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sábado, 31 de março de 2012

TEXTOS FREI MAURO STRABELI (MARÇO 2012): "O PENTATEUCO" - Capítulo 41 em diante:

Capítulos  40-41: queda e ascensão do justo
            Esses dois capítulos estão ligados entre si pela narração e interpretação  dos sonhos: do copeiro e do padeiro do Faraó (40,5ss) e  do próprio Faraó (41-1-36). José interpreta todos eles.
            Para os antigos, o sonho era uma mensagem cifrada dos deuses (ou de Deus) sobre o futuro do homem. Somente Deus mesmo é que poderia interpreta-los : “É Deus quem pode interpreta-los” (40,8); “Quem sou eu?  É Deus quem dará uma resposta favorável ao Faraó” (41,16).      O texto diz que José soube interpretá-los, isto é, ele soube discernir a ação de Deus na história.
            Os sonhos foram ocasião para José subir na vida: de escravo a senhor. Ele ´s então o sábio, conforme a literatura sapiencial: ele sabe ler os acontecimentos. Além disso é previdente: mostrou que é preciso tomar providências para evitar males maiores para o povo (41,33-36= fez celeiros). Graças a ele a fome foi combatida e a fama dele e do Egito se espalhou.
            [Uma inserção no capítulo 41,50-52 informa sobre os dois filhos de José: Manasses e Efraim, que se tornarão mais tarde duas grandes tribos, e substituem as tribos de José e a de Levi. Interessante notar que a mulher de José é filha da mulher que assediou-o sexualmente. No fim da história ele vira genro dela... Veja  41,44-45.50).

            Capítulos 42-44: José, o justo, e sua família
            Conforme vinha sendo narrado, a história deveria continuar falando da atividade de José no Egito. Faz, porém, um parêntese histórico inserindo  a história da família dele e só retomando a sua história mais adiante, depois da morte de seu pai.Esse bloco, então,  trata do encontro de José com seus irmãos e dos testes que José fez com eles.
            O autor faz a história voltar para Canaã e mostra os personagens principais: Jacó, o pai, e seus filhos que discutem a situação da família e procuram providências (42,1-5). O redator já dá uma pista para dizer como  é que Israel(Povo de Deus) foi para o Egito (42,1-47,12). O motivo, segundo o autor, foi a fome geral (anunciada no sonho do Faraó).
            As cenas têm dois palcos: a casa de Jacó em Canaã e o palácio de José no Egito. Há quatro momentos fortes na história:
-          a primeira viagem dos irmãos de José ao Egito ................ (42,1-28)
-          a volta e  relato ao pai em Canaã ; surpresas  .................. (42,29—43,15)
-          a segunda viagem dos irmãos de José ao Egito: reconciliação. (43,15—45,14)
-          a terceira viagem a Canaã; volta ao Egito e assentamento da família..(45,16—47,12)

Em 42,6b está um dos pontos altos da narrativa: realiza-se o sonho de José (narrado em 37,7 e 9 ): os irmãos dele se prostram de fato diante dele.
E em 44,16  está o clímax da narrativa: no discurso que faz, Judá reconhece que eles todos, os irmãos de José,  são culpados e aceitam ser escravos dele.

Capítulos 45-50:  a história de José caminha para  seu final. Deus age na  História.
Esses capítulos narram a instalação dos hebreus no Egito, depois que José  se deu a conhecer. Também outros povos  procuraram o Egito. Aqui se privilegia a história dos filhos de Jacó para mostrar que a instalação dos hebreus no Egito  aconteceu por vontade de Deus. Daqui eles sairão e se instalarão em Canaã, a Terra Prometida. E realizarão com a própria família, a promessa feita por Deus a Abraão de que  os seus descendentes habitariam uma terra como herança; uma terra onde corria leite e mel (Gn 13,15-7; 15,18; Ex 3,8). A instalação no Egito e a opressão que vai se seguir depois, tornam-se o gancho histórico-literário para a passagem da história do livro de Gênesis para a do Êxodo. O tema tanto do final de um, como do começo do outro livro, é o mesmo: Deus age na História (Gn 45, 7-8 e 50,19-20).
No capítulo 49 está a conhecida “Bênção de Jacó”, também chamada “Profecia de Jacó”. Essa bênção foi colocada aqui bem depois dos fatos acontecidos com os filhos de Jacó e suas tribos., depois de instalados em Canaã Lembra as dificuldades para o assentamento e também as lutas que algumas tribos tiveram que enfrentar para se estabelecerem. Algumas até mudaram da terra ocupada  inicialmente Dã, Gad, Manasses... O texto faz referências ao desaparecimento das tribos de Rúben e de Simeão. Ninguém sabe bem  o por quê,. O autor dá a “sua razão” dizendo que a ruína de Ruben foi o incesto que ele cometeu (Gn 35,21) e a ruína de Simeão foi o crime praticado por ele e Levi contra os siquemitas (veja  Gn 34).
A intenção do autor deste texto é sem dúvida legitimar a primazia de Judá sobre os irmãos e de sua tribo sobre as demais. Tribos. Para tanto ele elimina os três primeiros irmãos na linha de precedência. Mas certamente as tribos deles desapareceram ou fundiram-se com outras no tempo  perdendo assim   a primazia. Por que se o motivo  da eliminação foram os erros (ou pecado) cometidos pelos seus líderes, também Judá deveria ser eliminado porque ele,  pior do que Rúben, também cometeu incesto e  não só incesto mas também engano, mentira, traição e desejo de vingança (Gn 38).
Importante nesse capítulo 49 é  o versículo 10 que diz:
“O cetro não se afastará de Judá, nem o bastão de comando do meio de seus pés, até que o tributo lhe seja trazido e os povos lhe obedeçam”

                        São muitas as interpretações desse versículo;  é um versículo realmente difícil  de ser entendido. De modo geral a exegese cristã e hebraica o interpretam como profecia messiânica: a tribo de Judá seria importante e Judá seria o chefe (= cetro e bastão de comando)  da Liga das tribos, ou do povo hebreu, até que chegasse o Messias (para os cristãos = Cristo; para os judeus: o messias libertador político). [O nome Judá (Yehudah) significa louvar, dar graças (Gn 29,35). Ele é louvado porque é forte e domina os inimigos (49,8). Da tribo de Judá nascerá Davi e da descendência de Davi nascerá Jesus Cristo (Lc 1,27; 2,4.6; Mt 2,6). Jesus vai ser chamado depois: “ Leão da tribo de Judá” (Apocalipse 5,5].
                        Desse modo a profecia poderia ser interpretada assim:  cetro e bastão indicam o domínio de Judá (ou tribo) sobre seus irmãos e sobre  seus inimigos.  Esse domínio cessará quando chegar  alguém cujo domínio não se estende apenas sobre seus irmãos mas sobre todos os povos. O primeiro domínio será o do rei Davi. O segundo, do Messias, Jesus Cristo, descendente de Davi e de Judá.  A ele todos os povos hão de obedecer.



                                                                                 

                                   III. O LIVRO DO ÊXODO (1250  aC)     
Introdução
O  livro do Êxodo relata toda a luta de libertação do povo hebreu, não só a luta pela libertação do Egito, mas também  libertação de todas as potências estrangeiras que dominaram esse povo  na sua história e até a luta  contra muitos de seus próprios reis -  que  não governavam conforme  a Lei de Deus  e a vontade do povo. De modo que podemos dizer que o Êxodo  atual é o conjunto de vários êxodos (saídas libertadoras) do povo: camponês, migrante no Egito, expulso do Egito e libertados também  da opressão de seus próprios reis...
            Termos cronológicos limites da narração: do século XIII  ao século IV aC. O êxodo  aconteceu aí pelo  ano 1250 aC.  A atual narração reproduz quatro momentos fortes no processo redacional,  e que refletem momentos histórico-políticos diferentes:
            a)  redação de breves relatos  por quem viveu a experiência do êxodo (século XIII);  b) o processo de organização do povo já em Canaã  (séculos XIII a XI). É um tempo de muitas lutas  e revoltas em Canaã.; c) um terceiro momento em que se relata a opressão dos egípcios contra o povo hebreu. E finalmente: d) o quarto momento quando toda a história  é redigida (texto atual), feito no século IV, no pós-exílio.

            1 - Nome
“Êxodo”  é o nome dado ao livro pela versão grega da Bíblia hebraica, feita em 250  aC.  -  chamada   “Bíblia dos Setenta” ou LXX).   Êxodo quer dizer saída; o livro trata exatamente da “saída” do povo hebreu da escravidão do Egito e de sua caminhada para a libertação. O nome reflete o conteúdo do livro. Em hebraico o nome é outro: Weelleh shemôt, que significa “estes são os nomes” -  que são as primeiras palavras com que o livro  começa ( em hebraico o nome dos livros do Pentateuco é dado pelas primeiras  palavras com que começam).
            2. Conteúdo
O livro trata  de todos os acontecimentos havidos com os hebreus no Egito, na época imediatamente anterior à saída libertadora. (O livro  nada fala sobre o período que vai da morte de José até à entrada de Moisés em cena). Retrata a vida dos hebreus no Egito e dá o motivo claro da saída do povo: a dura escravidão a que o sujeitava o faraó Ramsés II (1290-1223 aC), principalmente com a construção de  cidades com armazéns gerais. Duas delas são lembradas no livro: Pitom e Ramsés (Êxodo1,11).  (Uma delas  tem o nome do próprio faraó).  Além do trabalho escravo,  Ramsés perseguia o povo, impunha duros castigos e restrições, chegando a ordenar a matança dos meninos recém-nascidos (Êxodo 1,12-22). Moisés foi o líder que despontou; da análise da situação e pela inspiração divina,  leu nos acontecimentos a vontade de Deus . Organizou o povo, resistiu ao faraó, lutou e conseguiu tirar o povo da escravidão e sair para a liberdade na Terra prometida (a terra de Abraão, Isaac e Jacó = a atual Palestina). A caminhada do povo durou 40 anos. No meio da caminhada Deus fez Aliança com o povo no Monte Sinai (Êxodo 19-20).
O livro do Êxodo narra essa história.  Desde a luta contra o faraó e a saída do Egito até  a chegada ao Monte Sinai (1,1--20,21;  e 32-34).[ Os capítulos de 20,22  até 31,18 e de 35 a 40  são acréscimos posteriores ao fato narrado].  O restante da história da saída até a chegada à Terra Prometida é narrado pelo livro dos Números
.
3        - Síntese do conteúdo narrativo

            Capitulo 1,8-22:  Esses versículos descrevem a opressão; esta aconteceu certamente por dois motivos:  primeiro, porque  os egípcios, depois de muito tempo,  tinham conseguido libertar-se dos hicsos, povo semita que os tinha dominado;  depois, porque os hebreus tinham-se multiplicado muito e constituíam sério perigo para a nação. Daí a estratégia adotada pelas autoridades: escravizar o povo hebreu pelo trabalho forçado e  mandar matar  os meninos hebreus  - impedindo assim a sobrevivência da raça.
            Capítulo 2: Nascimento e salvação de Moisés.  Ele é salvo pela própria filha do faraó. Da casa do opressor  sai  a salvação!  [Moisés é nome de origem egípciams’i,  e significa  “dar à luz”].
            Capítulo 3A vocação de Moisés - A revelação do Nome de Deus
Ele foi chamado por Deus. Nesse capítulo aparece pela primeira vez  a revelação do Nome de  Deus: JAVÉ (= Aquele que faz viver. Aquele que é Vivo). Javé (em hebraico JHWH) é um nome próprio que vem do verbo ser (existir) em hebraico. Javé é então aquele que vive, aquele que é, aquele que é Vida, aquele que liberta. Esse capítulo é central no livro e em toda a Escritura pois mostra que Deus  não é definível, Deus não se define, ele é Vida.  E “vida” não se define; vida  é o centro de toda a Escritura. [O relato sobre a revelação de Deus é feito por meio de um gênero literário específico de teofania e de história de santuário. Esse tipo de relato aparece também na história dos patriarcas  Abraão, Isaac e Jacó (Gênesis 13,18; 26,25; 33,20 e 35,1)].
            O fenômeno da sarça ardente não precisa ser entendido ao pé da letra, como um fenômeno único, acontecido  só com Moisés num determinado dia.  O relato de um milagre especial fazia parte da chamada “história do santuário”.  Todo santuário antigo tinha um   relato sobre determinado fato extraordinário ali acontecido. Não precisava ser necessariamente um fato extraordinário, miraculoso. Bastava que o povo tivesse entendido que certo fenômeno que ocorrera ali  era miraculoso (mesmo que fosse coisa  natural).  Por isso os intérpretes dizem hoje em dia que  a sarça ardente poderia ser uma emissão natural de gás ou o fogo de santelmo. O que  faz a diferença   é a interpretação do fenômeno. Foi o  que  Moisés fez,  naquele lugar sagrado.  Ele deu a interpretação. Para ele, aquele acontecimento ali na sua frente (sarça que queimava sem se consumir) era algo que ele não explicava. Como estava  tomando uma decisão (libertar seu povo) ele viu nesse fato uma revelação de Deus. Isso é perfeitamente bíblico e teológico. O texto diz que  inicialmente ele ficou curioso com o fenômeno (3,3). Só depois é que toma decisão: ele sentia-se chamado para libertar seu povo. Mas em nome de quem? E ele responde para si mesmo:  Em nome do Deus de nossos pais. E quem é ele? Aí entra então o relato: a revelação do nome de Deus.  O Deus de Abraão, Isaac e Jacó é um Deus vivo, é vida. Portanto ele não pode tolerar forças da morte;  não pode aceitar a escravidão de ninguém. Todas essa idéias são expressas pela bonita fórmula que aparece aqui  no vers. 14: “Eu sou aquele que sou” (Em hebraico: ‘ehjeh  ‘asher ‘ehjeh ). Conforme os especialistas essa expressão tem sentido causativo: ele é e faz ser.  Por isso ele é libertador. É ele quem arranca da mão do opressor o seu povo para fazê-lo ser, isto é, livre.
OBSERVAÇÃO: O nome  “Jeová”

·      O nome Jeová é o mesmo que Javé. Mas esse nome não existe na Bíblia. É uma leitura errônea do nome YHWH (Javé) em hebraico. O alfabeto hebraico  não tem vogais. Não se sabe então como é que os antigos liam esse nome.  Quando as vogais  foram introduzidas ( é a chamada escrita massorética) os judeus já não pronunciavam o nome de Deus, mantendo  antiga  tradição segundo a qual o nome de Deus é impronunciável: “Não tomar seu santo nome em vão” ( (Êxodo 20,7; Levítico 24,16). Para não pronunciar o nome de Deus, os hebreus colocavam sob as  consoantes do tetragrama  YHWH  (Javé), as vogais E, O e A da palavra  hebraica edonay,  que quer dizer “senhor”. Por isso, colocando essas vogais (EOA) sob as consoantes do nome YHWH, esse tetragrama soaria  Yeowa   (para quem desconhece tal acomodação). Mas são coisas diferentes. (O nome edonay é  leitura antiga; mais tarde, com a pontuação massorética é que passou  a ser lido com hatéf pa’tah =  ADONAY)

Capítulo 4
Deus confia a Moisés a missão de libertar o seu povo e o prepara para exercê-la. A narração desses dois capítulos (3 e 4)  quer mostrar que Moisés tomou consciência de uma missão que deveria exercer  junto ao seu povo. Nessa tomada de consciência ele foi ajudado por Deus. A tradição e o redator  mostram essa proteção de Deus a Moisés  apresentando prodígios operados por ele e  falando das  aparições de Javé para ele: ele é íntimo de Javé, dialoga, debate com Deus. É um tipo de narração que se enquadra dentro do gênero literário e cultural daquele tempo.

Capítulos 5 e 6
É narrado nesse capítulos que Moisés tentou por meios legais convencer o faraó a que libertasse seu povo, deixando-o ir embora. Nada conseguiu, a não ser o efeito oposto: revide da parte das autoridades e maior opressão (5,6-14)

Capítulos 7,1--11,10
Nesse bloco vem narrado o confronto. De um lado, Javé, o Deus libertador; do outro, o faraó e o sistema político, opressores. Mediadores do conflito são Moisés e seu irmão Aarão. É nesse conjunto narrativo que estão as conhecidas “Pragas do Egito”.  São nove, narradas em ordem (Ex 7,14—10,29), e a décima praga, a morte dos primogênitos, anunciada em 11,1-10  e realizada depois do anúncio da Páscoa (Ex. 12,29-36). Elas são enviadas contra os egípcios e contra o faraó por causa da dureza deles contra o povo hebreu. A narração das pragas não é uma narração histórica no sentido moderno,  isto é,  o fato pode ser documentado, provado,  aferível; mas é histórica no sentido de que houve acontecimentos reais, muito fortes, que perturbaram e prejudicaram os egípcios. O redator usa todas as tradições orais subjacentes na memória do povo a respeito desse fato. E tal tradição dizia que a “mão  forte e poderosa” de  Javé estava presente  na libertação de seu povo. As pragas vêm a ser uma concretização literária  da fé e da tradição judaicas  nesse poder de Deus. O histórico de todo  o relato é a afirmação solene do texto de que “Javé agiu na história da libertação de seu povo, com mão forte e braço estendido  Essa concepção pode ser percebida nos salmos ( por ex. 78,72; 89,13; 136,12; etc.).

Como podemos entender essas “pragas” ? Foram reais ou são lendas religiosas?
            As chamadas “pragas do Egito” são narradas, como foi lembrado, no livro do Êxodo (7—11; 12,29-36). Muito já se discutiu e se escreveu sobre elas. Para alguns autores, principalmente os mais antigos, elas aconteceram de fato. Foram milagres verdadeiros operados por Deus em favor de seu povo. Para outros estudiosos, as pragas devem ser estudadas dentro de contexto mais amplo: cultural, literário e teológico. Nessa ótica elas perdem muito da carga miraculosa e constituem “sinais” da ação de Deus na História.
            Tentando explicar as pragas  vamos dividi-las  em duas partes: uma parte, com as nove primeiras pragas; depois, a décima praga em especial.
           
