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sábado, 31 de março de 2012

TEXTOS FREI MAURO STRABELI (MARÇO 2012): "MAR VERMELHO"

“Mar Vermelho” há nove passagens narrativas. Em todas a palavra é “Sûf” (taboa). Nas  mais de vinte aparecem apenas “Yam” (mar).

Êxodo

I.   “Êxodo: libertação e Aliança. Javé liberta, faz Aliança e forma o seu povo”

1.             Sem liberdade não há povo que se autodetermine, organize, viva, tenha valores e cultura. O livro não é apenas o relato de um fato passado. É modelo inspirador: como um grupo humano luta para encontrar seu espaço, seu lugar e assim constituir um povo.
2.             Toda a luta narrada tem um fundamento, uma base, uma mística: a fé nem Deus vivo e libertador.
3.             O evento do êxodo se torna então um paradigma, isto é, uma referência de todo tipo de libertação de opressões e opressores, ontem e hoje. Não é um relato sobre uma mudança geográfica: um povo que sai de um lugar para outro, mas é um relato sobre uma mudança de vida: da escravidão para a liberdade; uma liberdade conquistada. O relato é gerador de uma nova dinâmica libertadora para o hoje da história. A liberdade é o fermento para todo o tipo de libertação: escravidão, opressão, dependências do pecado (pecado é tudo aquilo que diminui a vida, tudo aquilo que tira a possibilidade da pessoa ou um povo serem felizes).
4.             A fé na força de Deus libertador. Ter fé, crer, é admitir que Deus é vivo e que age aqui na História por meio de nós; que quer liberdade e vida para todos. O Êxodo mostra isso. Deus irrompe na História de Israel e se revela poderoso. O sinal do poder: as pragas, a vitória no Mar Vermelho, o deserto (maná, água, paciência, nuvem, fogo...) e posse da Terra.
5.             O Êxodo é original e tem um “reserva de sentido”, isto é, sua dinâmica, seu sentido, devem ser sempre redescobertos no dia da História (J.Croatto, Êxodo. Uma hermenêutica da liberdade. Ed. Paulinas, SP, 1981, p.37).

Êxodo: significa partida, saída. Historicamente é a narração da saída do povo hebreu do Egito para a Palestina (Terra Prometida). É o segundo livro do Pentateuco.
Libertação: É o estado de liberdade; é vida digna, é autonomia, é autodeterminação. Libertação é a saída, é o arrancar-se da escravidão para viver a liberdade. Constitui o conteúdo do livro.
Aliança: É o compromisso entre dois contratantes: o povo e Deus. Deus ajudará sempre o povo, acompanhando-o na caminhada até à Terra e sempre, e o Povo, por seu lado, cumprirá sempre suas obrigações (relacionamento fiel com Deus e princípios de vida (10 mandamentos, Ex. 19-20) e na prática desse ideal de libertação nos vários contextos sociais (Código da Aliança, Ex. 20, 22-23, 19. Essas leis não foram promulgadas no Sinai; são fruto de uma sociedade já sedentária e agrícola. Foram acrescentadas aqui porque aplicam na vida social o espírito dos mandamentos do Decálogo, que tem por finalidade levar o povo à libertação.
Javé: É o nome do Deus libertador. Javé é um nome  paradigmático; significa em hebraico o Vivo, aquele que é, aquele que existe, aquele que faz ser, aquele que liberta, aquele que é Vida. O povo chegou a extraordinária e iluminada conclusão de que se Deus existe, ele é necessariamente Vida, ele é único, ele é liberdade. O povo toma consciência de sua existência e de sua ação no mundo. É em nome desse Deus Vivo que o povo vai lutar e libertar-se.
Povo: Javé é aquele que faz ser, que dá vida. O povo de Deus é formado pela Aliança; é um povo livre. É aquele grupo humano que se libertou da opressão e se dispõe a viver uma vida de liberdade e responsabilidade.

II.                O livro do Êxodo

Tema: narra a libertação: do Egito (ex) para (ad) Terra Prometida. No meio há o deserto.
Tempo: Os fatos narrados situam-se mais ou meno de 1250 a 1210 aC. A redação do livro porém, é bem posterior: é do século IV aC, feita no exílio (587-539 aC.) a partir das tradições orais e algumas tradições escritas provenientes do século IX aC. – tempo de Salomão.
Autor: o autor do livro é o povo que viveu os acontecimentos e transmitiu para as gerações seguintes. A redação foi feita pelos sacerdotes. Não é Moisés o autor. Ele está, porém, à base dos acontecimentos. A tradição atribui a ele o livro como uma homenagem à sua homenagem à sua liderança e à sua presença como condutor do povo. Esse tipo de atribuição é chamado pseudonimia.
O livro tem 40 capítulos. Está dividido em duas partes: 1ª: do capítulo 1 até o capítulo 20, 21, mais os capítulos 32-34; e a 2ª: do capítulo 35 ao capítulo 40, 38. Os capítulos 20, 22-23, 19 constituem o Código da Aliança. Os demais capítulos são acréscimos posteriores ao livro, não tratam de temas da caminhada.
































INTRODUÇÃO












Este trabalho sobre o livro do Êxodo é bastante simples. São algumas anotações que precisam ser desenvolvidas. Estão abordados apenas alguns aspectos do livro: um pouco de Teologia Bíblica e algumas pinceladas de Exegese. Durante o Curso, outros aspectos serão abordados.
O aspectos hermenêutico deverá ser feito em classe, individual ou coletivamente.
Essas notas são um modesto roteiro para o estudo de um livro tão antigo quanto atual.

Birigui, fevereiro de 2011.
Frei Mauro A. Strabeli.






















Rota do Êxodo segundo Tradição Javista (J)
(mapa)
































Rota do Êxodo Sendo Tradição Sacerdotal (P)

































Rota do Êxodo segundo Tradição Eloísta e Deuteronomista (E/D).






















