que é o senhor ressuscitado.
A preposição en (em, no) tendo por referência Cristo ocorre 165 em São Paulo. É uma locução de peso e de significado nos escritos paulinos.
Aparece algumas vezes relacionada com o kyrios, principalmente nas saudações e benções, como também nas formulações de atividades de Paulo, por ex. Rm. 16,8: en kyrio ; 16,12 etc. Indica a atuação do Senhor na vida do cristão,essa expressão. Ocorre também para indicar a atividade terrena de Jesus: en Christô. Equivale à diá, por meio de. Por ex. Rm. 3,24: Jesus Cristo. Tb. 2 Cor. 5,19; Gl. 2,17 e etc. ...
Mas o uso constante, comum e próprio da expressão en Christô designa a íntima união de Cristo com o cristão, uma verdadeira simbiose de vida:
oste ei tis en Cristô, kainé ktísis
“Se alguém está em Cristo, é uma nova criatura” (2Cor. 5,17).
Essa expressão equivale também a outra “Cristo em mim” (Gl.2,20;2cor.13,5;Rm.8,10;Cl. L,27; Ef.3,17: en emói Christós. ).
Depois de incorporado em Cristo, o cristão é membro de seu corpo, tem vida nova, é parte do cristo total. Jesus é o fundamento e o instrumento dessa unidade. Para Paulo a expressão condensa todo o “mistério” de que ele se fez pregador:
Deus nos escolheu no Cristo.
Deus nos reconciliou no Cristo.
Nascemos para a graça no Cristo.
Crescemos e perseveramos no Cristo.
Seremos ressuscitados no Cristo.
A expressão en Christô resume a teologia de Paulo de inserção do homem no mistério do Cristo. Pela fé e pelo Batismo o homem inserido no Cristo forma com ele um único corpo. E é a partir Dele que formamos um Corpo unido, coeso, pois Ele é a Cabeça. É NELE, na unidade da Comunidade que nós nos manifestamos como Igreja.


                        PEQUENA BIBLIOGRAFIA


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[1] (Cf. J.DRANE, op.cit.12-107)
   (Cf. tb. E. COTHENET, São Paulo e o seu tempo - Paulinas 1985)

[2] Cf. Gonzalez-Ruiz, op,cit., pp.116-126; Nuova Versione della Bibbia, NT. vol.2, p. 422
[3]Cf.  Nuova Versione del1a Bibbia,NT. Vol.2 p. 605-606
[4] Cf. Nuova V. della Bibbia, p. 603 ss; G.RUIZ, op.cit. p. 185ss. e Biblia  Vozes D. 1395

[5] (Cf. MS. Apostila sobre a ressurreição em 1 Cor. 15. Roma , 1979,p. 122-135. Cf. ainda, J. FITZMYER,Linhas fundamentais da teologia paulina (Paulinas, SP),p.77 ).

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