            As nove primeiras pragas:
            As pragas são narradas na seguinte ordem:
            1ª Conversão das águas do rio Nilo em sangue (7,14-24)
            2ª Invasão de rãs nos rios e nas casas (7,26--8,11)
            3ª Onda de mosquitos (8,12-15)
            4ª Invasão de moscas  (8,16-28)
            5ª  Peste maligna  nos animais (9,1-7)
            6ª Úlceras e chagas nos homens e nos animais (9,8-12)
            7ª Chuva de pedra (9,13-35)
            8ª  Invasão de gafanhotos (10,1-20)
            9ª  Escuridão no país (10,21-27)

            A finalidade das pragas, pelo que lemos, era a de persuadir o faraó[1] a libertar o povo. O ponto culminante das narrações do Êxodo está nos capítulos 14-15: é a vitória sobre o faraó no mar Vermelho com a conseqüente libertação do povo. O caminho para essa libertação foi longamente preparado por Deus através desses meios: as pragas. E essas “ações prodigiosas” de Javé em favor de seu povo são sempre lembradas nas profissões de fé do povo de Israel (Dt 4,34; 6,22; 7,19; 26,8; Js 24,5; Sl 78,43 etc.).
            Todas essas “ações prodigiosas” são chamadas no texto “sinais” e “prodígios”. Se elas são chamadas “sinais” é  porque são ações que devem ser interpretadas. Hoje em dia, são raros os  intérpretes que defendem a tese de que as pragas foram fenômenos naturais conhecidos no Egito e que o  aspecto extraordinário estaria na intensidade delas e na sucessão rápida, uma após a outra.
            O texto mostra que os mágicos egípcios são capazes de repetir muitas delas. Outras, não. Declaram-se incapazes: “Aí está o dedo de Deus” (8,15). A participação dos mágicos na provocação das pragas já é elemento suficiente para se duvidar  de que eram elas fenômenos naturais ou até extraordinários. Devemos ainda observar sobre as nove primeiras pragas que era de se esperar que tanto o faraó como os egípcios ficassem assustados já com as primeiras pragas e deixassem o povo partir o mais rapidamente possível. Mas isso não aconteceu. Pelo contrário, alguns mágicos, como se disse, repetiram alguns prodígios e o faraó nem se importou com as ameaças. Nesse sentido, as pragas falharam! Só depois da última, a décima (11,1-8), o povo pôde partir.
            O leitor israelita, como observam os autores, não se decepcionava quando lia isso. Ele não desacreditava do poder de Javé, pois já sabia que no final da história Javé vencera o faraó e libertara o seu povo. Para o israelita o mais importante fora a libertação. As pragas foram parte do caminho para consegui-la.
            É conveniente ainda fazer uma observação literária, simples,  sobre o texto.
            A narração atual sobre as pragas tem origem em duas narrações distintas que depois foram fundidas numa só, a atual. O número das pragas variava em cada uma das narrações. A tradição dizia que as pragas tinham sido sete. O número 7, como se sabe,  é o número da plenitude, segundo os judeus. Com isso, as citadas narrações ensinavam que as pragas foram castigo total, pleno. Não se falava em número de pragas.
            O modo de narrar as pragas é também diferente em cada narração. Os autores usavam esquema próprio para que o povo pudesse gravar facilmente na memória os seus relatos.
            A primeira narração, que é feita pelos sacerdotes, falava de três pragas apenas, que são as atuais 3ª, 6ª e 9ª. A segunda narração,  que é popular,  falava de seis: 1.ª ,  2ª , 4ª, 5ª, 7ª e 8ª.
            O esquema da primeira narração é sempre esse: uma palavra de Deus: “E Deus (Javé) disse...”; uma ordem: “ Estenda a vara” ; uma execução: “Estendeu..,” (cf Ex 8,12s; 9,8s; 10,21 s).
O esquema da segunda narração é outro: usa sempre dois refrões ou duas fórmulas: “de manhã” e  “Vá encontrar” ou“apresente-se” ao faraó”.  
 Todas as pragas neste grupo usam esse esquema  (7,15; 7,26; 8,16; 9,1; 9,13; 10,1).
            Esse esquema facilita a memória do leitor, pois vai alternando
o refrão. As pragas que faltam nesse esquema são as do primeiro (3ª,
6ª e 9ª), Para essas, o autor usou o esquema da palavra de Deus, que
ordena e cuja ordem é executada.
            A partir dessas observações todas, podemos perguntar se as pragas aconteceram ou não. Se é ou não histórico esse relato sobre elas.
            Para a história cartesiana de hoje, (“Nunca admitir por verdadeiro nada que  não se conheça com evidência como tal”) um fato só  é histórico quando ele pode ser comprovado, quando pode ser verificado, aferido. Nesse sentido as pragas não são históricas, porque não podem ser comprovadas por nenhum meio, afora o relato. Mas o autor bíblico ou os autores não tinham intenção alguma de descrever a natureza desses fenômenos. O que eles querem dizer com esse tipo de linguagem e com esse tipo de relato é que, para libertar o povo, Javé se mostrou tão presente que só um coração obcecado não o perceberia. Deu na vista a ação libertadora de Javé.
            Para relatarem essa ação libertadora de Javé, os autores usaram o artifício literário das pragas, ou seja, de castigos. A fonte de informações deles foi, sem dúvida, a tradição oral de seu povo. E era forte na tradição a lembrança de que Javé agira em favor do povo no Egito com “mão poderosa” (cf. Ex 6,1:32,11; Dt 3,24:4,34; 5,15; 6,21; 7,8;9,26; 11,2; 26,8; Ne 1,10; Si 136,12; Jer32,21;Dn9,15 etc.).
            Para concretizar essa expressão “mão poderosa” os autores usaram o artifício das “pragas” — que têm certa base histórica, mas que foram reelaboradas.
            O núcleo histórico do relato sobre as pragas é este: “Javé agiu na história da libertação do povo de Israel.  Isso é  certo, é histórico, é aferível, é real. A composição e a redação literária dessa ação libertadora de Deus, foram feitas bem depois do êxodo e seguem a linha das tradições do povo. Uma tradição oral sempre salienta mais um ponto, exagera outro, esquece outro e nem sempre segue à risca a lógica. E é isso que se percebe no relato sobre as pragas. Elas não aconteceram, pois, tais quais são escritas. Há muitas contradições nos relatos e muita coisa difícil de se acreditar! Por exemplo: as águas transformadas em sangue e que atingiram até as árvores e as pedras (Ex 7,19)! Coisa difícil ou impossível. Além do que os magos fazem o mesmo prodígio em seguida; ou seja: fazem o que já estava feito! (Ex 7,22). Ainda: as moscas venenosas, ou mutucas como dizemos, invadem somente as casas dos egípcios (8,18)! O mesmo se dá com a peste que só atinge o gado dos egípcios e não o dos israelitas (9,4-6)! Em 9,23-26 se diz que desceram chuva e fogo misturados (v. 24) e que caíram somente sobre o território dos egípcios! O gado dos egípcios, que morrera na 5 praga (9,6), é atingido pelas úlceras na 6a praga (9,19)! Enfim, as trevas cobrem somente metade da cidade, onde moravam os egípcios; na parte da cidade onde moravam os hebreus havia luz (10,22-23)!
            Não é do bom senso querer explicar as pragas, sua historicidade, apelando para o poder da providência de Deus. Isso é inserir no texto coisas que ele não diz. Por outro lado, dizer que tudo o que vem relatado é explicável naturalmente, como fenômenos da natureza, é igualmente coisa sem sentido. Primeiramente porque há fenômenos que nunca ocorrem no Egito, como, por exemplo, a chuva de pedra, ou granizo. E coisa muito rara de acontecer por lá, dizem os estudiosos; depois porque, aceitando esse tipo de interpretação, é preciso admitir que o texto esteja relatando fatos históricos, acontecidos, comprovados. O que não é verdade, pois o autor não está fazendo reportagem. E ainda que tais acontecimentos tivessem sido naturais, a sucessão deles é tão intensa que ultrapassa o natural!
            Parece importante notar aqui que o hebreu não se interessa muito pelos fenômenos naturais em si. Para ele os fenômenos da natureza são expressão de Deus ou teofanias. Não é preciso alterá-los ou alterar a ordem deles para que o hebreu perceba tratar-se de coisa extraordinária. O israelita via Deus em todas as coisas, sem precisar alterar a natureza. As pragas não são, pois, mudança radical em fenômenos naturais; para o hebreu elas são um modo literário de dizer que Deus agiu na História de seu povo concretamente.
            Dissemos acima que há um fundo histórico no relato sobre as pragas. Esse fundo histórico é constituído, acreditamos, por acontecimentos que se deram naturalmente, mas que foram entendidos pelos israelitas como castigos de Deus contra os egípcios. E tais acontecimentos certamente foram poucos, como, por exemplo, a chuva de pedra (coisa rara no Egito, mas que excepcionalmente ocorrera); o desbarrancamento anormal das margens do Nilo com o conseqüente avermelhamento das águas; o surgimento de enxames de moscas após grande inundação; o aparecimento de nuvens de gafanhotos e até a chamada “morte dos primogênitos”.
            Quando a tradição oral sobre a saída dos hebreus do Egito foi escrita, o autor juntou todos os coloridos de que dispunha e os fundiu num só quadro, multicolorido, com todos os exageros e contradições que existem nas tradições orais.
            Numa palavra e repetindo o que se disse: as pragas são históricas como concretização da ação de Deus na história da libertação do povo hebreu do Egito. São elas expressões concretas e literárias do refrão conhecido por todo o povo hebreu e sempre usado nas suas confissões de fé: “Javé agiu em favor de nossos pais com mão poderosa e braço estendido (Dt 4,34; 7,19; 26,8; Sl 136,12)[2].

10ª praga:  a morte dos primogênitos (12,29-34)

            A décima praga é algo muito especial. Por isso é destacada das
demais. A narração sobre a morte dos primogênitos dos egípcios é
muito difícil de ser entendida se ficarmos na literalidade do  texto: à meia-noite
o Senhor matou todos os primogênitos dos egípcios, desde o primogênito do faraó até o primogênito dos animais; não fez, porém, nenhum mal aos filhos dos hebreus (11,7 e 12,29).
            A montagem dessa história é complicada, No cap. 10,28-29, o faraó expulsa Moisés de sua presença e o próprio Moisés diz ao faraó que não voltará mais à sua presença. Todavia o cap. 11,3  mostra Moisés de no vo na presença do faraó; e não só, mas é dito ainda que Moisés tinha grande prestígio em todo o Egito, junto à corte e junto ao povo. E mais: as personagens que compõem a história do anúncio da morte dos primogênitos, nesse cap. 11, são um tanto nebulosas: não se fala de faraó, mas ele está na história; não se sabe a quem Moisés fala, embora seja dito que depois de falar, ele saiu da presença do faraó. Mesmo depois de ter assinalado que Moisés saíra da presença do faraó, o texto volta a dizer que ele e Aarão fazem novamente prodígios diante do faraó(11,10)!
            Essa décima praga sempre foi considerada como a decisiva para a libertação do povo. Para os intérpretes mais antigos a praga deve ser entendida ao pé da letra: morreram de fato todos os primogênitos dos egípcios e salvaram-se todos os israelitas. E tudo isso aconteceu por obra de Javé.
            Todavia, essa interpretação não pode ser aceita, pois não existe nenhuma referência sobre esse acontecimento na História dos povos antigos, principalmente na história dos povos vizinhos do Egito. Se tivesse acontecido tamanha desgraça numa nação, haveria algum registro na História. Mas não há.
            Os estudiosos dizem hoje que nesse relato há dois núcleos: um núcleo histórico e um núcleo teológico-cúltico. O núcleo histórico é a afirmação de que houve de fato um acontecimento dramático que atingiu os primogênitos dos egípcios. São Jerônimo diz, citando uma antiga tradição judaica, que naquela noite, citada em Ex 11,4-6, todos os templos egípcios foram destruídos por terremoto; supõe-se que naquela noite era celebrada a “Festa de apresentação dos primogênitos” às divindades. Tal festa era tradicional no calendário religioso dos egípcios. Com o terremoto morreram todos os primogênitos dos egípcios, pois estavam reunidos num templo. Não só morreram os primogêflito5 como também foram destruídos os templos das divindades pagãs, egípcias.
            Essa informação de S. Jerônimo (Epístola 78 a Fabíola: ML 22,701) tem certa base no próprio texto bíblico (Ex 12,12 e Nm 33,4). Nesses textos é dito que Deus “exerceu sua justiça e seu julgamento contra os deuses do Egito”.
            A décima praga seria então acontecimento histórico, real: houvera na história do Egito uma tragédia de grandes proporções, e que ceifara a vida de todos os primogênitos reunidos para uma festa religiosa de apresentação. A tragédia — um terremoto — derrubara o grande templo dos deuses egípcios. Tal fenômeno foi interpretado pelo texto bíblico como vingança de Javé contra os deuses.
            Outros autores propõem interpretação diferente, partindo, porém, dos mesmos textos (Ex 11-12) e da informação histórica de S. Jerônimo. Segundo esses autores, a morte dos primogênitos foi provocada pelos chefes do povo hebreu revoltado. Foram eles os “enviados de Javé”; são eles o “Exterminador” de que fala o texto (Ex 12,23). E os próprios textos bíblicos favorecem essa interpretação: os judeus não podiam, de fato, sair de casa porque era a noite da Páscoa (Ex 12,2 1-22); suas casas eram distintas das casas dos egípcios; não corriam perigo de serem confundidas, pois estavam marcadas com o sangue do cordeiro (12,2 1-22); os egípcios reuniram seus primogênitos num templo para a festa da apresentação — conforme S. Jerônimo. Isso facilitaria a ação de vingança dos chefes e do povo hebreus. Além do que a noite era de lua cheia, pois a Páscoa era sempre celebrada na primeira lua cheia da primavera (Ex 12,6).
            A intervenção de Javé, provocando a morte de todos os primogênitos bem como derrubando o grande templo dos deuses, provocou a dor comum. Diante da dor comum a atenção dos egípcios e a oposição do faraó diluíram-se. Foi o momento oportuno para os israelitas partirem, aproveitando-se da ocasião. Essa partida constitui o chamado êxodo-fuga, que motivará, em seguida, feroz perseguição pelo faraó e pelos egípcios (Ex 14,5ss).
            A morte dos “primogênitos dos animais” é lembrada no texto apenas por redundância, isto é: já que Deus atingira os primogênitos dos homens não poderia poupar os primogênitos dos animais. A intervenção de Deus não teria sido completa. O  texto sublinha a importância e o risco de ser primogênito. Esse é o núcleo histórico desse relato. Todavia, acreditamos, não é preciso entender como histórica a morte de todos os primogênitos. Se tal fato acontecera, haveria algum registro dele na História — como já foi lembrado. E não há. Certamente ocorreu uma tragédia local, no dia da “Apresentação dos primogênitos”, morrendo muita gente, principalmente primogênitos. Essa tragédia ocasional foi vista pelos hebreus como sinal de Deus e oportuna intervenção dele para a libertação de seu povo. E aproveitaram a ocasião. Esse núcleo histórico é depois reelaborado pelo autor sagrado: os primogênitos não devem ser oferecidos aos deuses, mas consagrados a Javé. Os primogênitos dos animais, porém, devem ser sacrificados (Ex 13,1- 2.11-16).
O núcleo teológico-cúltico constitui-se por essa consagração dos primogênitos a Deus. A partir da libertação do Egito, o povo de Israel deve ter consciência de que é ele “o primogênito” de Deus. E o povo escolhido entre tantos povos. A eliminação dos primogênitos dos egípcios e dos animais é o sinal dessa escolha, diz o texto. Como lembrança dessa pertença a Deus, Israel deverá consagrar-lhe todos os primogênitos, quer dos homens, quer dos animais. E diferentemente dos costumes pagãos, os primogênitos de Israel não devem ser sacrificados, mas “santificados”, isto é, separados, dedicados ao Senhor. Aqui entra o rito de consagração, ou o aspecto cúltico do relato. A consagração dos primogênitos a Deus tem o sentido de separação: dar a Deus as primícias. Esse rito desmitiza o costume cananeu, principalmente, de sacrificar os primogênitos. Com esse rito cúltico-teológico o texto do Êxodo quer sublinhar que Deus é o autor e defensor da vida. Ele não quer a morte de ninguém. É nesse sentido que deve ser lida também a história do “sacrifício” de Isaac: Deus não quer a morte do homem, por isso há a substituição do homem pelo animal.

            Capítulo 12,1-37:  a celebração da Páscoa
Nesse capítulo vem descrito todo o ritual da celebração da Páscoa.   A história que vem sendo narrada sobre o  êxodo é interrompida para se falar da Páscoa. Deus, conforme o texto é extremamente minucioso em dar  as prescrições rituais para aquela noite. Essa narrativa é uma montagem literário-teológica com elementos tradicionais mosaicos e pós-mosaicos (isto é, do tempo de Moisés e depois dele também). A presença de estrangeiros e imigrantes na festa (Êxodo 12,43-49) é um exemplo de tradição pós mosaica. O rito desenvolveu-se durante o êxodo e também depois que o povo se  fixou em Canaã.
A festa da Páscoa é uma antiga  celebração agro-pastoril, usada  pelos nômades e também pelos hebreus; estes acrescentaram àquela celebração pastoril elementos religiosos para fazer dela uma festa religiosa e comemorativa de seu povo.   Há certo anacronismo na narração da festa, conforme o Êxodo,  o que leva a concluir que essa narração é uma narração de outras páscoas posteriores ao acontecimento do êxodo do povo. O ambiente de tensão em que vivia o povo não permitiria por exemplo que se esperasse o décimo dia do mês para  começar a celebração (12,30);  esperar mais três dias para a purificação do cordeiro que seria imolado.
Para o  redator final do livro do Êxodo o importante era narrar a celebração da Páscoa como um ritual que recordava e tornava presente, atualizava, a libertação do Egito. Para ele a celebração pascal é atemporal, isto é, não é acontecimento de um mas de todos os tempos. Por isso reuniu elementos da celebração de diversos tempos. A Páscoa era para o israelita um Zikkarôn que quer dizer em hebraico representação, celebração, atualização (ou memorial)  da libertação do Egito. O mistério que a Páscoa celebrava não era apenas um evento passado, mas uma realidade presente e uma promessa futura. A passagem do Senhor pelo meio do seu povo naquela noite foi o início da revelação do seu poder salvífico que iria se consumar no futuro, com a última e definitiva  vinda do Senhor ao seu povo.
A Páscoa não era para o israelita apenas uma celebração, mas uma espera da vinda definitiva do Senhor. A Páscoa era uma “vigília da vinda do Senhor”, como diz o texto : “Esta noite... deve ser para todos os filhos de Israel uma vigília para Javé em todas as gerações”(Êxodo 12, 42).  No “hoje” trans-histórico da celebração cultual o fiel se tornava contemporâneo de todas as gerações de Israel, passadas, presentes e futuras.
Portanto os  textos  de Êxodo 12 e 13 não são uma descrição da primeira Páscoa no Egito ou de qualquer outra Páscoa posterior. A Páscoa é uma celebração única, celebrada por todas as gerações. (cf. J. Plastaras,  Il Dio dell’Esodo, Marietti 1977, p.100-105).

             Origem da festa
Os especialistas colocam a origem da Páscoa em época pré-israelita, isto é, ela é anterior à origem do povo hebreu. Era uma festa das tribos nômades.
O texto bíblico diz que Moisés convocou os anciãos do povo e mandou-os escolher um cordeiro (= “gado miúdo”)  para imolar na Páscoa  (Ex 12,21).  Isso faz supor que a festa já era conhecida pelos israelitas. Ainda diz o texto que Moisés pediu autorização para seu  povo sair para o deserto a fim de  prestar um culto ao Senhor e  oferecer sacrifício ao Senhor (Êxodo 3,18; 5,3; 7,16.26; 8,4.16.23; 9,1.13; 10,3.7.11.24.26).
O texto de Êxodo 8,21-24 deixa entender que os hebreus já tinham o costume de oferecer sacrifício de animais a Deus e que só não o celebravam porque para os egípcios os animais eram sagrados - o que certamente causaria aborrecimentos.
Esse sacrifício a que o texto se refere bem pode ser a festa da Páscoa, como se pode perceber por outros indícios:
·         é uma festa da primavera, época da renovação  dos rebanhos;
·         é uma festa de família presidida pelo chefe da família; não há sacerdotes;
·         é uma festa onde se imolam cordeiros, nascidos naquele ano (= festa essencialmente pastoril);
·         ritos ligados aos sacrifícios de animais (usar sangue para untar as portas);
·         comer da carne numa refeição sagrada
·         proibição de quebrar ossos da vítima.
·         o sacrifício devia ser  celebrado no crepúsculo (Êxodo 29,39), que é o momento em que os nômades param a caminhada e montam a tenda para descansar;
·         a refeição deve ser tomada naquela noite, (os nômades retomam sempre a caminhada cedinho);
·         não há vasilhame: a carne é assada de modo bem elementar ; o pão é sem fermento: não há tempo para esperar levedar, crescer; as ervas são amargas (as únicas que crescem no deserto)
·         o cerimonial à refeição é tipicamente pastoril: sandálias nos pés; cinturão (onde os pastores colocavam facas, cordas, apetrechos pequenos; cajados nas mãos (por causa do rebanho)
Na celebração da Páscoa é elemento importante o rito do sangue. Os pastores, nômades, celebravam a páscoa na primeira lua cheia da primavera. Na noite anterior eles passavam o gado dos pastos do inverno para os pastos da primavera. Essa passagem era considerada por eles como muito perigosa, porque acreditavam eles que um “espírito do mal”, um “exterminador” ameaçava matar o rebanho naquela noite. Para esconjurar tal perigo, eles se reuniam na noite anterior à da passagem da estação  e ofereciam à  “divindade dos campos”  um cordeiro em sacrifício e com o sangue desse cordeiro, recolhido numa vasilha, ungiam a entrada  das tendas. Esse rito de aspersão da entrada das tendas é chamado  rito apotropáico, isto é, de esconjuro. A finalidade era a de pedir proteção ao rebanho e às pessoas. Esse  “espírito do mal” está presente na narração do Êxodo com o nome de “exterminador”  (12,23). Às vezes parece que o “exterminador” é o próprio Javé, e outras, que é um enviado de Javé (12,23)..
O povo de Israel  assimilou esse costume nômade de aspergir com  sangue a entrada da casa (tenda);  mas o atualizou: não  se unge mais  a entrada da tenda, mas os umbrais (soleira) das  portas  porque no tempo do redator o povo já estava assentado, e morava em casa fixas e não em  tendas.
Os israelitas, como foi dito, conheciam esse rito celebrativo pastoril da páscoa, mesmo antes de irem para o Egito, onde viveriam e seriam depois escravizados. Quando reconheceram a ação libertadora de Javé que os tirara da opressão, usaram essa festa para celebrar essa tal acontecimento. Mas fizeram as devidas adaptações: comer de pé, cingidos, apressadamente, comer verduras amargas etc (Êxodo 12,21-28) E assumiram  por outro lado  o aspecto apotropaico ( que quer dizer|: de esconjuro)  da celebração pastoril, dando-lhe porém nova interpretação: não é mais um “espírito mau” quem passa  no meio do povo para matar; é Javé quem agora passa, mas  para libertar, punindo os opressores.
A Páscoa vem ligada à Festa hebraica dos Ázimos (Mt 26, 17) que era também uma festa agrícola, mas do povo cananeu e não dos nômades. Era a festa da oferta das primícias das colheitas feitas à divindade,  como rito de ação de graças. No dia  da festa jogava-se fora todo fermento velho que se tinha em casa para fazer pão e fazia-se novo fermento. O sentido do rito era este: “deixar a vida velha de erros e pecados e começar uma vida nova”. O pão usado nessa celebração era o pão ázimo, isto é, sem fermento.
No Judaísmo e no Cristianismo  todos esses elementos são retomados e re-elaborados dentro da ótica pascal de cada religião. N o Cristianismo a Páscoa lembra  e comemora a Ressurreição de Jesus. É ele quem faz a nova e definitiva passagem (= páscoa): da escravidão do pecado para a liberdade da graça de Deus. O cordeiro pascal é a figura-símbolo  de Jesus, o verdadeiro Cordeiro de Deus que tira os pecados do mundo (João 1,29). O sangue do cordeiro é figura do sangue redentor de Jesus;  o fermento novo é figura da vida nova, pascal, trazida por Jesus. Esse é o sentido da Páscoa.
De acordo com os três primeiros evangelistas (os chamados evangelistas sinóticos) a Ceia que Jesus celebrou na noite anterior à sua morte, foi a Ceia pascal (Mateus 26,17-31; Marcos 14,12-26; Lucas 22, 7-20).  Daqui procede o significado teológico da Ceia como Eucaristia (ação de graças) e memorial ( atualização da presença do Senhor).