O ÊXODO














1ª PARTE


“TEOLOGIA BÍBLICA”















INTRODUÇÃO

Há em Israel uma vitalidade de fé, demonstrada de forma impessoal por meio dos ritos, cultos, vida jurídica e etc. e de forma pessoal, por meio dos sacerdotes, profetas, reis, historiógrafos, sábios e etc.
Por meio desses testemunhos pode-se avaliar a fé israelita, ou seja, o seu modo particular de conceber Deus, o relacionamento de Deus com o mundo, o pecado, a salvação.
Isso pode ser conhecido pelos textos. Os testemunhos (que os textos nos oferecem) não áridos tratados metafísicos ou pesquisas sobre Deus, o homem, o mundo, mas se limitam a mostrar que Javé se relaciona com Israel e com o mundo num única perspectiva: a incessante intervenção divina na história.
A fé de Israel tem – por isso e antes de mais narrada – fundamentos histórico-teológicos. É uma fé consciente de sua base alicerçada sobre fatos históricos, de ser plasmada com os eventos, onde aparece a mão poderosa de Javé. Mesmo nos livros onde isso não aparece com clareza (por exemplo, alguns Salmos, o livro de Jó, Qohélet), os historiógrafos ou os hagiógrafos fazem ver nesses escritos as tentações do homem de não reconhecer – em certas ocasiões – a mão de Javé ou a intervenção de Javé.
É claro que esse “aferir a intervenção histórica de Javé” não é feito por todo o povo de Israel, mas sim por um grupo, por uns poucos, por uma liderança. Essa interpretação de um Deus que vai agindo na História vai-se cristalizando em certos temas centrais que se constituem nas chamadas “confissões de fé” do Povo. Essas “confissões de fé” já desde o princípio ligavam o nome de Deus com uma sua intervenção na História.
Uma das mais antigas fórmulas dessas Confissões de fé, e também das mais difundidas é esta:
“Javé arrancou Israel do Egito”.
E a mais importante dessas confissões de fé é o chamado “CREDO HISTÓRICO” do Deut. 26, 5-9 (que tem todas as características de um texto antiqüíssimo):

“Meu pai era um arameu errante: ele desceu do Egito e ali residiu com poucas pessoas; depois tornou-se uma nação grande, forte e numerosa. Os egípcios, porém, nos maltrataram e nos humilharam, impondo-nos uma dura escravidão. Gritamos então a Javé, Deus dos nossos pais, e Javé ouviu a nossa voz: viu nossa miséria, nosso sofrimento e opressão. E Javé nos fez sair do Egito com mão forte e braço estendido, em meio a grande terror, com sinais e prodígios, e nos trouxe a este lugar, dando-nos esta terra onde corre leite e mel” (Deut. 26, 5-9).

Esse texto – como diz Von Rad – não é uma oração, pois faltam-lhe a invocação e o pedido; mas é uma confissão de fé: recapitula os principais fatos da História da Salvação desde a era patriarcal (arameu = Jacó) até a conquista da terra prometida. Tudo sob poderosa ação da mão de Javé.

(Cf. G. VON RAD. Teologia  do Antigo Testamento, 1. São Paulo, 1973, p 114-136).

1.      Deus na História

A)    O ângulo hebraico de visão da História

A visão hebraica de História é muito diferente da visão dos povos que lhe eram circunvizinhos. Estes encaravam a História como o relato dos feitos heróicos que glorificavam o povo; por isso mesmo omitiam tudo o que desabonasse o povo. Assim, por exemplo, são os Anais dos reinos do oriente. Cantam as epopéias nacionais, as vitórias, apenas. As derrotas omitem.
O Povo de Israel vê a História diferentemente. As narrações, por exemplo, do Êxodo, não glorificam em nada o povo. Pelo contrário: sublinham a culpa dos sacerdotes, dos chefes e etc. Por exemplo, Ex. 24, 14: Moisés é culpado; 14, 11-12: povo reclama contra Moisés; 16, 2 ss.: reclamação contra os chefes e etc. No Deut. 32, 51, Moisés, que era o chefe, é castigado por Deus, porque pecara.
O núcleo das narrações históricas de Israel é o sublinhar a força poderosa de Javé que age na História. Então, para Israel a História é importante só porque narra as ações de Deus. A História é mais uma proclamação da fé num Deus libertador, como em Deut. 26, 5-9.
Essa fé funda-se nos acontecimentos da História, dirigidos por Deus; concepção mui diversa da dos povos do Oriente de então, para quem os deuses não agem, mas são personificações das forças da natureza. Para Israel, Deus fala na História. Todo acontecimento é Palavra de Deus. A Palavra de Deus segundo a Bíblia, nunca é estática, mas dinâmica: produz efeito (Cf. Is. 55, 10-11). Por isso o Gênesis diz que as coisas, o mundo, passaram a existir pela Palavra de Deus: “E Deus disse [...] e foi feito”. A concepção bíblica de História é pois uma concepção linear: as coisas vão acontecendo e não há repetição: em cada coisa que acontece (ou que parece repetir-se) há uma novidade. Traz algo diferente, de tal forma que é já algo novo – que a linguagem bíblica chama de “kairós”, isto é: novo.
Para o israelita todo evento é incarnação da Palavra de Deus. Como a História é feita pelos eventos, segue-se que todo evento é salvífico; Deus salva o homem na História. (Por isso o Novo Testamento vai dizer que o máximo evento foi a máxima Palavra salvadora: Jesus Cristo. “A Palavra estava em Deus [...] e a Palavra se fez carne” (Jô. 1, 1.14).

B)    O Êxodo

Com o Êxodo Deus irrompe na História de Israel e se revela poderoso:

·         Pelas pragas.
·         Pela vitória no Mar Vermelho.
·         No deserto (mostrando-se ao povo com ações de amor: maná, nuvem, água e etc.).
·         Pela destruição dos exércitos inimigos.
·         E pela doação da Terra Prometida.