ADENDO HISTÓRICO: Por que a Páscoa muda de data todo ano?
 A data da celebração da Páscoa varia de ano para ano porque, depois de muito desentendimento entre a Igreja Ocidental (latina, de Roma) e a Igreja Oriental (grega, de Constantinopla) quanto à data de sua celebração, o Concílio Ecumênico de Nicéia, no ano 325,  adotou como critério para celebrar a Páscoa a tradição bíblica e dos pastores nômades: celebrá-la sempre  na lua cheia da primavera. No caso da Igreja, a decisão foi a de celebrar a Páscoa no primeiro domingo  logo depois da primeira lua cheia  da primavera européia e que ocorre sempre entre os dias 21 de março e 26 de abril.  Por isso a Páscoa muda de data.

 Capítulos 12,40—18
Neste bloco vêm narradas a saída do Egito e a caminhada  do povo até o Sinai
12,40-51:  nesses versículos  estão a informação de que  o cativeiro no Egito durara 430 anos (vers. 40) e  a proibição de estrangeiros participarem da Páscoa (vers.  48-49). O estrangeiro não pode participar porque não é do povo e não está comprometido com a Aliança.
O versículo 40 informa que foram m430 anos o tempo da escravidão no Egito. OP livro de Gênesis ( 15,13) arredonda para 400 anos. O tempo exato não é sabido. Essas informações são aproximativas e um tanto artificiais.
13,1-16:  Vem relatado o costume de consagrarem-se os primogênitos a Deus. É um costume típico do Oriente Antigo, mas  que é relido por Israel: os primogênitos israelitas devem ser consagrados a Javé e jamais serem sacrificados a Deus , como eram sacrificados aos deuses os primogênitos dos povos pagãos. A Bíblia contesta tal costume e no famoso episódio de Abraão  e Isaac (Gênesis 22)  mostra que o Deus de Israel  é o Deus da vida e não da morte; por isso ele  defende a vida e jamais quer a morte. (Sobre o episódio do sacrifício de Isaac, cf. Strabeli  M.  Bíblia: perguntas que o povo faz,  SP: Paulus,  2010, p.46-47).
13,17-22: começa a marcha para a liberdade. Segundo o texto o caminho escolhido por Deus foi o mais longo para evitar que o povo se arrependesse e quisesse voltar (ver. 17) Evidentemente não foi Deus quem escolheu o caminho mas o próprio Moisés , que conhecia bem a região. [O itinerário do êxodo até hoje não é  conhecido exatamente. Pelos textos bíblicos  são possíveis três alternativas diferentes de itinerário. Os textos deixam possibilidade de ter havido mais de um êxodo. Daí os itinerários diferentes, englobados, pelo redator,   num único êxodo].
Nessa caminhada vem salientada a presença constante de Deus no meio de seu povo. Deus caminha  à frente de seu povo. (Essa presença é simbolizada no texto pela “coluna de nuvem ” durante o dia  e “coluna de fogo” durante a noite.
14,1-31: dificuldades na caminhada. Este capítulo é muito denso. Há narrações fundamentais: a do  êxodo como fuga (v.5), o protesto do povo que quer voltar prá trás  depois de já ter caminhado bom tempo (v.11-14) e a famosa passagem pelo meio do mar (v.21-22).
            O êxodo: fuga ou expulsão?
A  saída do povo não foi pacífica. Foi uma fuga, conforme o vers. 5: “ Quando comunicaram ao rei do Egito que o povo tinha fugido...”.  Não é preciso admitir e nem é històricamente comprovado que  todas as tribos, na sua totalidade,  tenham tomado parte no êxodo de Moisés; admite-se que alguns grupos de israelitas já  tinham deixado o Egito antes de Moisés. Os historiadores afirmam que houve dois tipos de êxodos: esse primeiro, que foi fuga , e um outro chamado êxodo-expulsão. O  êxodo-fuga foi feito por um grupo de famílias sob a orientação de Moisés no século XIII aC; o outro fôra feito antes, no século XIV, por  famílias da tribo de José. Talvez seja esse o êxodo-expulsão. Essa opinião é do historiador Albright (Cf  A . Van den Born,(org.) Dicionário Enciclopédico da Bíblia, Vozes, 1971, p. 531). Outros historiadores consideram o êxodo de Moisés como o êxodo-fuga e como êxodo expulsão o êxodo dos hicsos, expulsos do Egito. Nessa ocasião grupos israelitas  foram atingidos também, não tendo permanecido no Egito mais ninguém do povo hebreu. Assim propõe, por ex. o padre R. de Vaux. (cf.  H. Cazelles,  História política de Israel, EP, 1986, p. 88 nota 63).

            A passagem pelo Mar Vermelho
A passagem pelo Mar Vermelho não aconteceu como popularmente se entende, mesmo partindo do texto literal: o mar  que se abriu e os hebreus passando pelo meio, a pé enxuto, tendo uma coluna de água de cada lado. O texto é literário e teológico, tendo como base substratos de tradições religiosas, guerreiras, culturais, populares e ótica teológica. Todas essas tradições foram fundidas numa só narrativa. O milagre acontecido não foi o do povo passar pelo meio do mar aberto, mas sim a luta e a conquista da libertação operada por Deus, através da ação dos líderes Moisés e Aarão e do próprio povo que lutou.
O texto bíblico original nunca  fala de “Mar Vermelho”, mas de  “mar das tabôas” (em hebraico se diz  “yam-suf”). Mar Vermelho é uma tradição  muito antiga, de procedência etiópica. Por isso a tradução grega ( chamada LXX) traduz o nome hebraico do mar  (yam suf) como “mar eritreu”, ( em grego:   thálassa erythrá) por ser o mar que banha a costa da Eritréia, país vizinho da Etiópia; não traduz por “mar das tabôas”.  O nome popular “mar vermelho” procede da quantidade de algas e corais vermelhos  que existiam nas praias do mar eritreu
Essa informação precisa ser levada em conta  para   interpretarmos  corretamente o texto. Onde há taboas, junco, caniço, não há  profundidade. Os hebreus então não passaram por um lugar profundo, mas raso, e até fácil de atravessar. O vento forte que soprou durante toda a noite nas águas rasas do mar das taboas (Êxodo 14,21) fez essas águas recuarem., deixando o caminho aberto e mais fácil. Por isso o texto diz que  os hebreus atravessaram   o mar “a pé enxuto”.  A “divisão das águas” não pode ser entendida como é apresentada pelos filmes: separação em duas colunas, mas sim no sentido de as águas terem recuado. A expressão de Êxodo 14,21b-22:  “... o mar ficou seco e as águas se dividiram em duas. Os filhos de Israel entraram pelo mar a pé enxuto, e as águas formavam duas muralhas, à direita e à esquerda”,  é que tem trazido dúvidas e sugerido uma interpretação literal. Mas o autor não está afirmando a separação das águas, mas sim a passagem do povo pelo meio de muitos  inimigos, á esquerda e á direita,  na caminhada para a Terra prometida. Apesar do perigo o povo conseguiu chegar à Terra  prometida.   Os inimigos (egípcios e outros povos) é que formavam  as  “colunas de águas”  perigosas a que se refere o texto. Foi Javé, insiste o redator, quem conduziu seu povo à libertação, mesmo passando por tantos perigos ( simbolizados pelo mar e colunas de águas).  Esse foi o grande milagre!
Essa interpretação encontra apoio no Cântico de Moisés que vem logo a seguir (cap. 15). Nesse canto (que é um resumo do acontecimento), Moisés ( ou o  redator) não fala  da divisão das águas e nem da passagem dos israelitas pelo mar a pés enxutos. Deveria falar, pois é Moisés quem está celebrando a vitória. Mas fala exatamente de outro tipo de passagem feita pelo povo: a passagem pelo meio de inimigos: filisteus, edomitas, moabitas e cananeus. Os inimigos  (= colunas de águas ameaçadoras de um e outro lado)  tremem à frente de Israel por obra de Javé (Êxodo 15,12-13).
Concluindo esse trecho: a passagem pelo mar é fato histórico, aconteceu. Foi um dos passos fundamentais no processo da libertação. Tal passagem, que de fato foi perigosa, foi tomada também como símbolo dos perigos enfrentados pelo povo na caminhada para a Terra Prometida. O verdadeiro perigo eram os povos inimigos de Israel.. O redator usa as palavras “mar” e “águas” para  designá-los (uma vez que para o povo hebreu o mar  e as grandes águas são símbolos de perigo).  Passar por esse mar, pelos egípcios e pelos povos inimigos foi,  de fato,  passar entre dois muros de perigo: à direita e à esquerda!

            Capítulo 15,1-21:  Cântico de Moisés.

            Esse capítulo traz o hino da libertação. Celebra a ação de Javé que, como um guerreiro, vence os inimigos, as forças que ameaçavam seu povo. Como foi dito, esse Cântico traz a chave hermenêutica da passagem dos hebreus pelo mar. O Canto da vitória vence a covardia, a murmuração e o medo  provocados pela desinstalação e insegurança.

O povo lutou muito para sair do Egito, sofreu humilhação, trabalhos forçados, perseguições, falta de alimento. Mas venceu a resistência do faraó (pragas)  e pôde sair para celebrar a Páscoa e a vitória (Mar Vermelho). Mas ao encontrar a primeira e grande dificuldade, a barreira do Mar Vermelho o povo murmurou, contra Moisés o chefe (Ex 14,10-12 ; Ler o texto). Deus acorre na dificuldade: “Diga ao povo que avance” (14,15). O povo avançou, o mar de abriu,  eles passaram, escaparam do faraó e sentiram o alívio da liberdade, depois de 400 anos de escravidão. Deixaram para trás a força do faraó vencido. E explodiram num canto de comemoração (15,1-21)
Esse canto fala da história da passagem; foi composto bem depois do acontecimento e o autor junta nesse canto outros acontecimentos importantes da vida do povo: de épocas posteriores: fala do Templo, morada de Deus  (coisa que vai aparecer muitos séculos depois),  e fala dos muitos inimigos que fizeram um corredor (inimigos à direita e à esquerda) para agredir o povo ao passar por eles.  Esses acréscimos mostram que o Povo não celebrava um fato apenas do passado, mas  um estado permanente de êxodo. Por isso atualizam o êxodo cantando e acrescentando coisas de seu tempo.
Moisés teve que suportar a constante murmuração de um povo que ele queria libertar, mas que se recusava a enfrentar os desafios. Murmurar, reclamar, criticar, protestar, resmungar  era isso que o povo fazia ( 5,21; 6,9; 14,11-12; 15,24; 16,2;  17,2-3; Nm 11,4; 14,2; 20,2; Sl 106).  Reclamava e murmurava porque faltava água, porque faltava comida, porque estava cansado, porque fazia calor... Isso tudo mostra que é fácil começar uma caminhada.  Difícil é manter-se nela sem reclamar sem passar pela crise de querer voltar para trás, paras a situação antiga de cativeiro.
[Até hoje é assim na história de nossas Comunidades, a historia da Igreja e a história do Brasil. A história do Êxodo é um espelho do que acontece hoje entre nós. (Muita gente começa atuar na Igreja, numa Comunidade, numa Pastoral e logo desanima, pára e quer voltar à vidinha cristã anterior de devoções e sacramentos! Sem compromissos, cansaços).
O texto de 15, 24 : o povo  está cansado,tem sede, chega a uma fonte e tem a grande decepção: era água salobra. Murmura e faz exigência a Moisés: “O que é que a gente vai beber? Moisés pediu socorro a Deus que mandou que jogasse uma planta na água e ela ficou boa!
O texto quer dizer que na caminhada há muita coisa que azeda a vida; há reclamações que não acabam e há decepções e  exigências.
murmurar, reclamar, exigir, de nada adianta na vida de uma Comunidade, Igreja.. Há reclamações justas mas há  também reclamações e murmurações que só fazem mal e pioram a caminhada.
O que é preciso nessa hora de murmuração, desconfiança e desânimo?  O texto diz: colocar a Lei de Deus na água da vida. A Lei de Deus torna saudável todas as relações entre as pessoas.

 Capítulo 16: A segurança da partilha vence a murmuração provocada pela fome (o maná, as codornas)
             O tema é ainda a murmuração do povo. Em 16, 1-36 o povo murmura porque falta comida.  E reclama forte contra Moisés: “,Era melhor termos sido mortos pela mão de Javé no Egito, onde estávamos sentados junto à panela de carne, comendo pão com fartura. Vocês nos trouxeram para esse deserto para fazer toda essa multidão morrer de fome” (16,2-3).
 Deus promete dar o alimento, mas com a condição de o povo aprender a vencer a tentação de não acumular. É o ponto alto do capítulo: saber repartir, contentar-se com o necessário de cada dia; não esbanjar, saber ser sóbrio, deixar o supérfluo – que é a tentação de todos. Esse foi um teste de Deus, antes de o povo entrar na Terra prometida. Seria ele capaz de respeitar os direitos dos outros e não se deixar vencer pela cobiça de  querer tomar posse de tudo?  (LER: 16,4-5.9-20)
Nesse capítulo o autor lembra um elemento importante para a vida do povo que caminhava: a Providência de Deus provendo alimentos para todos os dias, duplicando a “produção”  no sábado, que é dia que marca a passagem de uma vida escrava no Egito para uma nova vida livre. Nesse dia a comida e o descanso são sinais da libertação e celebração do Dia do Senhor.
             O maná e as codornas.
            Na narração o maná é uma realidade e também uma figura simbólica. É uma realidade porque no deserto, segundo historiadores, o maná é um fenômeno comum e ainda hoje acontece. O Êxodo diz que o maná, chamado depois “pão do céu” (Jo 6,58) era uma espécie de semente branca com gosto de bolo de mel (16,31) e não como o pão que conhecemos. Era um líquido produzido pelas tamareiras através de um processo natural. À noite esse produto se cristaliza e cai no chão. Deve ser colhido antes do nascer do sol, senão derrete-se (Ex 16,21). Os hebreus ao verem esse produto perguntaram: “O que é isso?” – expressão que em hebraico se diz “mah-hu’” – daqui, maná. Os beduínos ainda o colhem hoje e dão-lhe o nome de man. Em Ex 16, 23 é dito que Moisés mandou o povo cozinhar o maná, e o livro dos Números diz que “o povo se espalhava para juntar o maná e o esmagava no moinho ou moía no pilão, depois o cozinhava numa panela e fazia bolos” (11,8). Por aqui se percebe que o maná era uma comida preparada com sementes colhidas no deserto. A descrição do que seria esse alimento, porém,  é  literariamente confusa. Ademais, o Êxodo diz que Javé mandou Moisés colocar uma vasilha com quatro  litros e meio de maná no altar do Tabernáculo!
Porém, o aspecto importante desse relato é o seu significado simbólico: Deus dava o alimento,  mas com uma condição: o povo devia vencer a tentação de acumular. Não acumular, mas saber partilhar, contentar-se com o necessário de cada dia. Tudo o mais é supérfluo (LER Ex. 16,22-30). O capítulo ensina, como lembrado acima, que tanto eles como nós hoje não podemos colocar nossa segurança no acumular coisas e bens, mas estar sempre abertos à partilha. Quando há partilha, há comida para todos; quando se acumula ou se esbanja com o supérfluo, se está roubando do pobre, do necessitado. A Lei de Deus manda ser fraterno, solidário e não egoísta e interesseiro, insaciável. O povo hebreu não passou no teste, a não ser depois de ser advertido por Moisés. [Quando há crise de alimentos o povo cai na tentação de acumular (e perder Ex. 16,20).  Basta reparar entre nós quando se anuncia a falta de um produto no mercado! Todo mundo corre para se abastecer, adquirindo muito mais do que necessita sem se interessar pelos outros, que precisam também. E muitas vezes perde grande parte do que acumulou. Nós passaríamos num teste semelhante em caso de carência de alimentos, comprando somente o necessário?

As codornas.
Conforme Êxodo 16,13, Deus atendeu a murmuração do povo  que agora pedia carne, mandando um bando de codornas sobre o acampamento.  Isso não é nenhum fato extraordinário naquelas regiões,.Todo ano na primavera e no verão o vento leva essas pesada aves migrantes para o Egito e península arábica; voam baixo e quando ficam cansadas é fácil apanhá-las. (Dic. Encicl. Vozes  col. 280).
Por isso a narrativa sobre o maná e as codornas é mais uma narrativa sobre a “Providência de Deus”. É Deus quem tudo provê; é ele quem alimenta o seu povo na saída do Egito e na travessia, com as coisas da natureza (tâmaras, sementes, codornas, ervas do deserto, oásis...) e com as coisas que já  traziam do Egito (LER 12,35-39).
    Jesus vai dizer mais tarde que o homem deve trabalhar e colocar sua confiança na Providência de Deus, porque ele dá  o alimento aos pássaros e veste os lírios do campo, faz nascer o sol e faz chover sobre justos e injustos (Mt 5,45). É  preciso , mesmo, procurar primeiro o reino de Deus e sua justiça (Mt,6,33)
Os primeiros cristãos souberam praticar esses ensinamentos: partilhar, dividir (Ler Atos 4,36-37). O casal Ananias e Safira enganou a comunidade, retendo  dinheiro e testemunhando partilha e  desprendimento. Quiseram enganar a Comunidade.  Quem engana a Comunidade, morre (apodrece) para a Comunidade (Atos 5,1-11).

            O Canto da vitória vence a covardia, a murmuração e o medo   provocados pela desinstalação e insegurança

 
              Capítulos 19-20 ( A Lei - Dez Mandamentos)
Dois capítulos muito importantes no livro. Eles centralizam, sintetizam,  todo o processo da libertação. É a proposta da parte de Deus de uma Aliança. Deus será o centro de toda a vida do povo;  vai protegê-lo sempre;  da parte do povo Deus exige  a observância da aliança.
O cap. 19 prepara a grande manifestação de Deus, - que se dará no capítulo seguinte.  Esse capítulo tem três elementos importantes: a promessa de Deus de uma aliança com o povo  de Israel (vers. 3-8); o pedido de Deus para que o povo se prepare para o encontro (vers. 9-15); e  a teofania  ou manifestação de deus (vers. 16-25). Chegou o momento mais alto e importante do processo de libertação: a aliança é feita para que o povo continue livre. Para tanto precisa viver com justiça e  direito
O capítulo vinte apresenta os Dez Mandamentos. Para o povo viver feliz deverá observar os mandamentos. Não são leis, mas princípios que orientam o modo de viver uma vida de justiça e liberdade. (Para maior esclarecimento desse tema, conferir o livro de Fr. Mauro Bíblia: perguntas que o povo faz, páginas 61-65.  Há certa aproximação entre os Dez Mandamentos e o Código de Hammurabi. [Hammurabi foi rei da Babilônia entre 1792-1750 aC.; pertencia à sexta dinastia. Foi um rei empreendedor e competente na política externa e verdadeiro pastor  e pai na condução de seu povo; construiu o templo, organizou o culto, defendeu a liberdade e o direito de todos os cidadãos,  implantou irrigação, desenvolveu o comércio exterior e combateu duramente a corrupção].

             Capítulos 21—40
             (Como já foi lembrado acima, os capítulos 20,22 a 23,33  trazem o chamado  Código da Aliança. Do cap. 24 ao 31 o livro não trata mais do êxodo; são acréscimos  posteriores, como são também acréscimos  também os capítulos  35-40. Os  capítulos 32-34 são, porém,  do êxodo).

O  livro do Êxodo termina propriamente  com o capítulo 20. Os capítulos que vêm depois, constituem inserções de vários autores que colocam  neles, leis  sociais, jurídicas, religiosas, costumes, normas e tradições da Comunidade e pertencentes a diversos períodos  da história de Israel. São capítulos anacrônicos (isto deslocados do tempo).  Há bastante legislação referente ao Templo. Fica claro que tais textos legislativos não pertenceram nunca ao relato básico original (que é  do século XIII aC, e o Templo é do tempo de Salomão (=  931 aC) 
A história da caminhada do povo  pelo deserto é retomada pelo livro dos Números.

          Aspectos teológicos do Êxodo
O livro  do Êxodo é dos mais densos do Antigo Testamento. É o livro que faz conhecer Deus através de sua ação na História e não através de conceitos e definições. O tema do Êxodo é uma verdadeira epopéia nacional. Todavia em nada o livro elogia o povo que viveu essa experiência de libertação ou o  elogia e exalta como um povo heróico, vencedor de um faraó prepotente e imbatível; um povo que venceu unido, com vigor e tenacidade. Os demais povos antigos, sim. Faziam de suas conquistas guerreiras motivo de vanglória e ufanismo, idolatrando seus chefes e o poder da nação, calando, porém, suas derrotas e fracassos. No livro do Êxodo se dá o contrário: são sublinhadas as culpas dos chefes e dos dirigentes, inclusive  Moisés (24,14); vem lembrado que o povo é um  povo rebelde, insatisfeito e ingrato (16,2ss); há murmuração contra os chefes, contra tudo; até o próprio líder da libertação é castigado por sua desconfiança de Deus (Deuteronômio 32,51).
Daqui se pode perceber que a intenção do livro é outra:  quer sublinhar a força poderosa de Javé que age sempre na História através de sinais e de pessoas. A História é para o povo hebreu uma eloqüente proclamação da ação de Javé que liberta. Para o povo de Israel todo acontecimento é Palavra de Deus. A Palavra de Deus não é estática  mas é dinâmica, produz efeito (Isaías 55,10-11). Desse modo todo evento é, para o israelita,  a encarnação da Palavra de Deus. Como a História é feita pelos eventos, acontecimentos, segue-se que todo evento é salvífico: Deus salva o homem na História. Nessa perspectiva pode-se também entender porque o Novo Testamento diz que Jesus é a máxima Palavra: ele é a máxima revelação de Deus.
            Com o êxodo Deus irrompe na história de Israel e revela-se com O Poderoso. Testemunhas disso são as pragas, a vitória no Mar Vermelho, a caminhada pelo deserto, a vitória sobre os inimigos e a conquista da Terra prometida. O Êxodo resume toda a interpretação da História, conforme ma concepção hebraica;  uma interpretação que tem no centro a idéia de um “Deus que é vida e que age e que liberta”. Esse fio condutor, dado pelo Êxodo,, é desenvolvido por outros escritos do Antigo Testamento, como por exemplo os Salmos (salmo 78,12-55), o livro de Judite (Judite 5). O ponto de chegada dessa história sagrada (feita de palavras e eventos) é a libertação, designada como “posse de uma terra”.
 O Êxodo mostra que essa libertação é construída na História em  plano histórico, político e religioso. Histórico :  o êxodo aconteceu na  História, pode ser comprovado. Político: a luta pela saída-libertação  foi interpretada como passagem da escravidão para a liberdade; foi uma dura luta política, comunitária. Religioso: esse acontecimento se deu pela ação  de Deus, de Javé todo Poderoso e Senhor da História. “De um acontecimento histórico comprovável (= uma migração) que se eleva á categoria política ( a libertação), chega-se a  um nível mais alto: sua significação religiosa (= a salvação) por Deus” (L. Llopis, “O anúncio da libertação na Liturgia”, em CONCILIUM, 1974, n.º 1, p. 211). Não são níveis justapostos mas um e mesmo acontecimento com três componentes importantes.
À luz desse conteúdo ou desse tema de libertação é que Israel relê toda a sua História e revê seu compromisso de fé. Desse modo o Gênesis só foi escrito a partir da experiência do êxodo: o Deus forte e libertador do seu povo é também o Criador de tudo, é o onipotente. Nessa luz Israel lê ainda  o seu futuro como o faz Isaías; um futuro que sem dúvida deve ser otimista, pois se Deus fez, fará;  se salvou, continuará a salvar. O êxodo é para Israel a chave do futuro. Os temas do livro: opressão, escravidão, libertação, deserto, conquista, terra, estarão presentes nas mensagens dos profetas de ontem e de hoje.
            O êxodo está no centro do Antigo Testamento porque o seu tema é o acontecimento decisivo para a fé de Israel. O sentido do êxodo é sempre novo hermenêuticamente: é sempre palavra provocadora e anúncio de libertação. O livro como tal, como relato hermenêutico, é apenas a ponta do iceberg: há nele todo um substrato histórico e experimental de libertação do povo  de Israel e de todos os povos.  Por isso o livro do Êxodo é base da Teologia da Libertação no Novo Testamento

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            IV - O LIVRO DO LEVÍTICO
  
1. Nome
Levítico é o nome dado ao livro pelos tradutores gregos da Bíblia hebraica, chamados LXX.  A tradução foi feita por volta do ano 250 aC.  O   nome vem de Levi, terceiro filho de Jacó e Lia  (veja Gênesis 29, 34; 35, 22-26).  Segundo a tradição hebraica,  Levi e sua tribo não receberam  terra por ocasião da instalação das tribos na Terra prometida, porque essa tribo foi considerada tribo sacerdotal e a ela foram confiados o  culto e tudo o que a ele se referisse.  A tribo não poderia ter herança material, porque a herança dela era o Senhor : “Essa tribo não terá parte na herança de seus irmãos. Javé é a herança dela, conforme ele próprio lhe falou”. (Deuteronômio 18,1-2). O nome “Levítico” indica, então, o conteúdo do livro que é essencialmente cúltico, litúrgico, ritual. 
Em  hebraico o nome desse livro é   wayyiqra,  que significa “E ele (Javé)   chamou”,  pois essas são as primeiras palavras com que o livro começa. Conforme a tradição, os livros da Torá (ou Pentateuco) são designados pelas primeiras palavras com que começam.
2-        Conteúdo geral do livro
O Levítico trata essencialmente do culto e de temas a ele ligados, como  sacrifícios, sacerdócio, leis religiosas sobre o culto, pureza e impureza legais,  lei da santidade      É um escrito eminentemente  sacerdotal  (P),  redigido no pós-exílio,  bem depois ,  portanto,  dos fatos narrados. O texto atual foi construído a partir de um escrito fundamental  primitivo.  Algumas coisas a mais foram acrescentadas na redação final, como por ex. a Lei da Santidade (17-26), que apareceu pouco antes do exílio e que reflete sem dúvida usos e costumes do Templo de Jerusalém.
Há  também no livro um quadro fictício de revelações de Deus feitas a Moisés, a quem o livro é atribuído (pseudografia).  Através dessa revelações, Deus manifesta - segundo os autores -  a sua vontade em relação ao culto.  O conteúdo genérico do livro reflete mais a vida religiosa e cúltica do povo já na Terra prometida, povo já assentado, do que  a vida de  peregrinação pelo deserto (êxodo).

3. Síntese do conteúdo narrativo
Lv 1—7. O  ritual dos sacrifícios
A revelação sobre os sacrifícios é feita na Tenda da reunião, diz o texto. E é Deus quem tudo determina por meio de Moisés.   Nesse primeiro bloco (1 - 7)  vem narrado o ritual dos sacrifícios. Há três tipos de sacrifícios, cada um deles descrito num capítulo: holocausto (cap. 1), oblação (cap. 2) e sacrifício pacífico (cap. 3). De modo geral todos esses  sacrifícios têm um mesmo nome em hebraico: qorban , que significa oferta (Levítico 1,2;  27,11 etc). Todos eles são, de fato, uma oferta a Deus. Mas o Levítico enumera especificamente  três:
Cap. 1.  O holocausto
Em hebraico é chamado  olah ( que significa subir);  daqui foi para o grego holocaustós (que significa queimar inteiramente).  Holocausto vem a ser então  um sacrifício cruento (com sangue), no qual as vítimas  são queimadas inteiramente  como oferta que sobe para Javé.  As vítimas eram sempre animais machos, sem defeito  algum; geralmente cordeiros. Os pobres podiam oferecer pequenas aves, como pombos. O holocausto era sempre apresentado com uma oblação ( Números 15,1-16; Levítico 7, 11-14).  Tinha sempre  um valor de expiação de culpas, de pecados e também era sacrifício de ação de graças.  Todo dia,  cedo e à tardinha era oferecido no Templo um holocausto a Deus, em nome de toda a Comunidade.  Era o chamado em hebraico tamid, ou  seja, o sacrifício ou holocausto perpétuo. Podia ser oferecido também em particular como por ex. pela cura de uma lepra (14,10-31), pela mulher que deu à luz ( 12,6-8) etc.
Cap. 2.  A oblação
Em hebraico é chamado  minhah (que significa tributo, dom).  A oblação é um sacrifício incruento (isto é, sem derramamento de sangue). Consistia na oferta de  vegetais (trigo, azeite, farinha, bolos sem fermento etc.).  Coisa própria das culturas agrárias. Esse tipo de sacrifício é narrado aqui no capítulo 2.  Como foi dito, era oferecido normalmente junto com o holocausto (Juizes 13,19 e 23;  1Reis 16,13-15; Isaías 43,23 etc).  Uma parte da oferta (como também do sacrifício) era queimada e dedicada a Deus e outra parte era destinada aos sacerdotes e famílias!
                                        
Cap. 3.  O sacrifício pacífico
Em hebraico  é chamado zebah shelamim (que significa imolações  pacíficas).  Consistia na oferta  de vítimas não como expiação de pecados mas como sinal das boas relações  entre Deus e o homem. O rito vem descrito nesse capítulo 3.  E há muitas referências bíblicas  a esse respeito (1Samuel 11,15; 2Samuel 6,17-18; 1Reis 3,15 etc).   No sacrifício pacífico, ou de comunhão, a gordura e o sangue do animal  eram oferecidos a Deus (pois significavam a vida,  conforme a tradição  nômade).  A carne era dada às famílias dos sacerdotes e ao povo;  esse sacrifício sempre terminava com uma refeição sagrada, sinal da amizade entre Deus e os homens.
Os pobres tinham dificuldades para oferecerem os sacrifícios ou holocaustos  exigidos pela Lei.  Por isso o Levítico substitui  a oferta de animais por pequenas aves (pois  podiam ser caçadas facilmente ou compradas no Templo). Foi esse sacrifício que Maria e José ofereceram  por ocasião do rito de purificação a que Nossa Senhora se sujeitou  (Levítico 5,7 e 12,8  +  Lucas 2,22-24).

 ADENDO:  O simbolismo dos sacrifícios
Há muita coisa escrita a respeito do simbolismo e do significado dos sacrifícios nas religiões.  De maneira geral em todas as religiões os sacrifícios têm essas características: 
1        - é um dom  da  pessoa humana oferecido à divindade em que  crê;
2        - é homenagem de um súdito a alguém que lhe é superior;
3        - é  expiação (paga)  por faltas cometidas  contra a divindade;
4        - é sinal de comunhão com a divindade, simbolizada pelo   banquete sacrifical; e finalmente
5         -  é  o meio pelo qual  a pessoa recebe mais vida da divindade.  Conforme a crença antiga, a vida subtraída à vítima é  devolvida, em seguida, às pessoas que participam do sacrifício).
Elemento simbólico, comum em todos os sacrifícios, é o sangue. O sangue  é derramado sobre o altar ou na base  e muitas vezes é também aspergido sobre o povo. No Antigo testamento o sangue significava a vida em si mesma. Era a vida.  Por isso era proibido ao hebreu  nutrir-se  com sangue (comer sangue), pois esse, como vida, pertencia a Deus (Gênesis 9,4; Levítico. 17,10ss). [  A Igreja primitiva seguiu de início esse princípio, para evitar desentendimentos com os judeus convertidos  (Atos 15,20)].
Tirar a vida significava derramar o sangue. Nos sacrifícios cultuais o sangue significava a vida oferecida a Deus, como se disse. O altar representava Deus; de modo que o sangue derramado sobre o altar e aspergido sobre o povo significava a comum participação de vida entre Deus e os homens.

Cap. 4 e 5:  Motivos para os sacrifícios
Esses dois capítulos  falam de outros motivos pelos quais se devem oferecer sacrifícios:  pelos “pecados” cometidos mesmo sem querer, sem consciência de ter feito o mal!  Há normas para os sacrifícios feitos em favor do sumo sacerdote e da comunidade, bem como em favor de pessoas comuns e por casos  especiais (cap. 5).  [ Oferecer sacrifício  por “pecados” cometidos sem querer se constituía uma forma “sagrada”  de dominar o povo e tirar-lhe dinheiro!  O Templo era também o “Banco central” daquele povo. A religião era usada como veículo de  manipulação e exploração. O povo simples sempre teve medo do sagrado].
Cap. 6 e 7:   Normas especiais para os sacerdotes, a respeito dos rituais dos sacrifícios. Conforme o texto, tais normas são dadas diretamente por Deus!

            Cap. 6 e 7.   Apenas normas especiais para os sacerdotes, a respeito dos rituais dos sacrifícios. Conforme o texto sacerdotal tais normas eram dadas pelo próprio Deus!
Cap.   8—10 :  ritual de consagração e investidura de sacerdotes
Nesse bloco vêm narrados o modo e o ritual dessas investiduras.  Elas são celebradas diante da comunidade, à entrada da Tenda da reunião.  Havia, primeiramente,  a purificação dos sacerdotes com água;  a seguir era feita a investidura, que consistia em revestir o sacerdote com a túnica sacerdotal, a faixa, o peitoral, a entrega dos Urim e Tumim, do manto, do  éfod e do turbante. Depois disso era feita a unção do sacerdote com o óleo da consagração  bem como a aspersão sobre o sacerdote ou sacerdotes, com  óleo e parte do sangue das vítimas oferecidas em sacrifício. E os consagrados deviam permanecer em retiro na Tenda da reunião  por  sete dias.
Entre as vestes sacerdotais chamam a atenção o éfod e os Urim e Tumim.
O  éfod  era uma veste sacerdotal, litúrgica e ritual;   uma espécie de avental  que o sacerdote usava;  tinha uma tira  que passava pelo pescoço e duas outras que amarravam o avental às costas. Tinha ainda um bolso no qual eram colocados os Urim e   Tumim; era uma peça ricamente trabalhada com bordados a ouro, púrpura, violeta e escarlate, e rematada com 12 pedras preciosas.                           
Os Urim e Tumim:  não se sabe a origem etimológica dessas palavras e nem sua origem histórica. Parecem ser  reminiscência  (lembrança, memória) de um costume cananeu  parecido. O profeta Oséias fala disso (4,12).  O que se sabe é que  esses urim e tumim eram pedaços de madeira como os nossos “dados” e eram usados também para  “tirar a sorte”.  Como o sacerdote era a pessoa qualificada que devia responder ao povo em nome de Deus  todas as perguntas que lhe fossem feitas, ele usava esses urim e tumim para “conhecer” a vontade de Deus. Ele jogava os dados (ou os  urim e tumim) e arbitrariamente interpretava: se  desse  “urim” ele dizia isso, e se desse “tumim” ele dizia aquilo....  Há um exemplo  muito significativo na Bíblia e está no 1.º Samuel:  “Então Saul  consultou a Javé, Deus de Israel: “Por que não respondes hoje a teu servo?  Javé,  Deus de Israel,  se eu e meu filho Jônatas somos culpados que saia Urim. Se a alta foi cometida pela tropa de Israel, que saia Tumim”(1Sm 14, 41). Lançados  os dados deu Urim = azar, para Saul e Jônatas!  Os tradutores gregos da Bíblia hebraica  traduziram essas palavras como “dar azar”= urim  e consagrar, salvar =tumim -  tentando  seguir a tradição.
Em Levítico 10 vem narrado o castigo infligido por Deus a dois homens de certa liderança  no meio do povo, chamados Nadab e Abiú, filhos de Aarão.  Eles não cumpriram com exatidão as normas litúrgicas e por isso foram queimados por Deus!  [Esse episódio é colocado aqui como uma “base teológica” para que se possa em seguida dar as leis da santidade aos sacerdotes (10, 8 - 11;  21, 1  -15;  22, 1 - 9.   Dizem  os comentaristas que esse fato certamente não aconteceu historicamente ;  a   narração seria uma lenda popular do tipo:  “ouvimos dizer que...” . O texto é muito confuso e de difícil compreensão].
Cap.  11-- 15:  leis sobre  pureza e impureza  legais
Esse bloco apresenta um conjunto de regras, leis e disciplinas sobre a vida e a conduta pessoal,  familiar e social  em relação à religião e ao culto.  Vista superficialmente, essa legislação parece ser expressão de extremado zelo religioso e de grande preocupação pela fiel observância da Aliança.  Mas isso não é bem verdade.  Porque todo esse aparente empenho pela observância da lei tem como verdadeira motivação o interesse econômico de uma minoria privilegiada que servia aos dominadores persas e lucrava com isso.