Essas obras mostravam a luz da fé que Javé era Salvador e misericordioso. Não que Javé apenas se revelava pelo evento e depois se calava, mas pelo contrário, todo evento, toda Palavra de Deus deve ser sempre reinterpretado, reinterpretada, atualizados, pois são instrumentos da salvação – já que a salvação está na História. Por isso os eventos bíblicos, por exemplo, o Êxodo, são acontecimentos do Hoje da salvação. Devem ser continuamente interpretados, atualizados.
O “intérprete”, o hermeneuta é o profeta. Por isso Moisés é chamado “Profeta” (Deut. 34, 10): ele mão só falava com deis e sobre Deus e em nome de Deus, mas principalmente ele lia nos acontecimentos (para o seu povo) a ação salvífica de Deus. O mesmo farão tarde os profetas de Israel.
Daqui se pode dizer com certeza que as tradições do Êxodo são mosaicas; não no sentido de serem narrações de Moisés, ou do tempo de Moisés, mas porque são veículos das intuições da fé de Moisés que interpretava os acontecimentos. Foi ele quem intuiu e deu o primeiro significado dos fatos. É o que vão fazer – como dissemos acima – os profetas de Israel também: reinterpretar o fato salvífico de Deus na História e ser fiel à Aliança: se Deus prometeu salvar o povo, Ele é fiel e salvará; agora é preciso o Povo entender a sua Palavra nos acontecimentos. Então os profetas – como Moisés – ajudavam o povo a ler nos fatos essa atuação salvífica de Javé.
Daí o fato de ser o livro do Êxodo, ou o Êxodo, o centro ao redor do qual gravita toda a vida de Israel. É o Êxodo, um “Evangelho”, isto é, o anúncio da Boa-nova que javé fizera pelo – seu Povo: salvação.
Não é então importante no livro do Êxodo (como em outros da Bíblia) a exatidão histórica dos fatos narrados. Mas a sua interpretação. Pequenos substratos históricos, por exemplo, foram depois desenvolvidos e interpretados. Por exemplo: as pragas. São sem dúvida resíduos, substratos de tradições antigas, e até diversas. O importante era a interpretação: Javé atuou em nosso favor contra o Egito opressor. (Se a gente conferir a redação das pragas, ver-se-ão muitas incongruências, por exemplo, Êx. 9, 6 e Êx. 9, 11: os animais todos morrem de peste e logo em seguida morrerão todos pela chuva de pedra (granizo). Então: morreram quando? E de que morreram afinal? Por aí se vê que são tradições diversas unidas, ou reunidas, para mostrar uma finalidade: uma intervenção especial de Javé em favor do povo).
Os hagiógrafos, os redatores do Êxodo estão muito longe do tipo de historiador moderno. Eles não são causas, motivos, razões ou elementos para se identificar as pessoas, os acontecimentos. Interessam-se pela História, apenas como lugar da revelação de Deus:
O Êxodo resume toda essa interpretação da História, através das “Fórmulas” ou “Confissões de Fé” – como acima foi dito.
A mais antiga é a citada fórmula: “Javé arrancou Israel do Egito”. Há outras: “Javé que falou aos Patriarcas”, “Javé que prometeu aos Patriarcas a terra [...]” e etc. São fórmulas mais breves e como que conclusões epiclésicas (como o nosso “Glória ao Pai [...]”).
Além da mais antiga, das fórmulas mais breves, há também a mais importante, que é aquela de Deut. 26, 5-9, que é a mais uma reflexão sobre o Deus da História do que uma reflexão teológica.
Uma confissão de fé semelhante a essa é a de Josué, 24, 2 ss. Parte dos Patriarcas até chegar à Terra Prometida.
Esse fio teológico-histórico de um “deus Libertador” que o Êxodo oferece, é retomado pelos Salmos. Por exemplo, salmo 78, 12-55; e Judite 5, faz novamente um sumário histórico da fé histórica de Israel.
Esses dois textos citados, o salmo 78, e Judite 5, se não podem ser considerados verdadeiras fórmulas de fé como a do Deut. 26, 5-9, todavia mostram claramente o caráter sacro da história da salvação.
O ponto de chegada dessa História Sacra é a libertação (e a posso da Terra). A História é Sagrada (para a Bíblia) não porque relata eventos ou coisas sagradas, ou obras de pessoas santas, mas sim porque ela é o lugar teológico da revelação de Deus.
O povo libertado e senhor da Terra deve continuar de ora em diante, livre e  senhor. Será escravo quando quiser, pois Javé já o libertou. E a maneira de continuar livre e senhor, é ser fiel à Aliança.
Até a posse da terra (libertação) foi Javé quem dirigiu o povo. Uma vez liberto e senhor da terra, o povo é quem decidirá. Javé se retira. Se não houver fidelidade, haverá novamente escravidão (exílio).
E sabemos que o Povo uma vez liberto e tornado senhor da terra, esqueceu-se da fidelidade ao Deus Libertador. Novamente é feito escravo. Desta vez no exílio assírio e mais ainda no exílio de Babilônia. Esqueceu-se o Povo da História do Êxodo e da Libertação de Deus.
Todavia Deus volta a libertar seu Povo. No exílio Ele se mostra ainda Libertador; faz um NOVO ÊXODO: Deus não quer ninguém escravo. A História bíblica recomeça; o fio cortado da fidelidade a Javé e da liberdade é retomado. E Deus falou no Exílio pelos profetas Ezequiel e Deutero-Isaías. Interpretaram o evento, e propuseram para o povo um Êxodo, nova libertação, nova Aliança.

2.      O ÊXODO, TEMA CENTRAL DA HISTÓRIA DA SALVAÇÃO

Há uma sinonímia profunda entre salvação  e libertação. A salvação está na libertação. A idéia é bíblica e é expressa pelo Êxodo.
O êxodo mostra três níveis nesse caminho de Salvação-Libertação: o histórico, o político e o religioso:
“[...] Recordai-vos sempre do dia em que saístes do Egito, da casa da servidão, porque foi com a sua poderosa mão que o Senhor vos fez sair” (Êx. 13, 3).