 Fundamentação histórica das leis sobre  pureza e impureza
Os   hebreus foram libertados do cativeiro em 539 pelo rei Ciro, da Pérsia (Veja: Esdras 1).  Voltaram para sua  pátria com intenção de reconstruir e reorganizar a nação. Os persas porém, exigiram que os judeus libertados lhes pagassem impostos e taxas; essas taxas e impostos eram recolhidos por um grupo judeu ,  que era  simpatizante  e ligado aos persas.  Tal grupo era formado por algumas famílias ricas e pelos  altos sacerdotes,  e sempre procurou obter o dinheiro sobre-taxando o povo, principalmente os pobres e agricultores.  Primeiramente o povo foi obrigado a  entregar a produção agrícola (vendê-la  a  baixo preço); depois, vender as propriedades e até a família (Neemias 5,1-5).  Esses bens (e pessoas) eram depois repassados aos persas a preços bem altos, com lucro para ambos os lados, pois foram comprados bem barato.  E até surgiu nesse tempo uma corrente teológica que procurou apoiar e justificar essas medidas ensinando que o povo deveria ter paciência e aceitar tudo como vontade de Deus. Essa é a teologia, chamada da retribuição, que aparece no livro de Jó.  Todavia ela encontra opositores, como por exemplo, o Terceiro Isaías,  ou Isaías pós-exílico (Isaías 59,3 - 9).
Dentro do esquema construído para arrecadar mais (o Templo estava sendo reconstruído e muitos impostos deviam ser pagos aos persas), os sacerdotes e o pessoal ligado ao Templo criaram as leis sobre pureza e impureza legais.  Conforme tais leis, todo judeu, para participar da vida religiosa (o que era uma obrigação para todos)  deveria  estar sempre puro. Se estivesse impura, deveria imediatamente purificar-se. E  purificava-se mediante determinadas cerimônias e ritos.  E eram os sacerdotes  que estabeleciam o que era puro ou impuro, bem como o modo e condições de as pessoas se purificarem! Em todo rito de  purificação havia a obrigação de fazer-se ofertas a Deus. (Aqui é que morava o perigo, pois as ofertas eram compradas só no Templo!)    Fazendo os sacerdotes a classificação do que era puro ou impuro eles deslocaram a linha   divisória  moral  do sentido de pecado. Pecado  já não era mais uma transgressão à Aliança, à Lei de Deus;  pecado, agora, era ser impuro.  E os sacerdotes cercaram as pessoas com tamanho leque de possíveis impurezas  que era difícil para uma pessoa passar um dia sem se manchar e muito!  A  lista da impurezas legais atingia, direta ou indiretamente, tudo.   Atingia a pessoa, as  profissões, a família, a casa, a vida comunitária, a vida social, o relacionamento  com o mundo, com tudo,  enfim!  Era difícil escapar desse círculo.  Para purificar-se,  a pessoa devia  submeter-se a determinados ritos  religiosos  que incluíam  sacrifícios de expiação  com  ofertas de animais ou de produtos agrícolas  para o Templo.  E todos esse produtos deviam ser comprados ao Templo.  De todo “sacrifício expiatório” bem como dos produtos agrícolas era retirada a parte dos sacerdotes e de suas famílias,.  Desse modo o pessoal do Templo  tinha  sua vida garantida: além do dinheiro que arrecadavam, tinham ainda parte nas ofertas dos “sacrifícios”. Enquanto isso o povo passava fome, conforme lemos em Neemias (5,1-5).  E por ser intermediário do rei da Pérsia o grupo sacerdotal ficava isento de impostos e taxas (Esdras 7, 24 )!  [cf. O grito de Jó,  Paulus, 1996, p. 23 - 25).  É  nesse contexto que nasce a ideologia da pureza e impureza legais  que lemos nesses capítulos.
Cap. 11:  sobre animais puros e impuros
Esse capítulo trata de animais puros e impuros, segundo a Lei, isto é , que podiam ou  não podiam ser usados como alimento.  A classificação tem certa base nas concepções de higiene  e de hábitos alimentares  dos povos antigos.  De acordo com a classificação aqui apresentada são considerados animais puros, isto é, cuja carne podia ser usada como alimento,  aqueles que têm o casco fendido e ruminam ( vaca, carneiro, cabrito...)  Os que tiverem apenas uma dessas características são considerados impuros ( camelo, porco, coelho...)   E há todo um labirinto de prescrições para se saber qual animal , ave ou peixe é ou não impuro.  
Além desse labirinto de prescrições alimentares,  o texto proíbe  tocar no cadáver de animais sob pena de  tornar impura a pessoa; quem enterra um animal morto fica também impuro! Todos os utensílios que tiveram contato com o animal morto  também  ficam  impuros e devem ser destruídos.  [Notar:  os animais puros: vaca, novilhos, carneiro, cabritos, as pombas, as rolas etc. eram  vendidos no Templo, que ainda vendia  uma grande variedade de objetos,  bem como era a Casa de câmbio (Banco,  lugar de negócios e câmbio  etc.  Por isso Jesus  derrubou as mesas dos cambistas, soltou animais, bateu em vendedores e os chamou de ladrões... (Mc 11,15)].
Cap. 12.  Impurezas da pessoa
Quando uma mulher dá à luz ,  ela se torna impura segundo a Lei. Se der à luz um menino, fica impura por quarenta dias; se for menina, por oitenta. Durante  esse tempo ela não pode ter nenhum contato com o sagrado (lugares, objetos, símbolos...)  Para “purificar-se” e  poder assim voltar ao convívio da comunidade ela deve oferecer um sacrifício a Deus:  um cordeiro e uma pomba.  Se for pobre,  pode oferecer duas rolas ou dois pombinhos  (como fez Nossa Senhora) .  Tudo isso era comprado no Templo.
Cap. 13.  Impurezas da pele e mofo
Qualquer anormalidade  na pele (tumor, espinha, manchas, coceiras, sarna...)  é  considerada coisa suspeita.  Pode ser sinal de lepra!  E tais sintomas já tornam a pessoa impura.  Também as roupas manchadas ou mofadas  são impuras; não podem ser mais usadas e devem ser destruídas. Era o sacerdote quem decidia se a pessoa era ou não impura e se era preciso ou não queimar as roupas  e outros objetos. Logicamente era preciso repor depois os objetos ou roupas destruídos.  O Templo  oferecia condições de compras..
Cap. 14.  Purificação de leprosos e mofo das casas
Há toda uma intrincada cerimônia para a purificação de um leproso, a fim de que ele possa voltar a participar da vida social  e religiosa.  No final do rito ele deve oferecer vítimas e oblações  (o que sempre implicava em gastos). O texto fala ainda do mofo das casas - também conhecido como  “lepra das casas”  (= infiltrações,  lepra de parede, descascamento de pintura etc.).  Uma casa em tais condições era considerada “impura”  e podia ser destruída!  (vers. 45).  Mas se o mofo ou lepra, fossem  controlados, a pessoa devia oferecer sacrifícios pelo  “pecado” da casa  (vers. 49)!
Cap.  15.  Impurezas  sexuais
Tudo o que é normal e natural no campo sexual é praticamente considerado impuro pela lei da pureza legal.   Desse modo, as relações sexuais,  a menstruação e a própria maternidade  constituem impurezas.  Doenças venéreas, mais ainda.  Para  “purificarem-se”,  as pessoas deviam  também oferecer sacrifícios  (vers. 14).  A base de tudo isso parece ser a concepção misteriosa da sexualidade que o povo de Israel tinha, a qual, segundo as crenças comuns,  era influenciada muito por forças ocultas.
Capítulo 16. Esse capítulo trata de uma das grandes celebrações religiosas do povo judeu,  que é  o Dia do grande Perdão.  Como celebração,  incorpora elementos penitenciais da tradição judaica e elementos mais novos  também. É  um momento  forte e penitencial da liturgia e da vida religiosa hebraicas.  É chamado em hebraico Yom  kippûr  (= Dia da Expiação).  Esse dia penitencial é celebrado no dia 10 do mês de Tishri  (= setembro-outubro).   Os elementos fundamentais para a celebração são dados  pelo Levítico  ( 23, 27- 32). Essa celebração é chamada “O dia” pelos judeus, e é muito respeitada.  É um dia de reconhecimento dos  próprios pecados, dia de autocrítica, de autoavaliação, de propostas de mudança de vida, de arrependimento e de penitência!  Seria uma versão do sacramento cristão da reconciliação  (ou o contrário também: o sacramento cristão  teria sua inspiração nessa celebração hebraica).  O povo judeu recebeu essa celebração das tradições  religiosas pagãs de países vizinhos.   Essas religiões ensinavam a necessidade de se ofertar aos deuses sacrifícios de animais e  penitencias  pessoais para sensibilizá-los e desagravá-los pelos pecados  e outros males cometidos pelos indivíduos e pela comunidade. E ás vezes eram oferecidos até sacrifícios humanos!  O povo de Israel incorpora tais ritos mas os purifica de seus exageros, de modo especial excluindo os sacrifícios  humanos,  substituindo-os pelo sacrifício de animais. No celebração do “grande perdão” (yom-kippûr) o animal escolhido era o bode, chamado depois “bode expiatório”  (Lev. 16,5).  Sobre  ele eram colocados os pecados confessados pelo povo. O bode era então levado para o deserto e lá abandonado. Muitas vezes era atirado num  precipício. Com a morte do bode acreditava o povo que seus pecados tinham sido perdoados, remidos. Todo  o ritual penitencial vem descrito nesse capítulo e também no capítulo 23,26-32).
            Lv  17—26 : a lei da santidade
Esses capítulos constituem o bloco que se costumou chamar de  “Lei da santidade” ,  ou  “Código da santidade”. Juntamente com os dois Decálogos (Êxodo 20 e Deuteronômio 5) ,  o Código da Aliança (Êxodo 21-24)  mais o deuteronômico (Deuteronômio 12 - 26), tal código de leis é considerado um documento muito antigo e um dos mais  importantes códigos legislativos de Israel.   Tal lei da santidade insiste na distinção entre o sagrado e o profano,  sublinha a necessidade da observância das leis morais e do culto para que o povo e os sacerdotes possam participar da santidade divina.  O centro da   “lei da santidade”  está em 19,2:   “Sejam santos, porque eu, Javé, o Deus de vocês, sou santo”
Geralmente esse código da “lei da santidade” é dividido  em cindo partes:
1.    prescrições a respeito do sacrifício de animais   (17, 1 - 16)
2.    algumas prescrições morais  (18, 1--- 20, 27)
3.    prescrições sobre a vida de santidade pessoal dos sacerdotes (21,1---22,23)
4.    normas sobre as festas anuais e festas ocasionais (23, 1---25,55) e
5.    conclusão (26, 1 - 46).
[ Em 19,18  está uma norma que Jesus retomou  literalmente  no Novo Testamento: “Amarás o próximo como a ti mesmo”].
Em resumo, essas cinco partes tratam:
1a.  Sobre o sacrifício dos animais (17, 1-16).  Conforme o costume semítico o abate de um animal para o sacrifício reveste-se de um caráter sacral. As prescrições estão  nos versículos 1-9.
2a.  Prescrições morais (18,1---20,27). Normas sobre o comportamento sexual,       uma vez que os povos vizinhos  praticavam uma religião permissivista que tentava o povo de Israel. Era a tentação constante, a “ serpente”. Os costumes dos povos vizinhos eram complacentes com a luxúria, a idolatria, a dissolução.  Em contraste com tais costumes e usos o Levítico repete sempre o refrão: “Sejam santos porque eu, o Deus de vocês, sou santo”.  Essa expressão é que vai caracterizar todo o conjunto dando-lhe o nome de “lei da santidade”
  .3a. A santidade sacerdotal ( 21,1--22,23).  Os sacerdotes devem manter distância de todo tipo de impureza (legal, ritual, física). Os sacerdotes não podem ter defeitos físicos! A lei proíbe que os sacerdotes rapem a barba  ou cortem os cabelos.  Os sacerdotes  não podem casar-se com ex-prostitutas,  nem com viúvas, nem com divorciadas. As famílias dos sacerdotes devem ser modelo de vida e de santidade.  O Sumo pontífice tem outras obrigações e direitos:  não pode casar-se a não ser com mulher virgem; não pode sair do Templo etc.
4a.  Normas sobre festas religiosas anuais e ocasionais  (23, 1 --- 25,55). As solenidades festivas são lembradas aqui e também em Êxodo 23, 14 ss; 34, 18-23; Deuteronômio 16 e Números  28. Três festas são básicas no calendário religioso do povo de Israel: a Páscoa ( em hebraico Pesah) com os Ázimos na primavera;  a festa das  Semanas (em hebraico Shavuôt)  no verão  e a festa das  Tendas (em hebraico Sucôt), no outono.  Todas essas festas não são originariamente israelitas, mas festas  recebidas e incorporadas de outros  povos.

A Festa das Semanas   (Lev. 23, 15-22)
Chamada  em hebraico Shavuôt.  É também conhecida na Bíblia como festa da  Colheita (Êxodo 23,16),  festa das primícias  (Êxodo 34,22).  ‘E chamada  “Festa das Semanas” (Deuteronômio 16,10)  porque era celebrada sete semanas  depois da festa da Páscoa.  Mais tarde  foi chamada pelos judeus-gregos  festa de Pentecostes, porque era celebrada cinquenta dias depois da oferta das primícias da lavoura (Levítico  23, 9-14)  Era uma celebração muito antiga, anterior mesmo ao êxodo. Os rabinos, no século II, a tornaram festa religiosa, coisa que não era originalmente.  Deram-lhe então outro significado:  era a festa da entrega da Lei por   Deus ao seu povo no deserto.  Por isso  era uma festa de peregrinação. Todo o povo ia ao Templo levando  frutas e cereais. Depois da destruição do Templo, a festa passou a ser realizada nas sinagogas.  Hoje é celebrada nos kibutzim (= agrovilas ,em Israel),  por ser uma festa de cunho agrícola.
Na celebração religiosa é lido  o livro de Rute, cuja história narrada acontece na roça, em tempo de colheita. Nesse dia a Comunidade judaica faz a cerimônia  religiosa chamada  Bar miswah  pela  qual os jovens , completados os  13 anos,  fazem sua profissão de fé judaica e  são declarados adultos em relação á  Lei. Por isso a cerimônia tem o nome de bar-miswah que significa “filho da lei”, “filho do compromisso”.  Nessa celebração o pai do garoto coloca a mão sobre sua cabeça e pronuncia uma bênção pela qual agradece  a Deus de livrá-lo, a partir de agora, das responsabilidades legais e religiosas pelas ações do filho. O jovem, a partir também desse momento é declarado maior perante a Lei, passa a pertencer  definitivamente á Comunidade israelita. No dia de seu bar-miswah o garoto lê pela primeira vez em público a Torá (a Lei).
Como se pode perceber, essa festa é relida no Cristianismo como Pentecostes, isto é: cinqüenta dias depois da oferta da Primícia (Jesus Cristo), o Espírito Santo vem à Igreja para dar-lhe os frutos da Nova Lei, que são os dons do Espírito Santo, a graça,  o amor.  E a cerimônia do bar-miswah tem grande semelhança  com o sacramento  cristão do Crisma.  Tradicionalmente o bar-miswah é feito só com garotos, de acordo com a tradição dos hebreus ortodoxos. Mas hoje em dia, fora do judaísmo ortodoxo, também as garotas de 13 anos participam  do rito, chamado de bat-miswah (filha do compromisso, filha da lei).

 A Festa das Tendas ( Levítico  23, 33-43)
Chamada em hebraico Sucôt. É também conhecida como festa das Cabanas  e ainda festa das Colheitas (Êxodo, 23,16; 34,22). No Novo Testamento é conhecida como Festa dos Tabernáculos (João 7,2 e 8,12).  Era uma festa agrícola também. Era celebrada dentro da festa de Shavuot (colheitas). Para celebrá-la  os judeus faziam cabanas  de  sapé  e galhos nos campos .  Mais tarde essas festas foram separadas.  O fato de celebrá-la em cabanas no mato era para lembrar a fragilidade da vida humana e lembrar a experiência  do êxodo.  Por isso nessa festa é lido o livro do Eclesiastes, pois nele  há reflexões sobre a fragilidade e a transitoriedade das coisas terrenas.  Era uma festa muito concorrida e de peregrinação, porque lembrava a libertação do povo. O povo vive no Hoje a experiência do êxodo de Ontem.
Na celebração dá-se destaque  à Torá, à Lei,  pois  é ela que marca a vida  toda do judeu. É feita uma solene procissão da Bíblia, chamada “Procissão do Estojo da Lei”, da qual somente  os homens participam.  Essa  procissão é coisa mais nova que foi incorporada á Festa. É chamada em hebraico  Simhat Torah, que significa ä alegria da Lei”.  Nos tempos de Jesus a festa das Tendas era celebrada á noite á luz de tochas no Templo. Parece que é esse acontecimento que se  refere São João  quando escreve que é Jesus  agora a “luz do mundo”(8,12) ;  também  é à mesma festa que João alude  quando diz que Jesus é o novo legislador e que sua lei (doutrina) não vem dos homens mas de Deus (7,14-17).
  A Festa da Páscoa   (Levítico  23, 5 - 8)
A Páscoa ( em hebraico pesah)  é  a grande festa judaica de libertação. É celebrada no dia 14 de nisan (= março-abril);  no dia 15 começava a festa dos Ázimos (chamada em hebraico  massot)  e que durava sete dias nos quais não se comia pão fermentado mas somente pão ázimo,  isto é, sem fermento.  As duas festas vinham sempre unidas.  A festa da Páscoa não é uma celebração genuinamente judaica.  Certos indícios de sua celebração deixam entender que ela era uma festa de origem imemorial, como por exemplo, ser ela uma festa de  primavera  - tão comum  aos  povos  antigos, na sua totalidade   povos nômades e pastores;  festa de família, sem sacerdotes  oficiais;  festa onde são imolados cordeiros de um ano  - coisa essencialmente pastoril.  Além disso há os ritos de sangue muito ligados à oferta dos primogênitos dos animais . A Páscoa hebraica tem todas essas características das  celebrações pastoris nômades às quais podem ser acrescentadas outras, como:  a celebração deve ser feita no crepúsculo (Êxodo 29,39),  que é o momento em que  os nômades páram a caminhada e montam as tendas para descansar;  a refeição que  deve ser consumida naquela noite - pois no dia seguinte os nômades   retomam a caminhada;  não há vasilhame e a carne é assada de modo rudimentar -  próprio  de pessoas que não têm parada;  o pão é sem fermento - pois não há tempo para esperar levedar; as ervas são amargas, isto é, do deserto e não  ervas plantadas e  colhidas depois;  o cerimonial é típico de pastores:  cinturão (onde os pastores colocam utensílios como faca, cordas..), cajado nas mãos (por causa do rebanho), sandálias, etc.
A Páscoa era, sem dúvida, uma festa pastoril, de origem nômade e sempre foi celebrada pelos nômades na primeira lua cheia da primavera (como os judeus celebram). E há muitos pontos de contato entre a celebração nômade e a celebração judaica - além dos lembrados acima,  principalmente quanto ao rito do sangue.
Na noite anterior à da primeira lua cheia da primavera, os pastores passavam o gado dos pastos do inverno para os pastos da primavera. E tal passagem era considerada  por eles como muito perigosa, porque  - acreditavam eles   -   um  “espírito  exterminador”  ameaçava matar o rebanho naquela noite.  Para esconjurar tal perigo e tal ameaça, os pastores reuniam-se na noite anterior à da passagem da estação e ofereciam ` “divindade dos campos” um cordeiro em sacrifício, e com o sangue desse cordeiro, recolhido numa bacia ,  ungiam a soleira das tendas, os batentes e a própria tenda. Era um rito apotropáico, isto é,  de esconjuro  para afastar o espírito exterminador
  Os israelitas conheciam essa festa antes mesmo de descerem para o Egito, onde viveriam e seriam depois escravizados (Gênesis 50,14; Êxodo 1).  Quando reconheceram a ação libertadora de Javé que os tirara do Egito, eles usaram essa festa para celebrar tal acontecimento, fazendo-lhe, porém, algumas  adaptações como por  exemplo,  comer a ceia de pé, com uma cinta à cintura, comer rapidamente etc.  Assumiram, por outro lado, os aspectos apotropaicos da celebração pastoril, dando-lhe, porém, nova  interpretação:  era Javé quem livrara os hebreus do Egito, era ele quem ameaçara e punira  os egípcios.  O livro do Deuteronômio (16,1-5)  modifica a prática ritual passando a celebração para dentro do santuário e o livro dos Números diz quais os requisitos da pureza ritual pata tal celebração.
Como foi dito, a Páscoa vem ligada à festa dos Ázimos, que era também uma festa agrícola,  mas do povo cananeu que era um povo sedentário e não nômade. Era  a festa  da oferta das primícias da lavoura às divindades. No dia dessa festa jogava-se fora todo o fermento velho que havia em casa para se fazer pão e fazia-se novo fermento. O sentido do rito era esse: “deixar a vida velha e começar vida nova”.
A Páscoa hebraica incorpora vários elementos do rito do sangue das celebrações pagãs:  o “espírito exterminador” dos pagãos é chamado “o exterminador” no Êxodo (12,23); não é aspergida com sangue a entrada da tenda,  como no rito nômade, mas sim      os umbrais  das portas   (12,7),  porque quando a história é redigida, os judeus não estão mais no deserto (onde há tendas) mas já formam um povo sedentário, com casas (portas e batentes). O tempo da celebração coincide: tanto no rito nômade quanto no rito judaico  a celebração é feita na primavera e na  primeira lua cheia.
Hoje a celebração da páscoa é feita ainda no dia 14 de nisan , que corresponde aos meses de  março-abril de nosso calendário.  É uma celebração familiar. Podem reunir-se algumas famílias. A tradição diz que deve haver  de 10 a 20 pessoas para a celebração. No dia anterior o pai da família onde a ceia será celebrada deve recolher todo fermento velho que houver em casa. Depois de ter certeza de que tudo  foi recolhido e jogado fora ele faz essa oração:  “Bendito  sejais, Senhor  nosso Deus e Rei do mundo, que nos santificastes  com os vossos preceitos e nos ordenastes que removêssemos o fermento”.
Para a celebração da ceia  a  sala da casa deve estar bastante decorada, com flores, tapetes ,cortinas, copos, toalhas.  No centro da mesa da ceia fica um prato grande, redondo  (travessa). Nesse grande prato ou travessa se colocam: um pernil de carneiro (lembrando a ceia do êxodo), um ovo cozido (para lembrar que a vida é instável, pode mudar de uma hora para outra); pães ázimos (lembrar a pressa da partida), ervas amargas (lembrando o sofrimento e o cativeiro do povo) , uma pasta de frutas (lembrando a opressão  no Egito  com trabalho forçado com pedra,  argamassa  nas construções)  e o tempero (sal, água e limão).
O rito é muito rico em símbolos e orações.  Mesmo a comida e a bebida (vinho) tem grande carga simbólica.  Todavia, hoje em dia nem todos os judeus celebram desse modo a Páscoa. Somente os chamados ortodoxos é que  observam todas as prescrições tradicionais.  Pois muita coisa foi inventada e acrescentada, bem depois, pelos rabinos - do mesmo modo como o fazem hoje certos liturgistas católicos com  as nossas celebrações!
            O sábado  (Levítico  23,3 -4)
Em hebraico shabbat.  É uma festa importante na vida religiosa e social do povo judeu; é a festa semanal, o dia de descanso semanal.   Shabat  é um verbo, e significa  “deixar de, cessar, paralisar...”; também significa sete.  O sábado,  juntamente com a festa de Yom kippûr, é o dia mais sagrado para um judeu.  É o sábado que mantém o judaísmo de pé, dizem os autores (Enciclopédia  dos conhecimentos Judaicos, vol. 5, p. 660). 
A origem do sábado, como festa religiosa, é muito antiga e não se conhece bem suas raízes.  A institucionalização do sábado como dia sagrado  deu-se a partir do exílio da Babilônia (587 - 539), assim como também a institucionalização da sinagoga.  O sábado tornou-se  tão importante para os judeus a ponto de  na época dos Macabeus os soldados não lutavam aos sábados. O sábado, diz o Pe.  R. de Vaux, não é importante  por causa da cessação dos trabalhos ou pelas várias proibições que esse dia comporta,  mas sim por ser um elemento da Aliança com Deus. Por isso a tradição sacerdotal (também chamada tradição P) faz questão de sublinhar a necessidade de sua observância  exatamente para não se romper a  aliança.   O aspecto  social, isto é, não trabalhar e não fazer os outros trabalharem, nem os animais, quer sublinhar que o homem não deve deixar-se escravizar pelo trabalho;  a técnica deve sujeitar-se ao homem, e não o homem à técnica, ao trabalho


 O ano sabático ( Levítico  25,1 - 7)
Ano sabático vem a ser o último de uma série de sete anos. No sétimo ano a terra não deveria ser cultivada;  deveria descansar. Nesse ano só se podia colher aquilo que a terra produzisse espontaneamente. Por isso era necessário fazer-se reserva, estoque, de alimentos no ano anterior (25,21).  O ano sabático era contado a partir da data da entrada na Terra prometida ( Lv 25, 1 - 7).  Nesse ano  um escravo com seis anos de cativeiro deveria ser libertado  (Êxodo 21, 2-6).
Todavia essas disposições não foram respeitadas na época antes do exílio (Levítico 26, 34-35). Neemias tentou restabelecer  essa norma (Neemias 10,31). Por isso o ano sabático foi apenas uma proposta e nunca funcionou na prática.  Foi,  porém, um ideal  de justiça social que infelizmente  não se realizou.
 O jubileu ( Levítico 25,8-17)
O jubileu  vem a ser  uma celebração que acontece no ano que segue imediatamente depois de 7 ciclos sabáticos. Um ano sabático tem 7 anos. Sete anos sabáticos = 49 anos. O ano jubilar é o ano 50.o  O específico do ano jubilar é que  ele é de libertação: todos os prisioneiros devem voltar para suas casas e cada pessoa terá de volta a propriedade que vendera.  Essa lei foi também uma tentativa de ajustar a sociedade econômica, familiar e socialmente. Mas não há prova alguma de que essas leis foram aplicadas e  nem que  o jubileu tenha acontecido alguma vez!  Essa festa deveria ser publicada e proclamada pelo toque do yobel, que vem a ser um tipo  de berrante feito com chifres de carneiro. Dessa palavra, yobel, nasceu a palavra jubileu.
           Conclusão  (Levítico 26)
A Lei da santidade ou Código da santidade termina com o capítulo 26. E termina com bênçãos  e maldições  -  como o Código deuteronômico  (Deut. 28). Os tratados de aliança no Oriente antigo terminavam sempre com  bênçãos e maldições.  O espírito da Lei da santidade é este:  todo aquele que observar a Lei de Deus, todo aquele que for fiel a Deus, este será abençoado, isto é, será feliz, realizado;  e todo aquele que não observar a Lei será amaldiçoado, isto é, infeliz. Está nas mãos das pessoas escolher a vida ou a morte, a felicidade ou a infelicidade. -  Essa mesma proposta aparece no Código deuteronômico (Dt 30,15.19).

         Aspectos teológicos do Levítico

A teologia do Levítico é essencialmente litúrgica. O livro é de redação sacerdotal (redação P) e apresenta como pontos  doutrinários  importantes :  o culto, os sacrifícios, o sacerdócio e a santidade
O culto
Ocupa um lugar de destaque no livro.  É a maneira mais eficaz de o homem se unir a Deus.  Segundo o livro, o culto  é elemento mais importante do  que a própria Torá  (a Lei de Deus)  para caracterizar  o Povo de Deus.  Por isso,  nesse livro, as normas, as prescrições, as leis litúrgicas são minuciosas e  às vezes até repetitivas e monótonas. 
Por razões históricas conhecidas, na elaboração do livro (após o exílio: 587- 539), os sacerdotes se preocuparam demais com a legislação sobre  pureza e impureza legais.  São conceitos amplos no Levítico.  Designam não só a impureza interior, a falta de fé, mas também  (principalmente?)  toda e qualquer possível mancha adquirida pela não observância dos menores preceitos rituais.  A noção de puro e impuro, no Levítico,  está muito ligada, como se pode ver,   com os mistérios do nascimento, da morte e da vida sexual;  como também está ligada com a fidelidade a Javé e à  fuga de tudo o que é  pagão.  Qualquer resíduo de paganismo é mancha que contamina.
Essa preocupação pode ter até certa conotação teológica:  é preciso preservar a fé, a fidelidade a Javé,  à Lei e à Aliança,  de qualquer maneira.
O culto é  descrito como o meio pelo qual o homem encontra-se com Deus, como se disse, mas também como o ponto mais importante  de toda a vida religiosa:  ao redor dele deve girar toda a vida de um verdadeiro israelita.  Todavia, o culto descrito no Levítico  é aquele do Templo de Jerusalém, não é o do êxodo, do deserto.  O autor mostra que o povo judeu assumiu na sua liturgia muitos elementos dos cultos semitas e cananeus, como também da liturgia dos grupos nômades, pré-mosaicos e mosaicos (antes de Moisés e do tempo dele).   Todos esses elementos foram relidos, re-elaborados  pelos sacerdotes e colocados  a serviço da liturgia do povo de Deus  -  que sem dúvida tem raízes semitas, conviveu com os cananeus, foi nômade e guardava profundas tradições litúrgicas,  cultuais.
O culto no Levítico está centralizado no santuário.  Mas o livro cria um  ambiente artificial, diferente, como se o culto fosse aquele do deserto e o povo estivesse ainda a caminho, pelo deserto!  Mas isso é apenas um artifício literário, pois o quadro sociológico-religioso  que o autor pinta não corresponde de modo algum ao do deserto e nem à situação histórica do tempo em que o livro foi redigido (pós-exílio). A lembrança das tendas (23,42) se contrapões, por  ex.,  às bênçãos e maldições que supõem uma vida sedentária,  de   agricultores assentados.
O Templo é descrito sempre como a “Tenda da Reunião” (ou do Encontro). É o lugar de reuniões e das ações litúrgicas, bem como é o lugar de onde o Senhor fala  (como falara no Sinai) e onde Moisés tem entrevistas com Deus..  A Tenda é o lugar da morada de Javé, lugar de  sua presença no meio do povo.  Nessa tenda estavam o altar para os sacrifícios (1, 5;  4,25. 30. 34), o altar dos perfumes, a bacia para as cinzas dos animais imolados, o braseiro com o fogo perpétuo (6, 2).  Um véu, chamado em hebraico parokêth,   velava   o altar.  Como se pode perceber é uma descrição típica do Templo de Jerusalém.   São coisas impossíveis de se ter e conservar  no deserto, principalmente para um povo que foge.
O Levítico não fala da Arca da aliança, que sempre fora um objeto litúrgico muito caro ao povo judeu  Isso significa que de fato a  liturgia do Levítico é a do Templo de Jerusalém, pois quando o segundo templo foi construído (o de Zorobabel entre 520-516 aC) a Arca já tinha desaparecido. O Levítico  se refere à arca somente uma vez, em  16,2. Fala mais do propiciatório, que era a tampa de ouro que cobria a Arca. Propiciatório se diz em hebraico kapporêt; ele seria o substituto da Arca no pós-exílio e seria também  o meio de expiação para os pecados do povo (Nm 7,89; Lv 16,2.13-16; Ex 25,21). Não continha e nem guardava a Tora como a Arca. [A arca desaparecera e ninguém soube do seu destino. Certamente foi roubada e destruída por ocasião de guerras ou quando o templo foi destruído por Nabucodonosor (538)  Para se dar à Arca um fim mais glorioso foi criada a lenda de que o profeta Jeremias (atuou entre 620-586  ) a escondera numa gruta no mesmo monte donde Moisés contemplara a Terra prometida e morrera (Nm 27,12-13). Mas Jeremias não tem nada a ver com a Arca, pois no seu tempo ela já tinha desaparecido.. Por ocasião da destruição de Jerusalém ele foi exilado, certamente para o Egito, ou fugiu. E ele mesmo já dissera que a Arca não era importante para a vida religiosa do povo e nem era preciso se preocupar mais com ela (Jr 3,16). O livro dos Macabeus é que passou a lenda para a frente; mas tinha uma intenção ao fazer isso:  queria mostrar que a Dedicação (ou  Consagração) do Templo feita no tempo deles era tão importante como aquela feita por Salomão no Templo de Jerusalém com a Arca da Aliança.


                 Os sacrifícios.
Os sacrifícios são a expressão do culto no Judaísmo. São de diversos tipos, como já se viu acima. Eles acompanham toda a vida do homem hebreu., e exprimem os mais diferentes estados da alma: alegria, tristeza, ação de graças, expiação de pecados etc.
O termo genérico para indicar sacrifício em  hebraico é qorban (cf Mt 15,4; Mc 7,11). Qorban significa oferecer.
O sacrifício chamado “de comunhão” era acompanhado de um banquete, para indicar a exatamente a união entre o fiel e a divindade; por isso havia a proibição de participar dele em estado de impureza.
Os sacrifícios tinham também a finalidade de pacificar a divindade, louvar, agradecer, pedir é  apenas uma lembrança de Deus mas é tornar presente o seu ato salvífico, a Aliança. Pelo “memorial”, o passado se torna presente, a salvação alcança o fiel hoje, aqui. Ele se torna contemporâneo  da ação salvífica de Deus.
Um  sacrifício constante no ritual hebraico é o de expiação pelos pecados. É chamado em hebraico  ‘ashan. Tal sacrifício  alcança uma forma mais definida depois da destruição  de Jerusalém e do exílio, que foram experiências amargas na vida religiosa e na fé do povo. Tal sacrifício tinha a finalidade de purificar o penitente de seus pecados e expiar (pagar, reparar) o mal feito Muitas vezes devia ser acompanhado com a restituição d bens ou indenização à pessoa lesada.
            Os sacrifícios estão muito ligados ás  idéias de  purificação e expiação devido às complicadas leis de impureza legal dos judeus. Por ser o templo o lugar sagrado, os judeus criaram complicadíssimas leis de purificação e de observâncias rituais em relação a ele. Uma pessoa impura não podia entrar no Templo sem se purificar. E tudo na vida manchava o homem e a mulher. E para purificar-se era preciso oferecer sacrifícios – como foi visto nos capítulos de  11 a 15 do Levítico. Esse rito expiatório é chamado  kipper (expiar)  em hebraico.
O sangue tem grande importância nos sacrifícios rituais do povo judeu. É considerado elemento de ligação entre o homem e Deus; é elemento purificador e consagrador. Por isso ele é aspergido sobre o altar e  sobre o véu  do Templo (Ex 29,16.20; Lv 1,5.11;  3,2.8.13;  7,2.14.33; 8,19.24; 9,12;  sobre os sacerdotes (Ex 29,21); sobre os leprosos (Lv 14,4-7.14.25).  O sangue liga a Deus  o altar, o sacerdote, o povo e o Templo.
Por ser sinal da vida, o sangue não pode ser usado como alimento (Lv 17,11-14).
Toda essa importância do sangue provém dos costumes orientais de modo especial dos ritos apotropaicos ( isto é, de esconjuro) dos nômades que acreditavam que pelo sangue entravam em comunhão de paz e salvação com as divindades. Daqui passou a significar a relação entre Deus vivo (vida= sangue) e a efusão do sangues (= oferecer a vida ao Deus vivo).

                  O  sacerdócio
Juntamente com a realeza e o profeta, o  sacerdócio é um  dos eixos da vida do povo de Deus. Os sacerdotes constituem o grupo dos “consagrados do Senhor”;  por isso devem ser honrados pelo povo. E por sua vez estão sujeitos a diversas leis que regulamentam as suas vidas, mesmo a particular. Para exercer o sacerdócio é preciso que o indivíduo tenham integridade total, inclusive física. Os doentes,   mutilados,  cegos  ou que tenham qualquer defeito físico estão excluídos (Lv 21,17).
Não há no Levítico distinção entre sacerdote e levita; isso vai aparece no Deuteronômio e é muito clara em Ezequiel (Ez 44).  Há apenas uma referência hierárquica no Levítico, onde  vem dito que o sacerdote tem precedência sobre os demais  (Lv 21,10) Também não há no Levítico referência a “sumo sacerdote”; essa instituição  que vai aparecer somente pelo século IV no  pós-exílio.
Segundo o Levítico o verdadeiro  sacerdócio é o aronita. (De Aarão, irmão de Moisés e feito sacerdote no  êxodo.  O livro não menciona o sacerdócio sadoquita (de Sadoc, sumo sacerdote no tempo de Davi e de Salomão). Sadoc deu origem ao grupo dos saduceus, progressistas, de tendência liberal, donos de terras, nada apegado a tradições.  Contrapostos aos fariseus (= separados = conservadores, ultra religiosos) que seguiam Abiatar – outro sumo sacerdote do tempo de Davi e Salomão (cf 1Rs 1,32-53;  2,26ss). Abiatar era levita e Sadoc era chefe político.   Salomão Destituindo  o sumo sacerdote Abiatar que era da classe sacerdotal  e colocando em seu lugar um       sumo sacerdote político, Sadoc, o rei Salomão elimina toda esperança  dos levitas que lutavam por uma sociedade segundo o projeto de Deus (Deuteronômio).
O Levítico apresenta o sacerdote como o intermediário entre Deus e o homem. A função dele é a de oferecer os dons a Deus: primícias, vítimas e abençoar o povo com sangue (que era um sinal de domínio sobre a vida dos outros) . Outra tarefa do sacerdote era ser mediador, juiz e médico (era sua função “diagnosticar” a doença, não curar).
Influência do Levítico no Novo Testamento.
O livro não foi muito comentado pelos Santos  Padres talvez pelo seu conteúdo muito legalista,  ritualista, embora a Igreja tenha suas leis e seus ritos.  Mas do Levítico a Igreja tirou os rituais de  consagração de sacerdotes,  de altares, de cálices e objetos do culto, sacrário, alguns leis sobre deveres dos sacerdotes, lei da santidade, bênçãos, dízimo.
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V -  O LIVRO DOS NÚMEROS
1.       Nome
O nome do livro vem da versão grega  -  que  foi a tradução da Bíblia hebraica para o grego, feita no ano 250 aC pelos rabinos judeus-gregos. É a chamada “tradução dos LXX”.   Por causa  dos inúmeros recenseamentos narrados no livro, das seleções de povos ,  da divisão das tribos, extensão dos territórios tomados nas guerras, etc.  os tradutores deram ao livro o nome a  “aritmói” em grego e que significa “números”.  Em hebraico o nome do livro é bemidbar,  que significa  “no deserto”, porque é assim que o livro começa .( Os  livros   do Pentateuco   são designados, em hebraico,  pelas primeiras palavras com que começam).

2        Conteúdo geral do livro
O livro continua a narração   da história de Israel, desde o monte Sinai (onde termina a narrativa do  livro do Êxodo) até a entrada na Terra prometida.   O livro tem seções narrativas e legislativas;  todas  elas ligadas  por  um fio condutor religioso:  um povo escolhido por Deus caminha pelo deserto para a prometida Terra.
A primeira parte do livro está  ligada ao Êxodo e ao Levítico e vai de  1,1 – 10,10.  Narra a permanência do povo no Sinai, sua organização e preparação para a partida.
A segunda parte é narrativa e vai de  10,11 – 21, 35.  Narra a marcha  do povo desde o Sinai até as planícies de Moab.
A terceira parte  vai de  22,1 – 36,13.  Relata a chegada



            3.  Síntese do conteúdo narrativo
                 Números  1, 1 – 10,10 : Narra a chegada e permanência do povo no Sinai e a organização para partir para  a terra prometida.

            Capítulo 1

 Nesse capítulo (vers. 45-46)  é dado o total do recenseamento feito entre o povo:  603.550 homens, aptos para a guerra e com mais de 20 anos; sem contar as mulheres e as crianças.  Isso significa que havia ainda  muitos outros homens, além das mulheres e das crianças.  Tais números são evidentemente  fictícios, pois se forem computados, num cálculo geral,   todos os homens, as mulheres e as crianças,  a  soma seria inconcebível,  alcançando aí por volta de 2 milhões de pessoas! Alguns especialistas dizem que a soma deve ser dividida por cem .  Mas  mesmo  assim  o número  de pessoas seria  ainda  muito grande para aquele  tempo.  Um número razoável seria  talvez  umas  3 a 4 mil pessoas - quem sabe!  (Nem todas as tribos tinham ido  para o Egito!)

            Capítulo 2
Vem descrita a ordem  das tribos para a marcha que vai começar.  A narração tem fundamentos históricos, mas nem tudo é rela, porém. Há muita fantasia guerreira nesse gênero de descrição épica.

            Capítulo 3
Recenseamento dos levitas. Eles serão  os assistentes dos sacerdotes no serviço do culto. Nesse capítulo vem escrito que os levitas , a partir de agora,  substituirão os primogênitos.  Esses eram até agora os consagrados de Javé (Veja  Êxodo 13, 1 - 2).  De agora em diante os consagrados de Javé, responsáveis pela vida, serão os levitas.

            Capítulo 4
Tarefa dos levitas na Comunidade e sua importância na vida religiosa.

            Capítulo 5
Vem narrado aqui o costume do ordálio.  É uma arbitrariedade machista lembrada aqui na Bíblia e que foi usada também na Idade média.  Era uma prova para testar a inocência de  uma pessoa, mas que tinha todas as probabilidades de prejudicá-la. Entre as opções havia a da tortura: torturar a pessoa suspeita para se conseguir dela uma confissão. Se ela resistisse à prova não reclamando e se não morresse durante a sessão era sinal de que ela era inocente mesmo!  A Bíblia   cita somente um caso de ordálio. É o que vem narrado aqui, nesse capítulo.  Pela narração, uma mulher suspeita de adultério pelo marido é submetida à  prova  da “água da amargura” :  uma jarra de água na qual é jogada poeira suja do chão  varrido, mais a água suja de pergaminho lavado (vers. 16. 17. 23. 24).  Com essa água  “benta” a mulher tinha  grande probabilidade de vomitar ou de ter  um desarranjo estomacal   ou  intestinal. Isso  já  era o suficiente para condená-la!  Longe de ser esse costume um modo de a mulher se defender de suspeita de adultério, como  querem alguns comentaristas,   esse teste nada mais era do que arbitrariedade machista e dominadora, talvez até vingativa, de homens ciumentos e dominadores. [ A palavra “ordálio”  é de origem anglo saxônica e passou para o latim medieval como “ordáliu”, e para o português, ordálio, e significa prova,   ajuizamento].

            Capítulo 6
Neste capítulo fala-se do nazireato,  um costume religioso israelita antigo, tipo de promessa temporária  (6, 12).  A palavra “nazireu” vem do hebraico “nezir” e significa   separado. É um termo aplicado a toda pessoa que faz um voto, uma promessa.  Sansão,  por ex.,  era nazireu ( Juizes 13, 5.7;  16, 17).   Um nazireu não podia cortar os cabelos e nem tomar bebidas alcoólicas.  Também as mulheres podiam fazer o voto de nazireato, pois era apenas um ato de devoção popular.  Mais ou menos como as promessas de  não cortar os cabelos, não cortar a barba como se faz hoje em dia .
Nesse capítulo”  está a famosa  bênção sacerdotal, conhecida como “Bênção de Aarão” ( 6, 22 - 26) .  São Francisco de Assis usava muito essa fórmula de bênção e a divulgou tanto que ficou conhecida  no cristianismo  como “bênção de São Francisco”.
            Capítulo 7
Vem tratado o modo de realizar o culto por parte dos grupos  e os utensílios que deveriam ser usados.

            Capítulo  8
Lembra o uso do candelabro no culto. O livro do Êxodo descreve o candelabro ( Êxodo  25, 31 - 40).   Aqui também se fala do papel dos levitas no culto.
Capítulo 9
Vem referida a celebração da Páscoa. Essa narração está ligada a Êxodo 40, 34 - 38, que fala da presença da nuvem.  A nuvem luminosa é sinal da presença de Deus. Deus caminha ,  orienta  e protege o seu povo.  [ Sobre a celebração da Páscoa foi falado em Levítico 23, 5 - 8].