·         Nível histórico – é o fato histórico em si; a saída do povo hebreu, como tantos outros povos que migravam. A História pode comprovar o fato.
·         Nível político – é a interpretação da saída: um passar da escravidão para a liberdade.
·         Nível religioso – a saída acontece por obra, ação de Javé Poderoso.

“Desse modo, de um dado histórico comprovável (migração) que se eleva à categoria política (a libertação), chega-se a um nível mais alto: sua significação religiosa (a salvação por Deus)” (Cf. J. LLOPIS, O anúncio da libertação na Liturgia, em Concilium 1974, n. 1, p. 211 ss.).
Não são níveis justapostos, mas um e mesmo acontecimento com três componetes importantes e que se completam. O fato ou nível único é: Javé agindo na História. A libertação do povo  é a salvação feita por Deus.
A fé nesse Javé Libertador é que vai informar a concepção de História do povo de Israel.
À luz do êxodo é que relê, repensa toda a sua história e mesmo revê seu compromisso de fé. (O livro do Gênesis, por exemplo, é elaborado a partir da experiência do Êxodo. É-lhe posterior).
Além dessa “releitura” das Origens, é também à Luz do Êxodo que Isaías projeta um futuro de esperanças, principalmente pela reflexão profética: Se Deus fez, fará. O profeta explica ao povo o verdadeiro significado dos acontecimentos, o faça conhecer a cada instante o plano e a vontade de Deus (Cf. G. GUTIERREZ, Teologia da Libertação, p. 25, citando O. CULLMANN).
O Êxodo é para Israel a chave da visão do futuro. Os temas do Êxodo: opressão, escravidão, libertação, deserto, estão presentes nas mensagens dos profetas de Israel. Por exemplo, os profetas Amós, Oséias, Jeremias e Ezequiel. A tônica da pregação deles é: Israel rejeitou  a libertação, quebrou a Aliança e escravizou-se aos ídolos. Por isso Israel será de novo levado ao deserto onde Javé havia purificado e desposado (Aliança), e aí no deserto recomeçar a libertar-se e converter-se de novo. E Deus fará assim um Novo Êxodo e uma Nova Aliança, maiores que o primeiro Êxodo e primeira Aliança (Cf. Os. 2, 14-23; Jer. 2, 2; Ez. 20; Is. 43, 18-19; 52, 11-12; 55, 3; Jer. 31, 31-33). Pois Deus é Javé Libertador e não quer a opressão ou escravidão. Ele é Javé, isto é, aquele que estará sempre com o Povo. (E o Novo Testamento completará essa idéia de libertação prefigurada no êxodo, por meio de IESHUÁ, Jesus, que quer dizer Salvador, Libertador. O Êxodo foi o paradigma que encontra seu cumprimento e plenitude na obra de Cristo. Sua morte e Ressurreição são o verdadeiro e definitivo Êxodo (Lc. 9, 31; Jô. 13, 1).

3. OPRESSÃO, ESCRAVIDÃO E LIBERTAÇÃO

A)    Tensão: Escravidão-Libertação
Sacudir a escravidão e libertar-se é o primeiro artigo da fé em Israel: “Nós éramos, no Egito, escravos do Faraó, e do Egito Javé nos tirou com mão poderosa” (Deut. 6, 21).
A opressão é sempre exercida por quem tem poder. Qualquer poder que seja. Quem tem poder, de início acolher, promete, e até ajuda (Cf. as “plataformas” dos políticos). Depois, “vira a mesa”: domina e  oprime.
Isto está claro no livro do Êxodo: o Egito fora de início, acolhedor; de acolhedor passa a opressor.
Por isso, ensina o livro, não há uma SAÍDA da escravidão, mas uma LIBERTAÇÃO; dos opressores não se “sai”, mas escapa-se, liberta-se sacudindo o jugo. (Isso é bem caracterizado pelo verbo hebraico: “yasa”: significa fazer sair, e não apenas “sair”). É só a experiência de escravidão que dá força e sentido à libertação. Sem escravidão, toda a soteriologia é inócua, sem sentido.
[ Nesse sentido, podem-se comparar os estudos sobre a Teologia da Libertação, dos teólogos europeus e dos latino-americanos. É muito diferente falar de opressão um teólogo europeu e um latino-americano. Quem não vive a escravidão não dá valor à luta desesperada do escravo para libertar-se].
A escravidão-opressão é descrita em muitos textos na Bíblia:

·         Êx. 20, 2: “Eu sou o Senhor teu Deus, que te fez sair da terra do Egito, de uma casa de escravidão”.
·         Deut. 5, 6: “Eu sou o Senhor [...] que te fiz sair do país do Egito, da escravidão” (ainda Deut. 7, 8; 8, 14; 13, 6-11).
·         Jer. 34, 13: “No dia em que tirei vossos pais da terra do Egito, da casa da escravidão [...]”