 Números 10, 11—21,35: Israel   do Sinai até Moab; a marcha para a Terra prometida.
A
Toda essa parte é marcada pelo binômio: culpa / castigo.  Sempre que há desobediência a Deus, ou a Moisés, ou ainda murmurações contra  Deus ou contra Moisés, há castigo para o povo.  Quando Moisés intercede, quando o povo se arrepende, há o perdão de Deus.  A dinâmica da caminhada está clara:  o povo caminha e refuga; crê e descrê; espera  e desanima.  Deus, porém, está sempre presente na caminhada.
            Capítulo  10
Relata o início da caminhada, do Sinai para Moab. É feita  a convocação pelo toque da trombeta,  sinal de reunião.  A nuvem  (= sinal da presença de Deus)  se levantou de sobre o santuário  e o povo iniciou a marcha.   A nuvem  ficava sobre o povo durante o dia.
            Capítulo  11, 24
Vem descrita a efusão do espírito de Javé sobre os 70 anciãos escolhidos por Moisés;  eles começam profetizar, isto é,  a falar em nome de Deus.  É o modo de dizer que tais anciãos foram escolhidos por Deus, por meio da Comunidade para servir à Comunidade. Eles eram dignos, podiam falar em nome de Deus.   Essa temática sobre a efusão  do Espírito de Javé é retomada depois pelos profetas (Joel 3, 1-2;  Ezequiel  39,29 e Isaías  63, 15-19).   No Novo Testamento essa mesma temática ;e relida como cumprimento: Atos 2;  Efésios  4 e 1Coríntios 12:  Deus concede dons especiais à sua Comunidade.
            Capítulo 12
Aarão e Maria, irmãos de Moisés, são censurados  “por Deus” por se oporem a Moisés e são  castigados com lepra!  Eles não podem retardar a caminhada para a libertação                   
            Capítulo 13
                        Vem narrada a exploração que  Moisés mandou fazer da Terra que ia ser conquistada ( a terra prometida).  Tal exploração é feita por uma grupo escolhido de homens, antes de o povo entrar na Terra.  Os exploradores exageram na descrição das dificuldades encontradas, mais com medo de enfrentá-las do que  na realidade ( gigantes,  povo muito forte, invencível etc. (vers. 32-33).  Querem dificultar a conquista do ideal!
            Capítulo 14: queimar etapas
Diante das dificuldades encontradas, o povo se revolta. Vêm descritas neste capítulo, então,  a rebelião do povo ( “teria sido melhor  ter ficado no Egito...”) e o castigo de Deus ( o povo não entrará no país, pois é um povo rebelde;  caminhara pelo deserto por 40 anos  (14, 20 - 35).
            Capítulo 15
Sobre os dons que devem ser oferecidos a Javé. Tudo o que povo recebeu e recebe, é dom de Javé
            Capítulo 16
Narra as revoltas de Datã e  Abiram  contra Moisés  -  o chefe  -  e a  de Datã contra Aarão  -  o sacerdote.  E conforme o texto Deus os castiga a todos  fazendo a terra abrir-se e engolir  a todos, bem como os seus familiares e bens!  Essa redação, dizem os especialistas,  é um corpo de duas tradições diferentes:  uma, de  tradição sacerdotal, que narrava a revolta de Coré  contra o sacerdote Aarão; e outra,   de tradição javista, que narrava a revolta política dos rubenitas Datã e Abiram contra a autoridade de Moisés, o chefe.
Esses incidentes  bem como o castigo de Deus devem ser lidos no contexto todo da caminhada: é certo que houve contestação e revoltas do povo contra Moisés e Aarão, que eram os líderes.  O redator observa que a libertação por ser um processo conduzido por Deus, não pode ser contestado. Moisés e  Aarão representam Deus .  Desobedecer-lhes é desobedecer a Deus, e portanto ficar sujeito a castigos!.  Realmente não se sabe o que aconteceu naquela ocasião. O fato de se dizer que morreram  todos os familiares e perderam-se todos os bens é um modo de dizer  que,  de acordo com o princípio de solidariedade  vigente no Antigo oriente,  todo mundo é culpado   pelos pecados ou erros do clã ou da tribo
            ‘Capitulo  17
Narra a escolha   “por Deus” de Aarão  como sacerdote e chefe;  vem ressaltada a supremacia do sacerdócio de Aarão e  a escolha da tribo de Levi como tribo sacerdotal  (17,  16-24).
            Capítulo  18
Nesse capítulo transparece a mentalidade de que são santos   todos aqueles  que estão mais perto de Deus  no santuário;  aqueles que estão mais distantes são considerados  pecadores e impuros.  Essa mentalidade discriminatória  vai ser combatida mais tarde,  como o faz o  salmo 34, 18   por exemplo : Deus está perto de todos os que o  amam.
            Capítulo 19
Lembra um rito mágico pagão de purificação dos pecados  e que foi aceito em Israel.  Consistia na mistura de água com cinzas de uma novilha  vermelha   e  depois usada para purificar as pessoas . (Esse rito é relido na Carta aos hebreus 9, 13-14: só Cristo é que redime os pecados).
            Capítulo  20
O episódio aqui narrado é paralelo a Êxodo17, 1-,7. Sublinha a descrença do povo no êxito da caminhada. E mostra que também os próprios dirigentes, Moisés e Aarão,  desconfiaram da Providência de Deus.  Por isso eles não haveriam de entrar na Terra prometida (Deuteronômio  32, 52).  Não aparece claramente o motivo do  castigo  deles.  Talvez o redator, ou redatores,  pretenderam explicar com essa passagem  o motivo por que Moisés e Aarão não chegaram entrar na Terra prometida. ( Não entraram simplesmente pelo motivo de já terem  morrido).
Nesse capítulo são lembradas ainda outras dificuldades enfrentadas pelos israelitas antes de entrarem na Terra prometida: a recusa do rei de Edom    que  não permitiu que  eles passassem por suas terras  - o que obrigou o grupo a fazer um longo desvio, rodeando todo o reino de Moab.  Depois de vencerem  Seon,  rei dos amorreus e Og,  rei   de Basan, os israelitas tiveram caminho livre para chegar e acampar em Moab e prepararem a entrada na Terra prometida.
            ‘Capítulo 21
Nesse capítulo vem narrado o extermínio da cidade de Arad, conforme o costume antigo da “Guerra santa”!  Israel devia mostrar aos povos vizinhos que seu Deus era  maior   que os deuses todos, era  ele  o Senhor.  Para  provar isso é colocado esse episódio da “guerra santa” na qual o povo de Israel derrota e aniquila, em nome de seu Deus,   povos e reis inimigos  que se opunham à sua caminhada.
Também nesse capítulo vem narrado o famoso episódio das serpentes venenosas;  O texto é considerado pela crítica histórica uma narração etiológico-folclórica e ideológica, em cujo fundo estaria uma velada defesa do culto à serpente praticado por quase todos os povos antigos  da região e que exercia forte influência na debilitada crença monoteísta hebraica.
 O povo de Israel levou tempo para se desfazer da idolatria e aderir a um monoteísmo puro. A figura e presença de ídolos estiveram sempre presentes na vida do povo, às vezes  veladamente, até no tempo dos reis. E até alguns deles foram idólatras como por ex. Joás e Jeroboão II no reino do norte (2Reis 13,10-11; 13,23-29) e  Acaz e Manassés no reino do sul ( 2Reis 16,1-4; 21,1-7). A idolatria deixou de existir no Povo de Deus somente depois do exílio (587-539 aC).
O presente texto sobre a serpente venenosa que é adorada  no deserto (Nm 21,8-9) é um texto etiológico-folclórico e ideológico –como foi dito. Etiologia quer dizer causa; o texto quer explicar um fato, dar a causa; é folclórico, porque  no fundo é mais fantasia e lenda, e ideológico, porque  aproveita a lenda para justificar uma prática injustificável: a presença de uma escultura de serpente feita em bronze e que estava no Templo de Jerusalém. A serpente se chamava Noestã (confira 2Reis 18,4)  A tradição dizia que Noestã era a serpente de bronze que Moisés tinha feito no deserto; ela era então uma lembrança de Moisés. Por isso o autor do texto monta essa história da serpente como acontecida no deserto no tempo de Moisés. O auor escreve pelo ano 400, no pós exílio, e Moisés viveu por volta de 1250 aC. O relato é então um flash-back: o histórico é que o rei Ezequias (728-699aC), que foi um rei justo e religioso,  acabou com a idolatria em Judá,  mandando destruir  a escultura da serpente que estava no Templo. O autor tenta então justificar a presença da serpente compondo a história de que ela estava ali porque fora feita por Moisés no deserto por ordem de Deus. A “cura” das picadas das cobras venenosas somente olhando para a figura da serpente colocada na haste é apenas crença folclórica, popular, segundo a qual quando uma  pessoa faz a imagem de alguma coisa essa pessoa tem o poder de controlar essa coisa!. É um tipo de crença mágica. Mas para fugir da magia (que era proibida e condenada com pena de morte, cf  Deuteronômio 18,9-13)  o autor diz que quem curava era Deus. (O livro da Sabedoria faz um comentário tirando da serpente o poder m´pagico de curar (16,5-14). E São João dá uma interpretação teológico-cristológica a essa imagem da serpente levantada  e que curava  dizendo que quem  cura mesmo e salva  é Jesus Cristo levantado na cruz,  em quem é preciso crer (Jo 3,14-15).


            Números 22 - 36: Israel nas planícies de Moab
            Capítulos 22 - 24
Esses capítulos relatam o episódio de Balaão, um “profeta” mesopotâmico chamado  por Balac, rei de Moab  para amaldiçoar os israelitas que estavam aí  às portas de seus territórios.  Quando tal profeta  ia amaldiçoar  o povo,  a mula em que montava  refugou, e por três  vezes.  E na terceira vez, quando chicoteada por Balaão a mula protestou falando... E disse: “ O que é que eu fiz,  para você me bater três vezes? ” (vers. 28).  O profeta, então, não amaldiçoa o povo de Israel;  ao contrário, acaba abençoando-o e termina suas palavras com uma “profecia” sobre um chefe de Israel que surgiria e seria  a Estrela de Jacó (vers. 17).
Esses capítulos retratam  tradições folclóricas sobre o relacionamento Israel-Moab,  bem como tradições sobre costumes  religiosos e guerreiros  do   Antigo Oriente.  As tradições se mesclam, formando um todo, uma mistura de muitas cores e tons diversos que fica difícil saber onde começa o histórico e acaba o folclórico e vice-versa. As narrações se interligam.  Evidentemente  não se pode aceitar tal relato  literalmente,  pois seria ingenuidade e bobagem muito grande acreditar que a mula falou! O certo é  que havia muita rixa entre israelitas e moabitas. Os israelitas debochavam dos moabitas e até inventaram uma história sobre a origem deles, dizendo que eles, moabitas, tinham nascido de um incesto!    (Veja Gênesis 19, 30 -  38).   Os moabitas, por sua vez,  vingavam-se dos israelitas sempre que podiam. Ambos, israelitas e moabitas,  tinham origem  aramaica comum:  eram originários da terra de Balaão, a Mesopotâmia,  donde viera Abraão, o pai comum de todos eles.
Balaão é colocado nessa história como profeta pagão para salientar que Deus  sempre  protegia o seu povo, e o protegia de tal modo que mesmo que um profeta estrangeiro quisesse amaldiçoá-lo,  não seria capaz, como não foi capaz Balão.   Esse relato é um relato religioso-folclórico.
            A “profecia” de Balaão  diz:
             “Eu o vejo, mas  não é agora;  eu o  contemplo, mas não de perto:  uma estrela avança de Jacó, um cetro se levanta de Israel, e esmaga as têmporas de Moab e o crânio dos filhos de Set”.
            Esse texto foi interpretado  por muitos  Santos Padres ( comentaristas e escritores do início da Igreja)  como uma verdadeira profecia messiânica. Essa interpretação teve influência na teologia e na exegese por muito tempo.  O Novo Testamento,  porém,  não faz alusão a ela como profecia. Apenas  Mateus faz referência a ela  em seu evangelho falando da estrela que apareceu aos magos  ( 2,2-7).  A estrela a que se refere Balaão está em paralelismo com cetro, isto é são duas palavras que se completam e aí indicam o sentido.  Geralmente nos escritos antigos esse paralelismo “estrela-cetro” indicava o rei; mas pode ser também o povo  de Israel, pequeno, peregrino, perseguido, mas que um dia teria estabilidade, organização e  teria  um rei, tornando-se assim um grande povo, em condições de lutar e vencer seus inimigos - simbolizados  nos povos de Moab e de Set.   O profeta prevê que esse povo seria um dia vencedor, mas não sabe quando. O texto em si não indica pois um Messias;  mais tarde a estrela passou a significar Davi, o grande rei de Israel que venceu inimigos ,  organizou seu povo,  libertou-o e levou-o a viver na justiça e no direito.  Esse ideal de rei libertador e  de vida de justiça passou depois a ser aplicado a Jesus.  (  Esse texto passou a exercer muita influência no tempo da revolta do judeus   contra Roma, em 132 aC,  na guerra dirigida por Bar  Kocheba (nome que significa  “filho da estrela”).
O historiador Albright traduz assim o texto:
“... quando as estrelas de Jacó vencem...”
Isso designaria então o próprio povo, não um Messias
            Capítulos 25
            Trata  do perigo da idolatria: um povo que lutou tanto para se libertar não pode agora escravizar-se a ídolos.  Seria o caminho mais curto para a escravidão e a perda do ideal de liberdade.
Capítulo 26
            Sobre a partilha da terra conquistada.

            Capítulos 27 a 30,17: parte legislativa
Fala da reivindicação  das filhas de  Coré  que queriam também terra para viver;  Moisés indica o novo líder Josué. Os capítulos 28-29 tratam dos sacrifícios, do sábado e das festas religiosas.  O capítulo 30  trata de votos e promessas.
Capítulos 31 - 36  concluem o livro relatando guerras contra os madianitas  e a  partilha da terra entre as tribos de Rúben, Gad e Manassés. E  apresenta algumas leis gerais
.
            4.     Aspectos teológicos  do livro dos Números.
No livro sobressaem algumas idéias teológicas de grande valor, tais como  Comunidade, mediação, deserto, tenda e tabernáculo.
Comunidade:  é a idéia central do livro;  é a comunidade (em hebraico ‘edah)  que caminha rumo à Terra. Essa comunidade é sacra mas não desencarnada. Está inserida no tempo;  tem uma dimensão terrestre: é uma comunidade que vai  fazendo-se com as experiências das lutas contra os inimigos externos (no caso edomitas, moabitas, madianitas...)  e com as lutas internas, contra aqueles que não querem caminhar, que preferem a vida rotineira e estável do Egito, embora  na  escravidão.  Deus vai sendo descoberto nessas experiências concretas de cada dia, dentro da Comunidade. Essa idéia é uma idéia-motriz do livro.
Mediação.  Embora com cheiro de ideologia messiânica-sacerdotal, o livro  sublinha a mediação exercida na comunidade por meio de alguns representantes:  Moisés, Aarão e Eleazar.  Tais chefes presidem os maiores acontecimentos da vida do povo  tais como recenseamentos, organização das tribos, dirigir a caminhada  pelo deserto,  disposição das leis necessárias para a organização do povo.  A Comunidade tem, segundo o livro, um chefe; não é acéfala e nem anárquica. Embora tal chefe possa ser contestado (como Moisés o foi).  Na Comunidade de Israel o chefe foi Moisés. Ele intermediava o povo no relacionamento com Deus e tinha sua autoridade reconhecida, pois ele falava  “com Deus”  -  diz o texto  (12, 8).  Os poderes e a autoridade de Moisés  são transferidos para outros: Aarão, Eleazar.  A Josué,  Moisés transfere sua liderança e poder político de dirigente.
Deserto:  como no Êxodo é um tema trabalhado pelo livro.  O deserto como  lugar   de prova, de tentação;  mediação para a salvação, ponte de libertação.  O deserto é também o lugar do risco e da decisão.  É ali que se forja a própria libertação.  É o lugar do silêncio, da solidão, como também é  o lugar da palavra, da escuta e do encontro com Deus ( Em hebraico as palavras  deserto e palavra são quase iguais:  dabar = palavra;  midebar = deserto.  O deserto é o lugar da palavra)
-  Tenda.  Deus habita no meio de seu povo.  Essa idéia é fundamental no livro do Êxodo e aqui nos Números.  A chamada “Tenda do encontro” era o lugar  da “glória de Deus”.  O livro do Êxodo descreve essa Tenda de maneira mais completa (Êxodo 26;  36, 8-38); o livro dos Números é mais sóbrio na descrição mas sublinha fortemente essa mesma idéia (11, 1-17.24-25;  12, 4- 10).  Em hebraico o nome da “tenda” é   ‘ohel   mo’ede  (=  tenda do encontro).  Não designa  o  encontro entre Deus e o povo mas entre Deus e Moisés,  mediador,  intermediário. A tenda é o lugar da revelação de Deus.  Para muitos autores a “tenda  do encontro” é uma  criação sacerdotal posterior e projetada no passado de Israel, no deserto. Para outros autores é bem possível que a expressão designe uma tenda pequena, portátil, como diz J.L. Mckenzie (Dicionário Bíblico,  p. 919).   O mais importante é que com essa descrição  o autor sagrado quis sublinhar a presença e a ação de Deus no meio do seu povo‘

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VI - O LIVRO DO DEUTERONÔMIO
1         - Nome
Deuteronômio é o nome dado ao quinto livro do Pentateuco, ou Torá,  pelos tradutores gregos da Bíblia hebraica, os chamados  LXX  ( “Setenta” ).  A palavra  “deuteronômio” quer dizer segunda lei; tal nome foi dado ao  livro porque o seu conteúdo  é essencialmente legislativo;  mas não é uma segunda lei.  Seria  mais uma atualização da lei, ou uma interpretação, ou ainda readaptação da lei  para a vida do povo já assentado.
Em hebraico o livro se chama   ‘elleh  haddebarîm, que significa  “estas são as palavras”,  porque assim começa o livro - e conforme a tradição hebraica, como sabemos, os livros da Torá são designados pelas primeiras palavras com que começam.  Os tradutores deram  ao livro o nome de  Deuteronômio  a partir de uma expressão que está em 17,18 e diz:  “Quando subir ao trono, ele  (o rei)  mandará escrever num livro, para seu próprio uso, uma cópia dessa lei, ditada pelos sacerdotes levitas”. A expressão  “cópia da lei” foi traduzida por  “segunda lei”.  Na mente dos tradutores certamente a  intenção era a de já interpretar  o sentido  do livro: ele não era uma nova lei, mas  sim uma readaptação da Lei de Deus para  seu povo já assentado.  Como se fosse uma segunda lei.
2        - Conteúdo geral do livro
   O  núcleo central do livro é constituído pelo bloco dos capítulos  12 - 26  que se chama  Código deuteronômico.  Aqui estão as leis  sobre o relacionamento com  Deus (leis cultuais),  de 12,1 -- 16,17;   leis sobre as autoridades  (mediações),  de 16,18 – 18,22  e leis  sobre relacionamento social  (família, sociedade),  de  19,1 – 21,19.  Há uma conclusão  com leis rituais  (26,1 - 19).
Os capítulos 1 - 11 são introdutórios; compõem-se de discursos;  os capítulos 27 - 30  são conclusivos, com promessa de recompensa aos que observarem a Lei e de castigo para os transgressores.  Os capítulos 31 - 34 constituem um apêndice que procura ajustar o Deuteronômio  aos outros livros do Pentateuco.
livro está envolvido pelo espírito ético e religioso  que procede das leis.  Não é um compêndio  completo de leis civis ou religiosas.  Nasceu da necessidade prática e precisa de fazer uma  adaptação  e interpretação da Lei para  o povo agora já estabelecido na Terra prometida.  O redator do livro deixa a impressão  de que o povo já estava traindo a própria história, o próprio passado, a Aliança e a missão.  Era, pois, necessária uma reforma. E é o rei Josias quem  tentará fazê-la;  para isso se valerá do Deuteronômio (2Reis 22).  O núcleo central do livro  (capítulos  12 - 26)  começou a se formar no reinado de Jeroboão II, rei de Israel. Foi um reinado de desenvolvimento  econômico e também de graves problemas sociais.  Os levitas começaram ali no norte um tipo de pregação catequética que  acabou  se tornando a base  para o Deuteronômio.
O livro  é apresentado basicamente como um conjunto formado por três discursos de Moisés:
 1o.  discurso:  Deuteronômio  1, 1 – 4,   40
2o.  discurso:  Deuteronômio  5, 1 – 28, 69
3o.  discurso:  Deuteronômio 29, 1—30,20
Os discursos são atribuídos a Moisés  embora não sejam dele.  Moisés fora a autoridade legislativa e esse é o motivo da atribuição. Tais discursos resumem acontecimentos passados, dos quais o livro dá também o significado religioso;  acentuam determinados pontos que devem orientar o povo depois da conquista da Terra prometida.  Da observância ou não da Lei dependerá a sorte ou a ruína de Israel.

            3 . Síntese do conteúdo narrativo:  Deuteronômio 1,1—4,40
Capítulo 1 : primeiro discurso de Moisés
 O  tema desse capítulo é a observância da lei como condição de felicidade. É o que Moisés  “quer inculcar” na cabeça do povo, como diz o texto (vers. 5)  O discurso faz uma evocação (lembrança)  dos acontecimentos passados da vida do povo em vista de um futuro:  Deus quer realizar com seu povo o projeto de uma nova sociedade, de um novo povo.  Ele caminhará com seu povo (vers. 30) e o carregará nos braços (vers. 31).

Capítulos 2-- 3
Esses dois capítulos relembram dados históricos já narrados no livro dos Números  (Nm 20, 14-21 e  21, 33-35).

Capítulo 4
É  um resumo catequético  que insiste na prática ou observância dos estatutos e normas que Deus dera ao povo.  Ele é um Deus próximo e que sempre responde ao seu povo.  Israel é um povo único, como seu Deus é também único.   Portanto não pode adorar ou servir outros deuses.  Deve ser fiel ao seu Deus. Se for fiel, será feliz  (4, 39-40).
Cap. 5,1—8,69 : segundo discurso
Nesse conjunto está inserido o Decálogo, ou os Dez Mandamentos, a Aliança de Deus com o seu povo ( cap. 5).  Vêm expressas as exigências religiosas de Deus para com o seu povo. O texto do Decálogo está também em Êxodo  20, 2-17.  Todavia o texto do Deuteronômio tem particularidades e avanços.  Nesse “segundo discurso” está inserido o chamado “Código deuteronômico” ( 12 - 26).
Capítulo 5
Depois de uma introdução  é colocado o Decálogo (Deut. 5, 6 - 21). É dito que o Decálogo foi promulgado por Deus  no monte Horeb.  O livro do Êxodo diz que foi no monte Sinai!  Segundo os especialistas o nome Horeb designaria uma região montanhosa, da qual o  Sinai  seria  o maior monte. Outros autores dizem que o Horeb  seria um monte no norte  (pois foi no norte que se formou o Deuteronômio.  A identificação de dois montes distintos é bastante difícil pelos textos).
O Decálogo  é formado por duas partes distintas: a primeira  parte fala do relacionamento de  Deus com o seu Povo  (5, 6-11),  e a segunda  fala do relacionamento  com o próximo e do vínculo de união com Deus,  que é o sábado.
Essas normas e estatutos não são leis do passado mas exigências éticas, morais e religiosas que devem  ser sempre atualizadas no  “hoje” da   História  (vers. 1).                                                                                
Nos versículos  23 - 31  há uma renovação da Aliança:  o povo se propõe  observar os Mandamentos ( ou Palavras) e Deus, de sua parte, se propõe abençoá-lo já na entrada na Terra prometida.

Capítulo 6
Nesse capítulo está o que se pode chamar de centro teológico do Deuteronômio:


Ouça,  Israel!  Javé nosso Deus é o único Javé. Portanto, ame a Javé seu Deus com todo o seu coração, com toda a sua alma e com toda a sua força.. Que estas palavras, que hoje eu lhe ordeno,  estejam em seu coração.  Você as inculcará em seus filhos, e delas falará sentado em sua casa e andando em seu caminho, estando deitado e de pé.  Você também as amarrará em sua mão como sinal, e elas serão como faixa entre seus olhos.  Você as escreverá nos batentes de sua casa e nas portas da cidade”.

Esse texto é conhecido como Shemá   (do verbo   hebraico shamá’  que significa  ouvir,  prestar atenção, entender).   O texto quer inculcar que se Javé é o único Deus, a vida do homem deve ser  única, isto é, indivisível. É pertença única de Javé.  O homem deve expressar sua adoração  através de um amor total que penetre na consciência ( = coração),  envolva todo o seu ser  ( =alma) e todas as suas ações  (= força). Esse amor total a Javé  deve ser permanente:  vivido em todas as situações  ( = de pé, andando, deitado),  envolvendo  todos os pensamentos  ( = faixa entre os olhos) [= filatério: Mateus 23,5],  ser vivido plenamente tanto na vida familiar  ( = batentes da casa)  quanto na vida social ( = portas da cidade).   A vida deve ser um ato  de constante amor a Deus e ao próximo.  Essa é a grande teologia, ou o núcleo teológico do Deuteronômio.
Desse texto procede o costume  de os judeus  homens usarem os filatérios na oração da manhã (exceto aos sábados e festas).  Filatérios são duas correias finas, amarradas  a uma caixinha quadrada,  dentro da qual estão quatro pequenos textos do Pentateuco escritos com letra bem miúda em pergaminho.  São estes os textos:  Êxodo 13, 1-10;  Êxodo  13, 11-16;  Deuteronômio  6, 4-9 e Deuteronômio  11, 13-21.  Uma das correias amarra a caixinha à testa  e a outra desce pelo ombro, enrola todo o braço esquerdo  e a mão esquerda.  Esse costume quer traduzir praticamente o ensino do Shemá (vers. 8): a Palavra de Deus deve penetrar a mente , as intenções e os pensamentos ( = faixa entre os olhos),  passar pelo coração (interiorizar) e sair pelas mãos ( = as obras concretas e o testemunho.                                                                              
De importante ainda  nesse texto  é a insistência na catequese familiar (vers 20-25).  A religião, a vida religiosa, se ensinam com o testemunho de  pai para filho.

Capítulos 7 e 8
Israel é o povo escolhido. Deve manter fidelidade a Javé na Terra prometida se quiser receber sua proteção.  Essa fidelidade vai exigir luta constante contra a idolatria  -  que era a grande tentação do povo. Israel é um povo pobre e fraco, mas escolhido e libertado  para ser um sinal de vida, de liberdade e de fraternidade.  Não deve se orgulhar disso, porque tudo o que é e tem recebeu gratuitamente de Deus (8,17).

Capítulo 9
O povo não pode deixar-se enganar pela auto-suficiência.  A conquista da Terra prometida, as vitórias alcançadas, são dom de Javé e não  mérito do povo.  Deus rejeita a auto-suficiência

Capítulos 10 e 11
Esses capítulos . concluem a introdução:  por tudo o que recebeu, o povo deve servir a Javé e ser fiel a ele sempre.  O empenho do povo é sublinhado pelos verbos: temer, andar e servir ( 10, 12-13).
No capítulo 11, 18-21  vem repetida a fórmula do Shemá (6, 4-9) E são invocadas bênçãos e maldições: bênçãos sobre os que observarem sempre (=  “ hoje”  vers. 26) a Lei, e maldições sobre os que a transgredirem ( 11, 26-32). Esse capítulo 11 salienta que o verdadeiro processo educativo consiste em transmitir as experiências concretas vividas pelo povo. Por isso faz memória histórico-libertadora da tradição religiosa.

 O Código deuteronômico ( 12 - 26)
É a parte central do livro.  Esse texto nasceu certamente no reino do norte  pois mostra  grande afinidade  com os textos dos profetas que pregaram naquele reino, especialmente Oséias e  Elias.  O Deuteronômio, assim como os profetas, é fundamentalmente contra a religião dos cananeus e é bastante nacionalista.  Os lugares mais importantes que o Deuteronômio  assinala, como por ex.,  os montes   Ebal e Garizim, estão no  norte.  Esses montes são chamados os montes das bênçãos e  das  maldições  (Deuteronômio  11, 29 -30;  27, 4. 11-26; Josué 8, 32 - 33).    O texto do Deuteronômio nunca faz menção ao messianismo do sul. O povo do norte sempre foi arredio   a tal  idéia .
A redação,  principalmente  dessa parte central , foi feita certamente por algum levita do norte.  Quando o reino do norte foi destruído pelos assírios ( 722 aC),  o rei Ezequias  -  do sul  - ( 715-687 aC)  tentou reunificar o país a fim de restabelecer a antiga unidade do reino de Davi e Salomão (perdida com a divisão do reino feita por Jeroboão I. Veja  1Reis  12).  Certamente ele queria ser o único rei.  Na reforma religiosa que queria promover, incluiu a revalorização  das tradições do Norte e do Sul.   Nessa ocasião é provável que uma cópia do Deuteronômio tivesse sido levada para Jerusalém, pois Ezequias  combatia duramente a idolatria - como  o faz  o Deuteronômio.  Esse texto vindo do Norte constitui a primeira edição do livro;  a esse texto foram acrescentadas outras partes no Sul, por Ezequias.  Esse conjunto passa a ser a segunda edição do livro.
Ezequias começou  reformar o Templo de Jerusalém mas precisou interromper a reforma porque o rei  Senaquerib da Assíria (701 aC) invadiu Jerusalém e obrigou Ezequias a pagar-lhe tributos  para que  ele não destruísse a cidade  (veja 2Reis 18,23—19,35).  Com isso   o Deuteronômio foi escondido no Templo.  O rei Josias (640 - 609 aC) ,  sucessor de Ezequias,  retomou depois os trabalhos no Templo   e  encontrou  o livro escondido (2Reis 22, 8).  Esse texto, dizem os especialistas hoje,  era o Código deuteronômico (capítulos 12 – 26)  com mais os acréscimos de Ezequias.  O rei aproveitou  o achado e motivou com ele uma reforma religiosa. A esse texto, os escribas acrescentaram  elementos históricos ( capítulos 1—3;  4,41 - 43;  9,11—10,11 e 31, 1-8),   elementos  teológicos  (10,12 – 11, 32;  29, 1- 28) e documentos tradicionais  (27;  32—33).  Esse  texto se torna a terceira edição do  Deuteronômio. 
No exílio foram acrescentados  outros elementos ao Deuteronômio tais como  reflexões sobre o motivo do exílio;  aparece então a quarta edição do Deuteronômio. E finalmente, no retorno do exílio, no tempo de Esdras, são dados os últimos retoques ao texto, com narrativas eloístas (31, 14-23) e sacerdotais ( 1,3;  32, 48- 52; 34).  Assim aparece a quinta edição do Deuteronômio que é a atual, que está na Bíblia.

 Síntese dos capítulos do Código deuteronômico:
  • Capítulo 12:  proibição de adorar  outros deuses; a  adoração de Deus   deve ser feita no seu único santuário. Um só Deus, um único santuário.
  • Capítulo 13:  sobre a presença do profeta no meio do povo; proibição de cultos cananeus. Evitar a idolatria. O profeta é aquele que vigia sobre a observância da Lei.
  • Capítulo 14 :  trata dos funerais,  dos  alimentos puros  e impuros , das oferendas e dos dízimos  para os excluídos ( 14,22-29).
  • Capítulo 15:   sobre o ano sabático como projeto de correção da caminhada para 
  • Capítulo 16:   trata das festas religiosas: Páscoa, Shavuôt (  = Semanas),  Sucôt  ( = Tendas) e Ázimos.  Traz  proibições   sobre o uso de símbolos religiosos supersticiosos, idolátricos e fálicos.
  • Capítulo 17:  Sobre a organização do Estado;  sobre os sacerdotes como membros do tribunal;  os limites do poder do rei.
  • Capítulo 18:   trata do papel dos levitas itinerantes  -que não tinham
  • Código do Deuteronômio apenas exorta à oportunidade no ministério e por isso saíam a pregar  (31, 9 - 13).
  • Capítulo 19: leis civis a respeito dos homicídios, das cidades -refúgio, sobre fronteiras e demarcação de terras.
  • Capítulo 20:  trata das guerras,   dos despojos de guerra ( heren)  e da ecologia (vers. 19).
  •  Capítulo 21:  a respeito dos homicídios não identificados, sobre casamentos, filhos rebeldes e sobre a execução de criminosos.
  •  Capítulo 22 :  sobre leis humanitárias, cultuais, sobre família, respeito pela mulher e sobre relações ilícitas.
  •  Capítulo 23: sobre a admissão na comunidade de Israel: impedimentos; os escravos, os empréstimos, os votos.
  •  Capítulo 24: leis sobre o divórcio, sobre a família, a liberdade e a justiça no trabalho  e em relação com os  oprimidos ou pobres.
  •  Capítulo 25: leis sobre o levirato (levir quer dizer cunhado. A lei obrigava o cunhado casar-se com a cunhada se o irmão dele morrera sem deixar filhos. Veja também em Mateus 22,23-33).
  •  Capítulo 26:  Epílogo ou fim do Código.  Nesse epílogo, os versículos 5 - 10  constituem o chamado “Credo Histórico” do  povo judeu. Esse nome foi dado pelo biblista alemão Gerard von RAD,  pois,  de fato,  aí está resumida toda a fé histórico-teológica do Povo de Deus: eleição de Abraão,  constituição do povo de Deus,  opressão e libertação do Egito  por obra de Javé, promessa e dádiva de uma Terra.  O “credo” de Israel professa e reconhece o Deus vivo e libertador presente e agindo na História.  Esse “credo” era recitado por todo israelita  diante do altar de Deus enquanto oferecia um cesto com os primeiros  frutos que colhera  (= as primícias). O Código apenas exorta à observância das leis;  não é uma promulgação de leis;  nisso ele difere dos códigos antigos  que eram essencialmente legislativos. Insiste esse Código no culto a Javé e no seu único santuário (o de Jerusalém). Para esse Código, a lei é uma obrigação  que deriva da Aliança;  mas não é somente isso, mas muito mais: a lei é um dom de Javé.  Ele mesmo é quem se revela como o libertador de Israel. Esse Código com suas leis, e sua conservação através dos tempos, foi obra de   levitas itinerantes  e de sacerdotes.  Eles são muito lembrados no livro.
  • Capítulos 27 – 34:  Conclusões e exortações finais
  • No capítulo  27 está o conjunto das “12 maldições”,  e no capítulo 28, as “10 bênçãos”  mais as maldições finais! [ Como foi dito, o núcleo central do Deuteronômio é a Lei de Deus e sua observância: quem a observar será abençoado por Deus, e quem as desobedecer  será amaldiçoado.  É a teologia do deuteronomista].
Cap.   29,1—30,20       
No capítulo 29 começa o “terceiro discurso” de Moisés.  Vem dito que  “Moisés” convoca todos os israelitas  à observância da Lei dizendo que a Aliança obriga todos os israelitas, presentes e futuros.
No capítulo 30  está o sumário de tudo o que o livro vinha inculcando, insistindo:  se houver obediência à Lei, haverá bênçãos para o povo; se houver desobediência,  haverá maldições.  Esse é o refrão do livro (Dt 30, 15-20).

Cap. 31—34:  apêndice
No capítulo 31 está a narração sobre o substituto de  Moisés:  Josué.  O capítulo 32 traz o “Cântico de Moisés”  que lembra toda a história do povo de Deus.  O capítulo 33  traz a “Bênção de Moisés” sobre as tribos.  É um dos hinos mais antigos da Bíblia. E finalmente o capítulo 34  relata a morte  de Moisés e sua sepultura  “ misteriosa”,  como a indicar que no projeto de Deus as pessoas são importantes, mas não insubstituíveis. Importante no projeto de Deus é dar seqüência  ao seu plano e não idolatrar pessoas.

 4.  Aspectos teológicos do Deuteronômio
            Deuteronômio vem a ser uma readaptação da Lei  em vista da vida do povo de Israel já na Terra prometida. Adapta a Lei aos novos tempos e à nova situação do povo.
Como livro, surgiu bem depois da situação histórica que relata ( fala em “tempos de Moisés”,  “discursos de Moisés”, etc.)
 A linha teológica do autor é a de mostrar  que o povo deve sempre se converter a Deus  para viver sempre com ele na Aliança e assim ter vida (no caso concreto: a posse da Terra prometida).
A linha teológica do livro mostra então que o povo será feliz e abençoado  se observar a Aliança;  será amaldiçoado e infeliz se desobedecê-la ( 27, 11 – 28,14).
É muito forte no livro a insistência de que a Lei (ou Decálogo, Dez Mandamentos)   só tem valor e sentido  se for observada com amor.  Um amor verdadeiro, nas relações com Deus, com o próximo e com a natureza. O livro faz  longa catequese  nos capítulos   12 – 26  para explicar isso. É   o conjunto chamado “Código deuteronômico”.  Esse amor deve envolver toda a vida:  pessoal, política, social e religiosa                                                                   
A finalidade do livro não é a de transmitir leis mas a de propor uma dinâmica para realizar o projeto de Deus: a sociedade nova (diferente daquela do tempo do autor:  enriquecimento e desenvolvimento de um lado, e de outro: miséria e injustiças).  Essa sociedade nova está baseada na fraternidade e na partilha.
É significativo que o livro dê, indiretamente, a Deus o título de “pai” (1,31;  8,2-5; 14,1).   Também chama o povo de Israel de povo de  “irmãos” (15,3. 7. 12;  18, 2;  22, 1-4  etc.  A vocação do povo é a da  fraternidade. Onde há fraternidade há necessariamente justiça e partilha. ( Daí que esse livro torna-se modelo de ação pastoral e social).O livro, como  doutrina , tem origem  na catequese feita pelos levitas itinerantes  (veja  18, 6-8),  isto é, aqueles levita que não atuavam no culto.  Sem possibilidade de atuarem no ministério levítico no Templo (por causa do grande número de sacerdotes  e de famílias sacerdotais influentes e dominantes), tais levitas saíam a catequizar o povo em contínuas andanças pelo país.  Da catequese deles é que nasceu o livro. Em sua catequese  eles sublinhavam  a necessidade  de se superar as grandes diferenças sociais  que geravam conflitos:  de um lado, como foi lembrado,  havia grupos muito ricos, privilegiados, e de outro, o mundo dos pobres e marginalizados,  como os órfãos, os pobres,  as viúvas, os levitas itinerantes  (veja  por ex. 12, 12. 19;  14,27;  16,11 etc.).  Os levitas itinerantes, vivendo como viviam a vida dura e sofrida do povo,  podiam muito bem defendê-lo.  As leis, ensinavam  eles,   deveriam educar o povo e as autoridades para levá-los todos a uma luta comum pelo bem estar e felicidade do povo, ou seja, para  a construção de uma sociedade  justa e fraterna   como quer Deus.  Somente assim haveria coerência entre  Aliança com Deus e a vida que se levava.  Esse era o grande desafio enfrentado pelos levitas  itinerantes, como vai ser também a grande proposta do Deuteronômio.
O tema fundamental do Deuteronômio é sem dúvida a Aliança. Ao redor desse tema gira todo o livro, tentando definir o que vem a ser essa Aliança,  qual seu significado, os motivos, os modos de vivê-la etc.  Deus e Israel são os protagonistas da Aliança.  Deus é o centro, é o Senhor do universo ( 10,14), da natureza e dos povos; foi ele quem deu a Israel  a terra.  Esse Deus, que é o Deus dos patriarcas  e que revelou o seu Nome,  foi ele mesmo quem escolheu Israel como  seu povo  eleito.  Por ser o Povo eleito,  Israel   participa da aliança com Deus ; uma aliança  proposta por Deus e aceita como compromisso pelo povo..  A eleição de Israel como povo de Deus não tem origem em suas qualidades ou dons especiais;  pelo contrário,  o  povo era um povo humilde, pequeno e dominado. O fundamento da eleição está na vontade  benigna e livre de Deus. É  dom gratuito (7, 7-16).  [ Mais tarde, inspirado nesse tema do Deuteronômio,  São Paulo vai desenvolver o tema da eleição como dom gratuito de Deus, na Carta aos Romanos (Romanos capítulos 9 e 10)]
Mesmo a estrutura  social  e religiosa do povo de Israel  é dom de Deus, segundo o Deuteronômio.  Desse modo, o profeta é aquele que falará  em seu nome  (18, 9—19);  o culto  será realizado no “lugar” que Javé   mesmo escolheu (12, 2—13); o rei, chefe do povo,  é escolhido também por Deus ( 17,5).   Porque escolheu Israel, Deus permanecerá junto dele para sempre, mesmo com suas infidelidades.  Toda a história de Israel está alicerçada em sua escolha por Javé e  na amorosa presença dele no meio de seu povo.  O  Deus de Israel é, porem, um Deus exigente também. O seu dom, a sua escolha exigem  resposta.  Origina-se então o empenho da Aliança.   A observância da aliança é a resposta livre e fiel à misericórdia e ao amor gratuito de Deus.  Esse empenho do povo vem expresso em Deuteronômio 10, 12—13:
“E agora, Israel,  o que é que Javé seu Deus lhe pede? Somente isto: que você tema a  Javé seu Deus.  Que ande em seu caminho e o ame. Que sirva Javé seu Deus com todo o seu coração e com toda a sua alma. E que observe os mandamentos de Javé e os estatutos que eu hoje lhe ordeno, para o seu bem”.
Tal empenho do povo para com Deus pode ser resumido em duas atitudes:  fidelidade ao Javismo e obediência  à  sua Lei.  O monoteísmo é exigido uma vez que o povo já teve experiência com o único Deus.  A obediência à Lei não pode ser conseqüência do medo, do temor, mas sim do amor a Javé, único  Senhor e libertador. [ Essa temática do amor para com Deus é uma novidade no Antigo Testamento e muito específica do Deuteronômio (10,12;  11,1. 13. 22;  13,4;  19,9;  30, 6. 16. 20).  Esse espírito do Deuteronômio  está presente também no Levítico  (Lv 19,18)  e vai  marcar  também o Novo Testamento. Jesus vai citar o  Levítico  quando falar sobre o preceito de um amor total;  vai ampliar porém o conceito de amor  (Mateus  5,  43–45).
Finalmente: o Deuteronômio traz  a fórmula de fé mais profunda de todo o Antigo Testamento (6, 4 - 9): é o Shemá  Israel (= Ouça, Israel). Essa fórmula é recitada ainda hoje pela comunidade hebraica ortodoxa.. Traz também a profunda e bela profissão histórica da fé do  povo de  Israel  chamada “Credo histórico”,  que é o artigo de fé mais antigo de Israel ( Deuteronômio  26, 5 –10).
A ótica do Deuteronômio e dos levitas estimula os cristãos de hoje a usarem o Evangelho como fermento para a geração de uma nova sociedade. Tarefa dura e difícil, sem dúvida, mas indispensável e necessária. Por isso  o Deuteronômio tem muito a ver com a pregação de Jesus Cristo e da Igreja hoje.


                                                                                                                                                        
                                    

                                     BIBLIOGRAFIA BÁSICA USADA

1.                           Coleção “COMO LER”: O livro do Gênesis; O livro  do Êxodo; O livro do Levítico; O livro dos Números; O livro do Deuteronômio. PAULUS. T
2.                           SCHWANTES, M. Projeto de Esperança. Meditações sobre Gênesis 1-11.  Petrópolis: Vozes-Sinodal 1990.
3.                            MESTERS, C. Paraíso terrestre: saudade ou esperança. Petrópolis: Vozes, 1990
4.                            CIMOSA, M.m Gênesis1-11. A humanidade na sua origem. São Paulo: Paulus, 1985
5.                            GARCÍA LÓPEZ,  F. O Pentateuco.. São Paulo: Paulinas
6.                           STRABELI, M. Bíblia: perguntas que o povo faz.  São Paulo: Paulus, 2009
7.                           ALBERT de PURY (org.). O Pentateuco em questão. As origens e a composição dos cinco primeiros livros da Bíblia à luz das pesquisas recentes. Petrópolis: Vozes, 1996
8.                           CRÜSEMANN,  F. A Torá. Petrópolis:  Vozes, 2002
9.                            AVIEZER, N. No início. A criação na Bíblia e na ciência.  Rio de Janeiro: Exodus 1996
10.                       CENTRO BIBLICO VERBO,  Deus viu que tudo era muito bom (PAULUS 2007)
11.                        SUSIN,  L.C A criação de Deus. São Paulo:  Paulinas, 2003
12.                       KRAUS, H; KÜCHLER, M.  As origens. Um estudo de Gênesis 1-11. São Paulo: Paulinas 2007
13.                       FALCÃO, W. Conversa sobre a fé e a ciência, Rio de Janeiro: Agir, 2011

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                                               Frei Mauro Aristides Strabeli
                                                              Birigui, março de 2012
                                                              strabeli@uol.com.br





[1] O nome faraó é egípcio (par´oh ou também Per-âa) e significa casa grande, palácio. Não é um nome pessoal, mas um título dos reis do Egito a partir da 18ª dinastia (séc. 16 a.C.)
[2] Cf. J.PLASTARAS, Il Dio Dell´Esodo (Turim, 1977), pp. 84-100

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