No Lev. 26, 12-13 há a expressão “quebrei as cangas do vosso jugo”. “Jugo” significa andar de cabeça baixa (escravo). Deus é aquele que quebra o jugo, isto é, faz andar livremente, de cabeça levantada. (É o sentido da palavra “halaq” em hebraico: caminhas livremente).
Se bem que Deus tenha agido em favor de seu povo, todavia o Povo não conservou a liberdade, não deu valor: escravizou-se aos ídolos; o Povo pareceu fazer questão de ser escravo, conservar-se em dependência. Por isso “voltaram os israelitas a servir Baal” (Jz. 2, 11) e “fizeram o mal, equerceram Javé, servindo a Baal” (Jz. 3, 7). Se Deus fizer tanto pelo povo, em prol de sua libertação e o povo deixava-se levar pela tentação de retornar ao jugo, Deus o abandona também. E o povo volta à opressão no Exílio.
Há uma correlação estreita entre fidelidade a Deus e liberdade. Quando no exílio o Povo volta a ser fiel, novamente Javé o liberta.
Notar que Deus exige ser servido pelo seu Povo e não permite que seu Povo sirva aos ídolos. O termo usado no Êxodo é o mesmo: “’abad”, servir. Todavia, há diferença de conceito: o servir no Egito, ou aos ídolos é escravidão; o servir Javé é libertação. Interessante que Deus livra o povo da servidão para o servir!! Mas é um servir cultual. Já em Êx. 5, 1 a saída (libertação) está ligada a um servir cultual (honrar Javé com uma festa). É um servir que designa o comportamento religioso, ou seja: viver sob a Aliança com Javé.
Não é o “servir a Javé” um servir de escravidão, porque Javé é “da família de Israel”, é parente de Israel. A Bíblia chama esse parentesco de “go’el”, que quer dizer redentor, consangüíneo. De fato Javé é parente de Israel porque é seu Redentor, seu libertador, seu consangüíneo. E mais tarde os profetas vão chamar esse “servir a Javé” de “’abodah”, isto é, adoção filial, amor conjugal. Não é pois escravidão, mas troca de amor.
O Êxodo mostra (como a Torah) que a essência do servir a Javé está na plena liberdade, no ser sempre livre. Seguir ídolos e deuses é escravizar-se; e escravizar-se é deixar de ser livre. A quebra da Aliança é um quebra de fidelidade; na infidelidade está a escravidão. Servir a Deus não é então escravidão, mas plena liberdade.
(Estas anotações estão baseadas na Apostila do Pe. Luiz Alonso SCHOEKEL: Il Tríplice Esodo, curso ministrado no Pontifício Instituto Bíblico de Roma, no ano letivo 1975-1976).

B)    Deus é Salvador dos oprimidos; é libertador

Dentro do esquema “opressão-escravidão-libertação”, as narrações do Êxodo sublinham que Deus salvou Israel porque ouviu o grito do seu povo (Êx. 3, 7-8).
Grito, (no hebraico Sa’aq), é um termo técnico para indicar a reação de uma  pessoa, que impotente diante da justiça pede socorro. (Esse tipo de pedido de ajuda aparece constantemente nos Salmos).
Na sensibilidade judaica esse grito era algo que sempre exigia e tinha resposta (como o grito de uma pessoa que pede socorro quando está a afogar-se). Só uma pessoa desnaturada não atenderia o grito (Sa’aq) do oprimido, do pobre.
Foi depois do Êxodo que Israel entendeu pela sua própria história que Deus era o Justo que atendia o grito do pobre, do oprimido, e socorria a viúva e o órfão, isto é, todos os que são ou podem ser dominados facilmente, porque são desamparados (Cf. Êx. 22, 21-22). Por isso, a ação de Deus ouvindo o grito de Israel, marca toda a legislação israelita, que protege a partir de então o humilde, o pobre, o marginalizado (Êx. 22, 21-27). [Mais tarde, Israel vai esquecer-se de ter sido socorrido e liberto e vai ele mesmo (Israel) oprimir. Daí a intervenção violenta dos profetas, Cf. Am. 2, 6-7; 8, 5-6 e tantos outros].
Foi Durante o êxodo que Israel entendeu a escolha deles, como povo, por Javé: exatamente por serem eles, israelitas, pequenos, pobres, oprimidos; e não por merecimento. [Essa é e será a dinâmica de Deus: proteger os humildes (1Sm. 2, 7-8; Sl. 113, 7-80, ou: Ele é aquele que escolhe os que não são para confundir os que são (1Cor. 1, 27-28)].
No livro do Êxodo, Deus é definido existencialmente: ELE É A FORÇA (porque socorreu o povo fraco, o pobre). Não se define Deus metafisicamente na Bíblia: Deus é conhecido por aquilo que Ele faz  ao seu povo. Deus se define por ação; Ele age no seu povo. O Salmo 20, 1-8 expressa bem essa idéia de que “Deus é nossa força”.

4. DEUS OUVE E FAZ SAIR

O fato de o povo ter saído do Egito não tem maior importância como um acontecimento histórico; pois tantos outros povos também saíram de suas terras e foram para outras. Foi o fenômeno das migrações, comuns, nos séculos XIII-XII antes de Cristo. A Bíblia fala disso, assim como os historiadores e documentos antigos. Se o “sair” de Israel fosse uma dessas migrações, não seria um fato notável. Mas há algo diverso, há algo mais nesse “sair” de Israel:

·         Há um interpelador do povo (Moisés).
·         Há um ato de culto celebrando o evento.
·         Há uma celebração anual para comemorar o fato.

Se de um lado há uma conotação sócio-política: sair do Egito, da escravidão (o que poderia identificar toda e qualquer outra libertação de condições opressoras naquele tempo, como também hoje), de outro lado há uma precisão importante: É Javpe quem faz sair o povo, com mão forte.
Se de um lado o sujeito e protagonista da ação de sair é o povo, doutro lado, o sujeito e protagonista da ação salvífica, do fazer sair, é Deus. São dois aspectos da mesma ação libertadora de Deus (como os três níveis vistos acima). Deus, portanto intervém na História. Então ela se torna sagrada: Deus fala nela com sua presença.
A ação de Deus na História do Povo de Israel se manifestou de modo completo:

·         Ele faz o povo sair;
·         Ele faz o povo sair de (Egito);
·         Ele faz o povo sair de, para (Terra Prometida);
·         Ele faz o povo sair de, para, através de (deserto);

No meio da caminhada da libertação há um elemento novo: o deserto (entre sair de, para). Não há passagem direta para a libertaçãom mas em toda libertação há um “intermezzo” duro, uma ponte: é a prova, a dureza, a queda, as derrotas, as lágrimas, as lutas, a morte.
Esse quádruplo aspecto da ação de Deus tem uma carga teológica muito grande:

·         Deus, que é Deus da liberdade, está ao lado do oprimido para sacudir a opressão; Ele é um Deus de ação; age na História (ontem, hoje, sempre). É o Deus que FAZ O HOMEM SAIR (que motiva).
·         No texto há os elementos que caracterizam aquela opressão:
o   É o Egito: símbolo teológico-bíblico de toda e qualquer opressão; é o símbolo da potência, do prepotente (Is. 19, Jer. 46).
o   É a escravidão: desrespeito aos direitos humanos; é a concretização de poder opressor, dominador. Todo poder, seja político, econômico, social ou religioso, pode levar à escravidão.
o   É a terra estrangeira: imagem da insegurança; não se tem certeza de posse, de direitos; trabalha-se para outros; produz-se para o sistema; para o sistema continuar oprimindo (como hoje as multinacionais e os operários e outros tipos de “terras estrangeiras”).
o   Deus é Aquele que motiva o homem a libertar-se dessa situação concreta de opressão: SAIR DE, LIBERTAR-SE DE (um poder concreto)
·         Se Deus motiva para a libertação de um poder, deve também indicar o termo da libertação. Deus liberta o homem para entrar na posse da liberdade real. É o sentido do “sair”. Sair de, para entrar na posse de. E essa posse é:
o   A Palestina (Canaã): ao contrário do Egito que era a terra estrangeira, Canaã é a terra própria, a nação, o lugar do descanso, do culto, da segurança.
o   A liberdade: isto é, a própria realização, o reverso da escravidão;
o   A terra própria: a segurança pessoal e o futuro garantido.

Todavia nesse processo de libertação há resistência, há dificuldades, há lutas, sofrimentos. No Egito, é o poder político, o Faraó (Êx 1, 8-14), os magos que se opõem à libertação; (Hoje são os poderes políticos, militares, econômicos que resistem à libertação dos povos). Na caminhada, depois de vencido a resistência do poder há a dificuldade do mar para atravessar; há o país dos cananeus para se conquistar com luta (HOJE existem as dificuldades do sistema para se vencer a caminhada de libertação; há o medo, há a policia, há a força dos poderosos). Na caminhada de libertação do povo de Israel o deserto foi elemento de passagem para a libertação, mas foi perigoso: fome, sede, cansaço. (HOJE: há as leis dos fortes para se vencer antes de se libertar; há o perigo da libertação: cadeia, fome, tortura, leis contra os pequenos).
Além de todas essas dificuldades de ordem externa, há a grande dificuldade interna, que é o piro inimigo da libertação: o próprio povo que não libertar-se e que prefere ficar acomodado à escravidão numa segurança enganadora. É o povo que não quer atuar, tornar ato, tornar real, a libertação. Isso, Israel sentiu; isso Moisés enfrentou: “porque não morremos lá no Egito [...] pelo menos tínhamos panelas de carne e pão à vontade [...] por que nos trouxestes ao deserto?” (Êx. 16, 3). (HOJE: mesmo fenômeno: o povo que tem medo de conscientizar-se; preferindo o sossego da escravidão à aventura da libertação; a dureza de se convencer o povo a reivindicar os seus direitos.).
Para atuar essa salvação-libertação, Deus escolhe então um líder, mediador da salvação. Deus age por meio dele. Ontem e hoje Deus agiu e age pelos líderes que dirigem e fazem a libertação do povo. A libertação parte sempre de um líder que interpreta o anseio do povo, do grupo. (Assim, por exemplo, HOJE nas greves, nas passeatas, nos protestos). O mediador, líder, é aquele que INTERPRETA a vontade do povo, e interpreta para o povo o sentido de libertação: dá ao povo o sentido dos acontecimentos. É assim o profeta. Aquele que sabe detectar o sentido do acontecimento. Assim foi Moisés. Assim devem ser os líderes de hoje. Não interpretar a vontade do povo, não saber interpretar o acontecimento e querer liderar o povo, não é liderança e nem profetismo: é demagogia, politicagem, falsidade.

A)    O “SAIR”

Na Bíblia, sair (em hebraico “yasa”) tem sempre um sentido teológico: deixar uma estrutura de segurança para alcançar uma estrutura libertadora definitiva, com o auxílio da mão de Deus Poderoso.
Esse sentido teológico tem uma base antropológica: é próprio do homem o sair de, mudar de lugar, escolher espaços. Especificamente o sair do seio materno é para o homem uma experiência fundamental, embora inconsciente: ele deixa a segurança do seio materno para ganhar a liberdade que ele mesmo vai construir. Essa popularidade: segurança ou liberdade marcará sempre a vida do homem. Tantas vezes o homem renuncia à liberdade, ou ao risco, com medo de perder a segurança.
Se “sair” é algo antropológico, humano, podemos dizer que é também atual e moderno. Daí a atualidade do Êxodo: ele é paradigma hoje para o homem que procura a liberdade, lutando, saindo da escravidão; saindo da pseudo-segurança para o risco da liberdade.

B) O “SAIR DE”

O verbo sair, “yasa”, vem sempre acompanhado do termo “a quo” (donde). Sair de um lugar. No Êxodo, e esse termo “a quo” (donde) é o Egito. Não o país como país, mas o país com a conotação teológica de terra de opressão, de escravidão. Assim é que o Egito vem designado nas confissões de fé do Povo de Israel (Cf. Deut. 26, 8; 29, 24 e etc.).
O Egito é no Êxodo também o símbolo da tentação e do castigo. O povo é sempre inclinado a permanecer no sossego, na segurança, embora na escravidão, mais do que enfrentar os riscos da liberdade total. Assim foi o povo de Israel. Tantas vezes quis retornar do deserto duro, para as “panelas de carne e cestas de pão” da escravidão egípcia (Êx. 16, 3). Foi a tentação. Também com o castigo o Egito é designado na Bíblia: para lá o Senhor re-enviará o povo rebelde; fará retornar a um cativeiro do qual já o libertara (Deut. 28, 68; Os. 8, 13; 9, 3; 11, 5).
Mas um elemento importante é que o Egito, embora opressor, não é condenado por Deus. Deus liberta seu povo do opressor, não é condenado por Deus. Deus liberta seu povo do opressor, mas também quer libertar o opressor da “escravidão do pecado social” que tem cometido. Esse é um ponto alto da soteriologia do Antigo Testamento: o opressor deve também ser salvo. Cf. o contexto de Is. 19, 21-25, até o Egito, opressor, será chamado “Meu Filho [...]”; título até então empregado apenas para o Povo de Deus. É o universalismo da salvação que já lança base no Antigo Testamento. (HOJE: é importante e necessário condenar a opressão, a escravidão e lutar para fazer o povo “sair de”; porém não se deve esquecer de salvar quem é mais pecador, isto é, o próprio opressor. É um desafio hoje para a nossa Pastoral que não deve basear-se apenas nos textos e invectivas de Amós e São Tiago contra os ricos, por exemplo, mas também encontrar o modo de levar-lhes a salvação que Cristo trouxe; fazê-los sair de si mesmos, iniciar o seu próprio Êxodo e alcançarem também a salvação que Jesus trouxe a todos).

C) O “SAIR DE, PARA [...]”

Se o verbo sair tem um termo “a quo” (donde), tem também um termo “ad quem” (para onde). Sair donde e ir para onde.
O termo “ad quem” (para onde) é dado pelo Êxodo: o povo vai para a TERRA PROMETIDA. Possuirá, não será mais escravo dos donos da terra. Terá a sua terra, aquela mesma terra prometida aos Patriarcas. A promessa se torna dom. “Eu te darei a terra a ti e à ta descendência” (Gên. 12, 7; 15, 7 e etc.).
A terra significa então para o Êxodo, o fim do deserto, o fim da vida nômade, o fim do cansaço, do perigo. É a posse, a vida estável, o sossego, o repouso. É o lugar-cenário onde vai-se desenvolver agora a história da salvação do povo, salvação apenas iniciada. A terra passa a ser não só o “escaton”, isto é, o final, o termo, mas também e principalmente “tarefa”, isto é, começo de uma nova história.
Deus manda que o Povo “guarde a sua terra”; não só num sentido militar, mas principalmente que observe a Aliança para desse modo não perder a terra que conquistaram com tanta luta. A terra, para a Bíblia, é pois algo muito bom, é dom de Deus; não é algo       que deve ser temido, evitado. (Isso é importante para se entender a bem-aventurança de Jesus: “Bem-aventurados os mansos porque possuirão a terra”. Isso não é uma alegoria que Jesus faz. A terra é a manifestação da bondade de Deus. A terra é lugar do homem; a terra é o lugar onde se vive; a terra é para usar-se, para viver, gozar e não mero lugar de se suportar sofrimento e alcançar mérito para o céu).

D) PELO DESERTO

1. O deserto-tempo

O deserto tem no Êxodo conotação teológica. É o “intermezzo” entre o sair e o entrar, e ser libertado e o tomar posse.
O Êxodo é uma figura-protótipo da escatologia bíblica-cristã. Mostra muito bem a tensão entre o JÁ salvos e os AINDA NÃO salvos. Estamos salvos, porém ainda não chegamos ao final das salvação, a definitiva e eterna.
E exatamente no meio dessa tensão está o deserto; entre “já” e o “ainda não” salvos do Êxodo está o deserto, assim como entre o “já” e “ainda não” salvos da escatologia cristã está o tempo presente: tempo de tentação, de perigo; mas ponte da salvação. Esse tempo presente é a IGREJA e o trabalho de AÇÃO TEMPORAL do cristão (compromisso social do cristão).

1.1  – O tempo antropológico

É a tensão dinâmica para o futuro; é a força criativa que impulsiona e faz do homem um ser voltado para o futuro. É a “provisoriedade”, pois tem como termo o futuro a construir; mas alcançando o futuro, esse termo não termina ainda: torna-se início novamente, pretende-se mais, deixando na memória e na inteligÊncia as experiências, isto é, o o tempo concretizado como conhecimento, É uma esperança perseverante; há sempre algo mais a se alcançar.
Essa pretensão para o futuro , esse dinamismo escatológico é algo impresindível no cristianismo. O tempo para o cristão é período de maturação (como diz São Paulo). Termina na escatologia, com a Ressurreição.

1.2 – O tempo sociológico

É essa mesma dinâmica, essa esperança, esse futuro, mas vivido pelo grupo. Algo coletivo. Para o cristianismo o futuro começa aqui e termina no pleno relacionamento com Deus (na Ressurreição). Para o marxismo, por exemplo, o futuro é a história que fica. O homem faz, e sua ação permanece na história; a ressurreição dele (ou a sua “vida eterna”) é a sua permanência na história, na memória da história, por aquilo que ele faz. O futuro do homem é, pois, aqui mesmo. Para o cristão, para a Bíblia, há o elemento escatológico imprescindível e importante: o futuro do homem será um presente total quando ele estiver imerso em Deus.

1.3 – O tempo do deserto

A Bíblia salienta muito esse tempo do deserto, no livro do Êxodo. Poderia ter dito que o povo saíra e chegara. Se insiste, é porque o deserto como tempo, é elemento importante na História da salvação, na Libertação. O deserto é “a salvação já possuída, mas ainda não plena”. O deserto é a salvação embrionária; uma espécie de “suspense” da salvação.
Mas nem pelo fato de já ser uma salvação embrionária, o deserto deixa de ser duro, difícil. Por isso muitos não querem enfrentá-lo; preferem ficar onde estão; seguros. Esses, diz a Bíblia, nunca poderão ser libertos. Porque ele não têm esperanças. Por isso são excluídos da libertação (Cf. Jos. 5, 5-6). E há outros trechos:
Num 13, 27-33 – o medo de enfrentar as dificuldades futuras faz exagerar as descrições.
Num 14, 1-4 – as dificuldades futuras faz o povo revoltar-se e ameaçar voltar para a escravidão.
Num. 14, 20-23 – não querer a libertação é ofender a Deus Libertador. Se não quer, o povo, a libertação, não terá libertação. Morrerão todos eles, pois rejeitaram a posse da liberdade: rejeitar a liberdade é rejeitar a Deus.
O Deserto não é lugar de castigo, mas tempo de experiência, de aprendizado, de luta. É o tempo da pedagogia divina. (Deut. 8,5; 1, 31; 8, 15-16). Os 40 anos de deserto não precisam ser entendidos como um tempo cronológico, físico; e nem comom tempo de castigo, mas de ensinamento, treinamento para a libertação; para uma libertação consciente e não forçada. O deserto é então o tempo de maturação, de pensar, de assumir. (Daí, o profeta Oséias comparar o povo de Israel a uma esposa infiel, que será chamada de novo ao deserto para aí repensar a sua atitude).
O deserto é também o tempo de espera; tempo de silencia para ouvir a Deus. Deus falava por Moisés. (Notar que há uma semelhança morfológica muito grande entre as palavras deserto e a palavra, na língua hebraica. Deserto é “Midebar” e palavra é “dabar”. No deserto é que se ouve a palavra de Deus).
Mas nem sempre o povo espera ou ouve. Ás vezes se irrita e se revolta. O revoltar-se contra Deus é o não aceitar a sua palavra que prometia libertação. A palavra de Deus vai passar então para outras geraçãoes (que acreditarão e realizarão a libertação). Por isso as gerações incrédulas, que tinham saído do Egito (Cf. Num. 14), porque não souberam ouvir a palavra de Deus não entrarão na terra prometida (Num. 14, 22-23).
(HOJE: casocial, da geração tem seu compromisso sua consciência histórica. Deve fazer algo; senão, não realiza a história. Na Bíblia se mostra também que a salvação é histórica; deve ser construída por cada um e por cada geração).

2. O deserto-caminho

A palavra caminha, em hebraico “Derek”, tem na Bíblia um sentido teológico, além do antropológico (andar, mudar, aventurar, e também simbolicamente: bom e mau caminho) e do sociológico (transportar, migrar).
Os salmos, principalmente, colocam o “Derek”  como lugar onde se desenrolam as ações da vida, a luta entre o bem e o mal, o justo e o ímpio, por exemplo, conforme os salmos 1, 1-6; 2, 12; 5, 9; 36, 5 e etc.
No Êxodo o deserto como caminho é teologicamente a imagem da salvação que caminha. A salvação é um caminhar; é passar por. O deserto-caminho é uma realidade (andar), que traz um significado teológico (salvar). A salvação vem do peregrinar. Por isso na liturgia hebraica havia as procissões peregrinantes e as peregrinações para Jerusalém exatamente para mostrar esses aspectos de salvação que caminha. A procissão era, como a peregrinação, um refazer, um atualizar o Êxodo. (HOJE: não se poderia reencontrar o sentido da procissão ou das peregrinações? O povo é muito sensível a isso; o clero é arredio e descrente talvez por ignorar o sentido bíblico e teológico da procissão ao Templo e da peregrinação; coisas que a piedade popular aprendeu nas nascentes límpidas da fé que os antepassados legaram, sem mesmo terem estudado. E a Igreja tem ensinado pelo Concílio Vaticano II à teologia da Igreja peregrina, muito cantada na liturgia, mas nem sempre bem entendida.
O caminhar tem um sentido, uma diração, um termo, um final: é a salvação. E nesse caminhar, a tradição do Êxodo, Números e Deuteronômio salienta a providencial presença de Javé, históricamente. Algumas vezes, Javé orienta, dirige seu povo: “[...] e Javé depois me disse: há muito tempo que andais ao redor dessa montanha [...] agora, dirigi-vos para o norte” (Deut. 2, 1-3). Outras vezes Javé não fala mas dirige o povo pela nuvem de dia e pelo fogo á noite. Tudo isso pareceria que não é o homem que dirige seu caminhar, mas apenas Deus. Mas os textos mostram que o homem procura e Deus ajuda. E que há uma tensão nesse relacionamento: da parte do homem a vontade de usar plena liberdade para fazer ele mesmo seu caminho e o risco aquém ele se exporia em acreditar num Deus misterioso; da parte de Deus, em ter de aceitar (ou suportar) as infidelidades constantes do homem, que desobedece. Deus quer caminhar junto com o homem; por isso diz o Êxodo, Deus se fazia presente pela nuvem, pelo fogo, pela palavra de Moisés. O povo deveria segui-lo; ir atrás; essa era a segurança prometida por Deus; Ele, Javé caminha a frente de seu povo. Mas o povo nem sempre quis “ir atrás”, seguir um Deus misterioso, que não era visto. Não aceitou uma Providência que orientava. Por isso o povo fez o seu deus, para ter mais certeza. Um deus que podeia ser manipulado: bezerro de ouro (Ex. 32, 1ss). Foi produto de ilusão humana. E foi o grande pecado do povo: não seguir a Providência que caminhava com ele para seguir um orientador criado por ele mesmo. O homem fez o mapa para encontrar o tesouro escondido.
O Homem – salienta a Bíblia – só pode encontrar a salvação, a libertação, nem relacionamento pessoal com Deus. A salvação é comunhão com Deus. Deus mostra a salvação pela lei, e pela história. Segue-o aquele que quiser; aquele que quiser relacionar-se com Ele. Ele sempre caminhará à frente de seu povo. Negar sua companhia é comprometer a salvação, a libertação.
(Mais a frente há outras notas sobre o “Deserto”).

















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